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terça-feira, 26 de novembro de 2013

Caleidoscópio
José Romero
Coordenador Geral do Vocacional Dança 2013

...A vida,
nada tem com a magia
do caleidoscópio.
Aprendemos, devagar,
que é ao parar
que prosseguimos em caleidoscopia...
Zezé Lengos

Na impossibilidade de conseguir recortar e centrar minha intenção em um único objeto de estudo e reflexão dentro do vocacional Dança 2013, faço, como medida de desespero, um recorte caleidoscópico juntando textos que iniciei como proposta para um ensaio de pesquisa e textos que li no decorrer desse ano como inspiração para debater propostas pedagógicas, políticas e artísticas. Com a instauração das assembleias gerais a partir de agosto o meu P.P.A.P. (Plano Pedagógico, Artístico e Político) derrapou. 

Nem tudo que está contido nesse texto é verdade.
Nem tudo que está contido nesse texto é ficção.

É possível afirmar, aliado a pensadores contemporâneos como: Zigmund Bauman, embasado no seu livro Modernidade Líquida (2003) e em Jean Baudrillard no livro Simulacros e Simulação (1991), que vivemos em um tempo de profundas mudanças históricas, sociais, políticas e culturais.
É possível afirmar também, que essas mudanças irão redesenhar a presença e as relações humanas nos vários eventos cotidianos que hoje estão marcados, sobre tudo, pela mobilidade e aleatoriedade do conjunto de acontecimentos sociais segundo Aguirre (2009).
Podemos também afirmar que essa reestruturação e entendimento do “novo” que somos desafiados a enfrentar diariamente diante das diferentes realidades que vivemos no nosso cotidiano decorrem, em parte, pelas mudanças e reconfigurações estéticas impostas pelo avanço tecnológico, as novas formas de comunicação, o pensamento em rede, e uma nova ética e percepção do corpo implementada pelas tecnologias digitais.
É provável então, que novas ordens e modelos de organizações sociais – ou desorganizações – estão sendo desenhadas por esse cidadão que enfrenta um mundo em mudanças, móvel e aleatório, regido por uma ampla possibilidade de comunicação, acessível e global, que encurta o tempo e os espaços. Pode-se perceber isso em diversificados fatos social, mas é facilmente reconhecido face às variadas e frequentes mobilizações que nos últimos anos acontecem em diversos lugares do mundo, tais como: a “primavera árabe” nos países do norte da África; mobilização pelo passe livre e contra a corrupção no Brasil; contra o aumento de impostos na França; contra o desemprego na Espanha e outros movimentos sociais espontâneos.
Dentro do contorno proposto por essas primeiras considerações traço apontamentos sobre as reuniões artístico pedagógicas de equipe, que desde agosto se transformaram em uma ampla assembleia geral, para discutir temas políticos, artísticos e pedagógicos que envolvem a existência do Programa Vocacional de Artes, passando por algumas das tendências gerais dos processos artísticos contemporâneos e apontando como questões cruciais, de hoje, dentro das artes e seus debates estéticos e éticos a política e o corpo.

Em uma assembleia, os grandes movimentos de entusiasmo ou devoção que se produzem não têm por lugar de origem nenhuma consciência particular. Eles nos vêm, a cada um de nós, de fora e são capazes de nos arrebatar contra a nossa vontade. Certamente pode ocorrer que, entregando-me a eles sem reserva, eu não sinta a pressão que exerce sobre mim. Mas ela se acusa tão logo procuro lutar contra eles. Ora se essa força de coerção externa se firma com tal nitidez nos casos de resistência, é porque ela existe, ainda que inconsciente, nos casos contrários. Somos então vítima de uma ilusão que nos faz crer que elaboramos, nós mesmos, o que se impôs a nós de fora – do livro: “As regras do método sociológico” de Émile Durkheim.

Relendo Durkheim (2003), esse trecho em especial, escrito em 1895, fui afetado e passei a apreciar as assembleias de outra maneira ao pensar nas forças que se formam, nas direções que se instauram, e sobre tudo, de que nossa maneira de conduzir as discussões, onde se impõem um único ponto de vista, não se alinha com o movimento espontâneo que leva milhares de pessoas para a rua no mundo todo, onde cada um, livremente se manifesta e conduz seus cartazes protestando do que lhe parecesse mais justo.


