I - ENSAIO
2013 - Tempo e Artista
Para começar esta
escrita revisitei meus
ensaios do ano
passado e eis
que vejo neles uma mesma
questão que faz parte
do centro de minhas inquietações:
O artista diante da
realidade.
Não é todo artista ou qualquer artista, mas este
que procura agir sobre
a realidade, neste caso
estes que estão
no Vocacional e a
realidade é aquela
para além do
já sabido e este já
sabido é para
mim um incomodo.
“ em trânsito ,
um dia
a caminho de um equipamento, nas avenidas
e estradas que
revelam as diferenças
sociais na geografia
da cidade como;
a passagem de prédios
bem acabados para
pequenas e depois
grandes formações de “barracos” , casinhas sem maquiagem, tijolo baiano,
precárias, que revelam que o esforço desses moradores
tem um limite, tijolo aparente
não por estética mas por limitação, é
como a maquiagem barata dos palhaços pobres que
sempre derretem e
escorrem pelo rosto. Mais a
frente a
reprodução de um modelo de
sociedade da qual
fazemos parte todos nós,
pequenos trechos comerciais, lojas e
feiras de tudo, novidades e
quinquilharias, em torno
das quais se
aglomeram como num
formigueiro a população local,
logo depois ... vazio, nos
equipamentos de cultura para onde vamos,
vazios. Num desses
dias escrevi em
meu caderno de
notas : a caminho, ouvindo Chico
e observando a
cara da pobreza
na rua me
vem um velho
pensamento “ estamos acostumados demais
em nosso olhar
com a miséria”,
ou melhor , o
já sabido que é
o efeito criminoso
da ação do poder econômico
através da cultura
de massas, mas
isto tem nos
ajudado ou nublado
nosso olhar sobre
esta realidade? “
Dessubjetivação.
Subjetivação.
Penso que para gerarmos
processos que gerem novas
subjetividades é preciso
considerar que haja
a dessubjetivação, o que
implica numa postura, numa
atitude deste artista
diante das realidades
que encontra em
seu trabalho. Entendo
que por este
caminho exercitar o
olhar sobre a
localização do sujeito
no mapa da
estrutura social, das relações
sociais é fundamental, porém o
modo de provocar
este olhar crítico tem
várias formas de
acordo com o universo de cada artista e grupo
de vocacionados, mas
a atitude deve estar lá, assim se mantém
presente este espírito
de observação, de localização , olhar crítico, que
aprofunda
nas experiências práticas
dos encontros, passo a
passo, a percepção
da relação vida
e arte .
Interiorização , Crenças
e Sentimentos .
Recorto aqui um
trecho do texto “ O que é um
dispositivo?” de Giorgio Agamben,
com o risco de descontextualizá-lo, mas que me
ajuda a organizar
meus pensamentos não
tão lúcidos.
“Se positividade é o nome que o jovem
Hegel dá ao elemento histórico, com toda a sua carga de regras, ritos e
instituições impostas aos
indivíduos por um poder externo,
mas que se torna
, por assim dizer, interiorizada nos
sistemas das crenças
e dos sentimentos, então Foucault, tomando
emprestado este termo ( que se tornará mais
tarde “dispositivo”) toma posição
em relação a um problema
decisivo, que é também o seu problema
mais próprio : a
relação entre os
indivíduos como seres
viventes e o
elemento histórico, entendendo
com este termo
o conjunto das
instituições, dos processos
de subjetivação e
das regras em
que se concretizam
as relações de
poder. O objetivo último de
Foucault não é, porém, como em Hegel, aquele
de reconciliar os dois elementos. E nem mesmo o de
enfatizar o conflito
entre estes. Trata-se
para ele antes
de investigar os
modos concretos em que
as positividades ( ou dispositivos) atuam
nas relações, nos mecanismos
e nos “jogos”
de poder.”
“Investigar os
modos concretos em que os
dispositivos atuam...” ( sobre o
sujeito ) é uma
proposta que para mim
faz parte deste olhar sobre
a realidade que nos vem, ou
através dela, também
da atitude do
artista sobre o grupo, o meio
e sobre si
mesmo , e pede
um estado de
atenção. Penso , porém, ser
importante , necessário esse processo
de localização do sujeito
dentro desses jogos
de poder como
um instrumento/brinquedo artístico-pedagógico dentro
dos processos desencadeados
pelos artistas-orientadores, talvez não
na dimensão do
conflito desta relação:
sujeito - instituições/dispositivos,
ou talvez sim, quando
necessário, mas sempre
como um exercício
de atenção sobre
esta relação, daí
podem surgir, reflexões,
escolhas, ações.
