Páginas

domingo, 24 de novembro de 2013

Sobre instauração de processos emancipatórios e outras configurações

Sobre instauração de processos emancipatórios e outras configurações

(O que posso dizer sobre processos emancipatórios a não ser a partir da minha própria experiência nesse exercício de expor-se ao outro e a si mesmo na construção de novas subjetividades...)

Adriana Amaral
Artista Orientadora Vocacional Artes Visuais/2013

Iniciar um processo, seja ele qual for sua natureza, implica lançar-se em direção ao novo. O que muitas vezes beira o risco de estar diante do desconhecido: o sair constantemente da zona de conforto, das nossas verdades e caminhar à deriva na busca de algo, que muitas vezes só torna-se claro quando o encontramos. Mas, a questão é: como sabemos que o encontramos, ou nos encontramos? Nem sempre os encontros acontecem, o que também é um risco e ao mesmo tempo, se pensarmos no lugar do encontro, ou de cada encontro, podemos torná-lo um desafio, que diferente do outro, isoladamente, nas estruturas das paredes precárias, traz consigo o que chamamos de intenção, o querer estar no risco da descoberta. Essa talvez seja a natureza nômade de se instaurar processos emancipatórios no universo das construções poéticas e das relações humanas, dentro dos encontros aos quais nos propomos no programa vocacional.
A intenção aqui não é desenvolver uma dialética dos encontros, mas inevitavelmente, existe uma necessidade de compartilhar, tal reflexão. Pensar o encontro não como fim, mas ponto de partida para o lançar-se do outro na busca de suas ansiedades, não sendo possível, de imediato, mensurar ou equalizar em resultados, mas sim em algo que se torne vivo, latente, pulsante. Então, que o vocacionado possa vir não mais apenas diante desse encontro, mas ao encontro de si e, talvez, seja aí o sentido de pensarmos em processos emancipatórios, quando nos colocamos para além da apropriação, quando adentramos o território da ressignificação dos sentidos e da valorização do sujeito, do outro, que se faz presente.
Propor processos emancipatórios é de certa maneira lançar-se também ao desconhecido, uma vez que para cada processo instaurado, muda-se o tempo, o lugar e as relações.  A palavra processo, também nos traz a ideia de construção, que por sua vez nos remete a etapas, trazendo consigo a experimentação das possibilidades e impossibilidades do próprio processo. Instaurar processos emancipatórios é de alguma maneira provocar no vocacionado a vontade de arriscar-se no universo da experimentação, de dialogar com as suas próprias possibilidades e impossibilidades, de se ver como agente propositor. Mas, para isso, é necessário quebrar com as nossas próprias certezas, com o nosso porto seguro dos discursos e das referências, e nos lançarmos para o encontro dos sujeitos. Assim, que possamos dar voz e ouvir o vocacionado, sendo necessário o nosso próprio processo emancipatório das nossas verdades. É preciso pulsar, sentir essa natureza nômade do encontro, que muitas vezes só se faz no ato, e o que isso pode dizer? Pode dizer, talvez, que no desafio do risco, das paredes precárias do risco, o encontro não se dá no lugar, e sim no tempo da experiência, o quanto isso atinge cada um de nós... Mas, é claro, às vezes faz muita falta o vermelho e amarelo cadmio, o azul cobalto e uma charbonnel... Mas isso, talvez, não tenha nenhuma relação com processos emancipatórios.
Processos emancipatórios, afinal do que falamos? Para além de linguagens, proponho subjetividades, diante do outro e de si. Não se trata de uma afirmação ou negação do sujeito e sim de um expor-se, quando nos colocamos, de certa forma nos despimos das imagens já prontas. Expor-se acarreta o risco do negar-se ou assumir-se como tal. Emancipar-se seria despir-se, expor-se e não anular-se, ser visto em sua integridade e poder dar voz à ela. Então, que o vocacionado tome a voz e que a linguagem nesse momento possa tornar-se arte. Isso pode ser que seja, talvez, um processo emancipatório, mas que se dá no tempo e não nas paredes precárias do lugar...
Processos emancipatórios demandam tempo. Tempo do encontro, da experiência, do lançar-se para si e para o outro, do despir-se e expor-se constantemente e do tempo das estruturas das paredes precárias ganharem força.
Uso muito a palavra experiência, descobri nos textos de Jorge Larrosa¹, e se não estiver equivocada, na sua atribuição, a experiência é aquilo que nos passa. Aquilo que fica e que de alguma maneira nos toca e transforma, que nem sempre consegue ser traduzido, mas está lá, latente, pulsante, vivo. Processos emancipatórios, talvez, se relacionem com isso, com algo que nos passa e nos torne maior, sem tutelas, ou muletas. De fato, elas nos ajudam, mas se acreditarmos também em nossas vozes, elas ecoam.
Ao despir-me aqui quero dizer que algo passou em mim e que ficaram algumas construções poéticas de subjetividades latentes, vivas, pulsantes. Vozes, que talvez só ecoem em um outro tempo, fora das estruturas das paredes precárias, e que isso, talvez, tenha alguma relação com processos emancipatórios.



¹Jorge Larrosa Bondía é doutor em pedagogia pela Universidade de Barcelona, Espanha. Publicou diversos artigos em periódicos brasileiros, entre eles: Notas sobre a experiência e o saber de experiência (Rev. Bras. Educ, 2002) e tem dois livros traduzidos para o português: Imagens do outro (Vozes, 1998) e Pedagogia profana (Autêntica, 1999).

Nenhum comentário:

Postar um comentário