ARTE
No que tange os processos artísticos contemporâneos e suas relações intrínsecas, na construção da obra de arte podemos afirmar que as questões da instabilidade e precariedade são apontadas na direção de atritar com conceitos anteriores que viam na obra artística uma preponderância do discurso do belo, da certeza estética, do produto acabado. O que vemos hoje é que a obra contemporânea está pautada no processo como condutor da obra. 
A obra de arte com caráter processual (re) existe em oposição à ideia de “produto”, do “espetáculo”, e da cultura de massa. É uma maneira de fazer/dizer do artista que mostra o caminho da processualidade da criação artística, revelando inúmeras vezes, as camadas que irão constituir a obra, o percurso do artista na sua pesquisa criativa, a reflexão sobre a materialidade artística e os acontecimentos que estão no entorno.
        Dentro dessas afirmações aqui propostas podemos pensar em alguns pressupostos que alicerçam o fazer / pensar de hoje o Vocacional de Artes. Nomadismo no espaço público, apreciação crítica dos conteúdos em processo (forma e conteúdo) e a busca de processos artístico “em emancipação” são exemplos que indicam essa escolha por uma obra aberta em sua processualidade. Embora incrustado em uma divisão que se nomeia como “de formação” o Vocacional de Artes tem em seu pensamento teórico nascente a marca de um projeto artístico para a cidade e se propõe a colocar seus chamados “artistas vocacionados” em uma frequente reflexão sobre seus corpos e a cidade pelo viés da arte.
        Recrutados a suprir várias deficiências que decorrem, de maneira geral, do modelo de contratação e da estrutura precária a qual estamos inseridos, passamos de artistas contratados para compartilhar seus saberes em arte em ArtistasMultiUso. Ser “multi” é um desafio para o qual nem sempre estamos preparados. Navegamos por caminhos diversos e singrando o oceano em rotas diversas miramos de longe a função primeira que nos fez ser contratados que é ser um artista vocacional.

ARTISTA
Impossível delimitar o campo real do que somos e qual é o nosso campo total de atuação justamente porque nos colocamos num fazer processual, fazemos no risco da experiência, atuamos dentro da instabilidade de nosso material norteador que foi pensado e construído de maneira a dar unidade e suporte as diversidades e contradições nos modos de produção de cada linguagem que coexistem dentro do programa. Com isso singularidades e especificidades acabaram sendo pouco debatidas, uma vez que o material norteador aproximava os discursos, mas não as práticas efetivamente.
Transcorrido alguns anos é necessário olhar como estamos fazendo hoje e a partir desse novo olhar reescrever os destinos no enlace entre o que é geral e o que é específico de cada linguagem no contexto artístico, pedagógico e político.
Sem perder de vista que as experiências vividas nas assembleias gerais movimentaram as placas de sustentação, conteúdo e forma do Vocacional de Arte que agora carece de um espaço de reflexão para reagrupar as experiências e os saberes. Construir uma base para depois redesorganizar. Essa é a forma de oxigenar a diversidade fazedora que nos move.

O que fez a espécie humana sobreviver não foi apenas a inteligência, mas a nossa capacidade de produzir diversidade. Essa diversidade está sendo negada nos dias de hoje por um sistema que escolhe apenas por razões de lucro e facilidade de sucesso.  Trecho do ensaio literário E se o Obama fosse africano? de Mia Couto.

Ainda que amorfa, pensando-se em organização social, a assembleia geral, uma vez que está em curso e em experiência, gera um campo legítimo e agudo para reavaliar, reorganizar, refletir sobre o quê somos hoje dentro da cultura na cidade de São Paulo. Não haverá respostas, mas  talvez um impulso para um salto em direção a novos modos de atuação do Vocacional de Artes. É uma maneira de se fazer em processo, amplamente espelhado na contemporaneidade.

Lideres da guerrilha escreveram uma mensagem para os soldados:
Lembre-se que, não distante daqui, próximo a Marabá, as Minas de Serra Norte – as maiores reservas de ferro do mundo – estão nas mãos da poderosa empresa ianque United States Steel. Tenham em conta que a democracia acabou no Brasil e ninguém pode criticar os governantes. Vale  a pena se sacrificar por uma causa tão ingrata? Meditem um pouco. Não permitam que os tornem autômatos e assassinos de seus irmãos. Os combatentes do Araguaia são jovens patriotas. Não cometeram nenhum crime. Querem acabar coma ditadura, construir uma nação livre e próspera almejam o bem-estar de todos os brasileiros. Do mesmo modo que eles, vocês são filhos do povo trabalhador. Por que, então, combatê-los? O movimento guerrilheiro é invencível. – do livro: “MATA! O major Curio e as guerrilhas no Araguaia” de Leonencio Nossa.