Aqui cabe um
comentário sobre nossa
equipe de teatro
sul-2 , composta de excelentes artistas-orientadores que
carregam consigo, em
suas malas de
brinquedos, ao meu
ver é claro,
este estado de
atenção que provoca, cada
um ao seu
modo, esse olhar
crítico e poético
ao seu tempo.
E
para colocar em
relação essas diversas
experiências a equipe
preparou uma ação
conjunta, de modo
que artistas e
vocacionados possam olhar
para e refletir
sobre os processos
em andamento ou
em gestação e
das convergências ou
fricções ou negações
que ali se
apresentem.
Nesta ação
coletiva cada grupo
de vocacionados, grupos
e turmas de
um equipamento prepara
o encontro e
experiências a partir
de seus processos
para trocar com
todos os outros. E
a apreciação sobre
todos os momentos, da
preparação a realização do encontro é
um modo de
olhar para si
mesmo e para
o coletivo e
sobre os processos
vivenciados.
Paulo Fabiano
Coordenador Teatro - Sul 2
II - O
MAPA DA TERRA
INCÓGNITA (?)
Ø
Luc Ferry ( Um Novo Humanismo ).
Numa mesa
de café ( filosófico ) estão
dialogando Jorge Forbes , psicanalista, e Luc
Ferry , filósofo, sobre
a proposta deste
para um Novo Humanismo. Eu
de canto, faminto, observava o papo.
Para o
início do trabalho com a equipe,
com a intenção
de provocar um
diálogo/processo entre nós,
levei o vídeo
deste “café filosófico”, e deste encontro
surgiu a proposta
das “reverberações”, uma
troca entre nós
onde cada artista
proporia um material
de suas referências para
impulsionar as reflexões
sobre o trabalho.
Mas, voltando
ao café.
Este encontro
entre estes dois
pensadores e as
questões levantadas ali
são para mim
muito caras, como
um óculos para
a minha miopia
crônica sobre meus
pensamentos por vezes intensos
e desarticulados (pelo
receio de ser por
demais determinista *).
Eis algumas
questões :
Jorge Forbes
introduz o diálogo
com a seguinte
imagem : que neste
nosso tempo somos
“desbussolados”, no que
diz respeito a um pensamento
que nos oriente, colocando num contexto
histórico onde a
orientação no mundo já foi, religiosa, racionalista, desestruturante e agora
desbussolados, uma afirmação sobre
o mundo hoje , aliás, constante em outros
pensadores atuais.
E de
Luc Ferry vem
outras questões :
“As pessoas
não tem mais
nenhuma razão para
ficarem juntas...”
“A
liderança vertical
já não é
aceita neste tempo ( pós-modernidade )”, referindo-se
especialmente aos jovens
na sua relação
com as instituições, a escola por
exemplo.
E essa
questão que tem
desdobramentos para mim
muito importantes.
A idéia
de sagrado.
“O
sagrado é aquilo
pelo que podemos nos
sacrificar”
E neste
tempo desbussolado “ não há mais o sacrifício pela pátria
ou pela revolução, nem pela política, nem pela
transformação social, nem por Deus. O novo
rosto do sagrado é um
rosto humano.” O novo
humanismo de Ferry diz
que há sacrifício
sim por outro
homem e por
amor. O amor e
o sacrifício são
alinhados aqui sobre o exemplo da
relação pais e filhos.
Uma
outra questão é
a que levantam
sobre a educação
dentro deste panorama. E o
olhar que Ferry
lança sobre o
assunto , creio, nos diz
respeito e colabora
na reflexão sobre
nossas ações, da equipe quero
dizer.
Eis.
Diante de um
mundo do hiperconsumismo, onde se é
seduzido o tempo todo por objetos, coisas, onde
o sujeito é
acima de tudo
um consumidor, e pensando
nas crianças, alvo fácil
desses dispositivos, o que fazer?
O que ele propõe é que, não adianta afastar a
criança da frente
da TV ou do
computador, enfim, mas que
podemos oferecer a ela algo
mais interessante e
profundo e neste ponto cita
a mitologia grega
como possibilidade de
provocar as percepções
do receptor a
conexões mais complexas, no
caso a criança. Esta é , claro, uma síntese
da reflexão sobre
educação, feita por ele, mas
que aqui fala
muito diretamente a
nossas práticas e reflexões.
Os vocacionados
não são crianças,
mas são como
elas e todos
nós, seres transformados em
consumidores, atravessados o tempo
todo por estes
dispositivos da mídia
que formam valores, éticas. Como
por exemplo a
ética rasteira do
cada um por
si.
