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sexta-feira, 29 de novembro de 2013

UMA ESCRITA DE SI POSSÍVEL

UMA ESCRITA DE SI POSSÍVEL por Judson Cabral

COMO é difícil começar. E como é difícil, quase impossível falar em nome próprio. A uma voz que o precede a muito. Em o INOMINAVEL Beckett diz “é preciso continuar, eu não posso continuar...” Faz menção à ideia de que há uma voz que antes mesmo de está falando vem vindo... Como se ele só pudesse falar por essa voz. Era possível falar de umas coisas e de outras não. Era possível pensar algumas coisas e outras não. Alguns autores colocam em xeque a ideia de que existiria um sujeito soberano que fala e pensa que ele decide. “o que importa quem fala. Alguém diz o que importa quem fala”.
Criar procedimentos que interfiram de algum modo nessa produção de falas, ou se lance para fora delas, ou que pelos menos instaurem uma conscientização acerca delas vem me habitando com ofício da arte e da arte-pedagogia. Como a todo o momento somos lançados num ambiente de funcionalidades, ambientes esses que requerem disposições de papeis a serem executados para que o ORGANISMO SOCIEDADE possa funcionar.  Os cálculos a serem feitos e pensados por uma política estatal para saber aonde agir e o quanto agir na formação e manutenção daquele ambiente.
A todo o momento isso fica martelando na minha cabeça... Na busca de enxergar os dispositivos de construção dessa ECOLOGIA que vai se exercer sobre esse território. E aí me vem à pergunta O QUE ESTAMOS AJUDANDO A FAZER DA NOSSA INSERÇÃO VITAL NO MUNDO? Quando chego num equipamento educacional e cultural e me deparo com toda uma política de investimento na criação de uma espacialidade nos moldes do Xadrez. Espacialidade-ambiente sobre o qual os sujeitos, objetos, hábitos e significados são delimitados por meio da identificação, da representação e da imitação, ou seja, uma espacialidade estriada. Mas desanimemos, como diz Foucault, aonde existe poder, existe resistência.
A política pública cultural funcionando, por tanto, como criadora de ambientes aonde os sujeitos possam usufruir de certo tipo de arte e se apaziguarem na possibilidade da vivencia dela. Sendo assim, a arte ganha uma funcionalidade que não é mais da via da experimentação da liberdade, como dizia Mario Pedrosa, mas da funcionalidade na distribuição e reafirmação dos papéis a serem exercidos na sociedade.
Se ficarmos atento à política do número, isto é, da quantidade, enxergaremos um pensamento no qual o foco não é mais no processo e na apropriação dele (com seus meios e modos de produção), mas no produto como espetacularização do acesso à arte. A lógica não é mais e, talvez, nunca foi, em investir a arte e a pedagogia de produtoras de contra-condutas ou mesmo anti-condutas. E sim, de produtoras de condutas que muito bem faça parte dessa engrenagem de produção de riqueza com suas hierarquias e distribuições.
A arte e a pedagogia hoje ganharam o estatuto de produtoras de inclusão. Mas se existe a necessidade de inclusão é porque, claro, existe a exclusão. Contudo, não é qualquer inclusão, mas um inclusão que esteja no diálogo do dia com a política oferecida. A economia exercida. Eu crio no interior do equipamento uma comunidade dos partidários que foram beneficiados pela lógica da política brasileira de aliança. O que isso significa é que os jogos de cadeiras e membros que vão ocupa-las vão conformar um modelo cultural da exposição do grande número que circulam e desfrutam das modalidades oferecidas. A questão não está no COMO eles circulam e ocupam, mas QUE eles circulem. O número é fundamental. Claro que vai ser, ainda mais num mundo das cifras, do consumo, da mão de obra sucateada por uma lógica tecnicista. Uma lógica do certificado. “vamos ter o certificado no final” essa é uma das frases que mais ecoa ao procurarem o projeto teatro.  
Nesse território que começa a se redesenhar e se conformar ali no equipamento CEU Três pontes o que salta aos olhos é que o investimento dessa política é no território, ou seja, o investimento não é mais só no indivíduo e sim, na distribuição e acessibilidade.
Como resistir? Talvez aí esteja a ponte a ser pensada. Como resistir ao investimento dessa ecologia maior com sua demarcação em continentes que requerem uma maneira de habitar, se relacionar. Como se perder desse continente com suas maneiras e encontrar em pequenas ilhas habitadas por guerrilhas novas maneiras de ocupar o continente, fugindo e fazendo fugir seus estriamentos e limites. Ilhas que talvez sejam tanto pequenos coletivos de sujeitos que ali vão se encontrar e por meio de jogos experimentados habitam e transitam por outras perspectivas ou então, ilhas que são o próprio sujeito na relação da construção da sua paisagem poética e de si mesmo. 

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