MUDA!
O ambiente virtual propõe novas reflexões filosóficas, possibilidades tecnológicas e atributos estéticos para o mundo das artes e aborda uma nova política do corpo. Dentro deste ambiente de integração entre arte e tecnologia uma nova mediação estética surge, remodelando a percepção, reinventando o espaço criativo fazendo - nos imaginar diferente e levando-nos a mudar a forma e as ideias que orquestram os acontecimentos atuais. Estamos então buscando a partir da pratica política instaurada construindo novos espaços de atuação com os nossos materiais artísticos?
Nesse sentido Virillo (1986) aponta a criticidade do espaço com ênfase na arquitetura. Reforçando o pensamento de mudança em todos os campos do conhecimento e de maneira global, ele indica que passamos em período de reorganização do mundo, pois o que vivemos são mudanças de paradigmas e de percepção do lugar que ocupamos, seja ele no mundo real ou no mundo chamado de virtual.

Invadimos com nosso trabalho no vocacional dança os cantos mais remotos da cidade - do centro as bordas - invertendo, algumas vezes, a noção de centro (atributo do ser nômade). Mas como fazer para deixar a cidade invadir nossos corpos e todos os corpos que compõe o Vocacional Artes? como atuar na potência de humanizar e construir a cidade que a gente imagina? Trata-se, recorrendo a Antônio Cândido (1985) de “humanizar o homem”.

Índice de interpretação
O que vemos então, nos processos artísticos contemporâneos, é a questão dos espaços físicos e os espaços imaginários que o corpo ocupa - corpo aqui entendido como o corpo real, simbólico e virtual – apontando para uma aproximação da relação arte e vida muito presente e aguda no sentido de aprofundar a desorganização do pensamento existente e de causar novas tensões no espaços sociais.
Aguirre (2009), ao tratar da educação e do ensino da arte, coloca que o momento é de atuar sobre o desorganizado que vivemos hoje, e na arte contemporânea, o que vemos é esse ataque ao discurso certeiro, enganador, arrumado daqueles que dão as orientações gerais ao mundo.

Lício e o coronel Sérgio Carlos torres partiram de Xambioá com dez homens. No fim de um dia de caminhada pela margem do rio Araguaia, chegaram a casa do agricultor José Perreira. De madrugada, guiados por João 22 anos filho de José, retomaram a caminhada até o sítio dos “paulistas”. Ao meio dia avistaram dois homens e uma mulher numa palhoça na parte mais elevada. Lá estavam Jaime, a mulher, Regilena, e o bancário pernambucano Miguel Perreira dos Santos, o Cazuza. Cachorros latiram com a aproximação dos militares
Regilena percebeu a movimento no matagal abaixo
- é a reação! – disse Jaime
Os três guerrilheiros entraram no mato. Não deu tempo de levar a panela com a galinha que Cazuza preparava. Na palhoça, Lício e o coronel Sérgio encontraram manuais de treinamento, remédios, mochilas,maquinas de costura e bússolas. A guerrilha fora descoberta. A partir daí,vieram as tropas fardadas. – do livro: “MATA! O major Curio e as guerrilhas no Araguaia” de Leonencio Nossa.

Esse é o lugar da arte como política, uma política de enfrentamento não (somente) nos seus objetos poéticos, mas nos seus modelos de atuação, que visam, entre outros, instaurar a potência reflexiva do corpo no que ele tem de humano, dentro do entendimento de que a obra de arte é uma experiência estética em fluxo e aberta Dewey (1934) para que possamos imaginar novos mundos e soprar neologismos construtores de novas ordens lastreados nas experiências que nos tocam diariamente.

Embora as cronologias se apresentem como fruto de uma objetividade de datas, tais datas estão marcadas por uma escolha, e tal escolha já é índice de interpretação. As datas estão longe de ser dados indiscutíveis – são construídas também, tal como os fatos históricos: fazem parte de uma versão. AMAURY MORAES


A implantação do Programa Vocacional (teatro-2001) desenvolvimento e crescimento (dança-2007; música-2008; artes visuais-2010) trouxeram alguns benefício como a rede de trocas artísticas que se instaurou pela cidade e o aumento de artistas envolvidos, mas também, uma miopia geral sobre o que queremos o que sabemos fazer e quais são os nossos limites e objetivos hoje. São contradições e olhares diversos que emergiram acentuadamente com a realização das assembleias gerais durante os meses de agosto a novembro de 2013 e que darão o tom dos discursos políticos de 2014. Oxalá permita!



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