Especialmente neste
ponto vejo com
apreço uma prática
comum a nossa
equipe que é a
utilização do instrumento/brinquedo
artístico e pedagógico das Referências
. Cada artista leva ao
seu encontro referências
do seu universo e
experiências, para disparar ou
dialogar com o
universo dos vocacionados.
Em alguns casos
as referências são
da música, das
artes plásticas, cinema,
literatura dramática ou não.
Como
um pai que lê histórias da mitologia grega
a seus filhos, por exemplo, guardada as
devidas proporções e
relações, essa prática
tem se mostrado
bastante potente para
enfrentar o gigantesco
e criminoso processo
de dessubjetivação a
que estamos expostos
todos nós, sendo
necessário , entendo eu,
perceber as limitações
de nossas ações.
Nos materiais
de referência que
tem sido trabalhado
pela equipe há
conteúdo potente para
a reflexão sobre
as nossas relações
hoje com o
hiperconsumismo, uma forma de
localização por exemplo,
mas há também
nesses materiais a
apreciação estética , das escolhas formais, o
modo do artista
apresentar, organizar suas questões . A
reflexão que vem
daí , nas práticas da equipe, parte
antes de uma experiência física,
seja diante de
vídeos, como por exemplo
do estressado ilha
das flores e do
silêncioso 1,99, ou de
exercícios de escuta
musical ou de
leitura de obras
plásticas. São procedimentos que
tem a capacidade de provocar nossas
percepções, exercitar os
vários ângulos do
olhar sobre o
objeto, e criar
movimento interno,
inquietação.
Por esta
perspectiva posso fazer
relações com a proposta
do pensador Luc Ferry
às práticas da equipe, não
como um caminho
de acerto, definitivo,
mas como um
modo de observar
e agir sobre
a realidade. Com
este estado de
atenção que leva em conta a
relação dessubjetivação /
subjetivação.
(E há
também este aspecto
importante, que é
preciso tornar orgânico
em nós, que
cada vez mais
algum projeto ou vontade
de transformação social
passa mesmo pelo corpo a
corpo. )
E mais
uma vez, ao
modo talvez de
um hiponnemata em
esboço, cito Giorgio Agamben e
seu texto “O que
é um dispositivo” , como uma
forma de situar
essas reflexões em
uma de suas
perspectivas fundamentais (
um modo
de olhar a
realidade ) :
“Recapitulando,
temos assim duas grandes
classes, os seres viventes ( ou
as substâncias) e
os dispositivos. E, entre os dois, como terceiro, os
sujeitos.
Chamo sujeito o que resulta da relação e, por assim
dizer, do corpo-a-corpo
entre os viventes
e os dispositivos.”...
“Não seria provavelmente errado
definir a fase
extrema da consolidação
capitalista que estamos vivendo
como uma gigantesca
acumulação e proliferação
dos dispositivos. Certamente,
desde que apareceu
o homo sapiens
havia dispositivos, mas
dir-se-ia que hoje não haveria um só instante
na vida dos
indivíduos que não seja
modelado, contaminado ou controlado
por algum dispositivo.
De que modo, então, podemos fazer
frente a esta
situação, qual a estratégia que
podemos seguir no
nosso corpo-a-corpo cotidiano
com os dispositivos?
Não se trata simplesmente
de destruí-los, nem, como
sugerem alguns ingênuos,
de usá-los de
modo justo. “
E
na sequência do
seu texto o
autor aponta uma
possibilidade : “ Mas
aquilo que foi
ritualmente separado
pode ser restituído
pelo rito à
esfera profana. A
profanação é o
contradispositivo que restitui
ao uso comum
aquilo que o
sacrifício havia separado
e dividido.”
E por
um outro ângulo
coloco aqui uma outra
reflexão de Albert
Camus , para mim muito
cara .
Diante da
questão da libertação
da Argélia, apoiada por
muitos intelectuais franceses, que em
síntese significaria a
autonomia daquele povo,
já meio francês
inclusive, sem as
condições físicas/econômicas para
sobreviver , Camus faz
a crítica ao processo e
daí vem esta
reflexão que quero
grifar :
Que
o movimento de
transformação/ revolução
numa comunidade ,
nasce do sentimento
de compaixão, ( que
para alguns colegas
hoje é um
sentimento morto ) do
reconhecimento que a
minha dor o
meu problema também
tem a ver
com o outro, ou
vice-versa, deste ponto os
homens se organizam
e buscam uma
solução. Porém nisto
tudo há um
risco, quando o
movimento se agiganta
e vira uma
bandeira política, se
institucionaliza, e assim
passa a viver
no plano das
idéias e longe
da realidade, do
sentimento que gerou
o movimento.
Eis o perigo, o risco, institucionalizar a
força geradora da
transformação, da ruptura, da mudança.
Paulo Fabiano
Coordenador Teatro -
Sul 2
III
- LADO B
NOTÍCIAS DOS
BRASIS
13 DE
JULHO ACONTECEU NO CEU FEITIÇO
ENCONTRO ENTRE JOVENS
ARTISTAS.
Antes do
fato do encontro/fricção , quero
compartilhar trechos de
uma trilha sonora
que me acompanhou por dias
em trânsito pelas estradas
do Vocacional e que
para mim, para minha
reflexão faz muito
sentido nos acompanhar
a partir daqui.
Trata-se
do
disco de Chico
Buarque - ParaTodos e
neste caso da
música com mesmo
nome:
“
Foi Antonio Brasileiro
Quem soprou
esta toada
Que
cobri de redondilhas
Pra
seguir minha jornada
E com
a vista enevoada
Ver o
inferno e maravilhas...”
Ver o
inferno e maravilhas
, faz parte
deste estado, desta
presença do artista,
deste certo artista
diante da realidade.
Quando os
jovens artistas vocacionados
do Feitiço da Vila me
procuraram para falar
de sua intenção
de criarem uma
ação de ocupação artística
naquele CEU e
fazer isto junto
com os jovens do Movimento
Cruk de Paraisópolis, onde atuei, me
enchi de ânimo
e começamos então
as articulações e
por fim estavam
todos lá no dia 13 de Julho. Fez-se o cortejo, as
performances se seguiram
ocupando vários espaços do equipamento, algumas
mais elaboradas e
outras em construção,
e chegou-se por
fim às apresentações
dentro do teatro, destinado mais para a dança e para o bate-papo final. Ali dançaram,
uma jovem aprendiz de
Ballet Clássico, num solo,
o trio encabeçabo pelo Rafael de
Paraisópolis, dança Pop e os
dançarinos de Dança
de Rua ligados
ao Hip Hop.
Do momento
do bate-papo, podemos
observar a dificuldade de elaboração da fala,
da organização das
percepções de momentos tão intensos, a organização e elaboração de seu discurso, um conflito interno externo sobre o quanto
aquela ação moveu
aqueles jovens. Destaco
especialmente, e tento
reproduzir aqui a
perplexidade e maravilhamento de um jovem dançarino de rua quando
viu e depois
tentou falar sobre
o trio de
dança Pop do Rafael : “ Nossa cara... meu... apesar
de ser essa
dança ai... de vocês
serem... ( gays ) eu preciso
dizer... vocês dançam
demais cara, é demais...”
E
o
papo correu, e
reações como esta
nos levaram a
tocar em pontos
preciosos de nossas
existências ali nesses
momentos, como a quebra
dessas fronteiras invisíveis
e a força que
a arte tem para
demoli-las, assim como
suas ideias, sua
criação e a
reflexão sobre elas
se potencializam numa
ação junto com
outros jovens criadores.
Outras
questões reverberam dali como
a relação desses
jovens com o
espaço público.
Mesmo no
tempo do diálogo, que língua falar
com os novos
gestores desses equipamentos,
Coordenadores de Cultura que enxergam
no movimento fluído e em fluxo de um encontro como este a
falta de organização, falta de
“profissionalismo” e propõe
organizar o “bloco” ? :
para este caso uma
resposta possível seria “... não traz lema
nem divisa, que agente não precisa que organizem nosso carnaval...”
Afirmo que,
quando o terreno é propício,
provocar a geração
de ações é
muito importante para o
processo criativo e
emancipatório. Defendo esta
ferramenta/brinquedo dentro do
nosso jogo de
relações no vocacional
pela sua potência
em atravessamentos, em movimento
interno, em conscientização, em
experiência física/estética.
Mas acrescento
a importância do
“como” fazer, para não se
criar a ilusão
do gesto, mas
ao contrário estimular
o aparecimento do
gesto. Escolhas conscientes.
Das reflexões
em nossa equipe
sobre esta Ação
dos jovens artistas
no Feitiço e
mesmo em encontros posteriores,
transitam ainda em
minha cabeça já um
pouco gasta, algumas falas que podem parecer óbvias mas
são mesmo profundas:
“...
quanto as fronteiras invisíveis...
é isso... é a arte
mesmo, é a
força do fazer
artístico que pode transformar isto...”
Associo aqui
para não se
perder; fronteiras invisíveis
- necessidade de
sobrevivência - identidade/gueto -
sobrevivência - Dispositivos -
Dessubjetivações - aceitação -
sobrevivência ...
“
Cada vez
mais entendo que a coisa
( o trabalho, a transformação...
) se
dá aqui no
pequeno, no Tetê-a-tetê... “
Cabe aqui
ouvirmos mais um
trecho de ParaTodos :
Nessas
tortuosas trilhas
A
viola me redime
Creia, ilustre cavalheiro
Contra
fel, moléstia, crime
Use
Dorival Caymmi
Vá
de Jackson do
Pandeiro
Vi
cidades , vi dinheiro
Bandoleiros, vi hospícios
Moças feito passarinho
Avoando de edifícios
Fume
Ari, cheire Vinícius
Beba Nelson Cavaquinho
Para não
parecer uma redução,
uma facilitação este
acento sobre a
potência transformadora da
experiência estética, da
experiência da arte, creio
necessário grifar a
importância deste “como”
propor, agir, estar.
Este “como” , entendo eu, pressupõe um
artista com este
estado de atenção
e de agir
sobre esta realidade que lhe chega
através dos equipamentos
e vocacionados : a presença
da macro-estrutura , do pensamento do poder dominante, da
cultura de massas,
das opressões sociais...
Para além
das falas e
posturas, por vezes moldadas
criminosamente pelo sonho
de consumo, pelo
senso comum, pela interiorização de
dogmas religiosos, morais,
habita ali em
algum corpo uma
história riquíssima, um
canto a muito
esquecido, um adolescente
olhar agudo e
poético sobre a
vida se formando,
uma poesia que
veio do olhar-se, tocar-se, ser
tocado, cabelo crespo,
minha condição social.
O
‘como” tocar neste
ser que ali
habita é matéria
de muito trabalho, de
investigação, de postura.
O
trabalho segue adiante, eu
sigo em trânsito, no
trânsito, nessas estradas
vendo inferno e
maravilhas; numa a
senhorinha que dança
de micro-saia e
bustiê em frente
a uma loja
em meio a feira, noutra
a loira falsa balançando sem graça a
coreografia do Faustão
distribuindo panfletos, solitária, lutam para sobreviver ; noutra
num canto sujo de praça
final de feira
barulhenta uma roda
de choro sofisticada,
futebol de várzea,
a vida seguindo
adiante e em
nossos encontros a
possibilidade da poesia.
Da dureza
da constante e
necessária resistência às
instituições, aos dispositivos
de controle, da necessária
reflexão sobre nossas
relações com elas,
do teatro com
o Estado por
exemplo, fui transitando
para algo mais
poético onde está, na
sua maior parte
acredito, nossa vida.
É parte da
experiência de um
corpo nesse processo
atravessado por todos
esses lados das
relações. Um corpo
com sede do
poético. Construi mentalmente
a imagem que
se segue para
esse momento que
vivemos juntos na equipe do
Vocacional Teatro :
“Um encontro/choque/carícia entre
um Artista e
seu universo, suas referências ,
experiências, calos, loucuras
e o universo
do sujeito em
busca de... “
Tempo
e Artista
Chico
Buarque / 1993
Imagino
o artista num anfiteatro
Onde
o tempo é a grande estrela
Vejo
o tempo obrar sua arte
Tendo o
mesmo artista como tela
Modelando
o artista ao seu feitio
O
tempo, com seu lápis impreciso
Põe-lhe rugas
ao redor da
boca
Como contrapesos
de um sorriso
Já vestindo
a pele do
artista
O
tempo arrebata-lhe a
garganta
O
velho cantor subindo
ao palco
Apenas abre
a voz, e o tempo canta
Dança o tempo
sem cessar, montando
O
dorso do exausto bailarino
Trêmulo,
o ator recita um drama
Que ainda
está por ser
escrito
No
anfiteatro, sob o céu de estrela
Um
concerto eu imagino
Onde,
num relance, o tempo
Alcance
a glória
E
o artista o infinito
Parei pra pensar,
o que será
que o tempo
está cochichando nas
orelhas dos queridos
companheiros ?
Reflexão tardia
Em busca
de... Depois de
mais de um
ano organizados em
assembleias, reuniões com
vereadores, apoiadores, chafurdando
em leis e nos intestinos
da velha máquina, ouvi
essa expressão mais de uma
vez, lá nos intestinos, é
mesmo uma imagem
significativa, enfim... quando
paramos para pensar
sobre o que estamos fazendo vemos um grande esforço,
repetitivo a séculos,
para poucas, mas também significativas conquistas,
mas sempre poucas, o que significa que
logo mais, na próxima rodada, na próxima gestão, no próximo governo,
lá estaremos novamente .
“Quando penso no futuro, não
esqueço do passado, ohhh!!” Paulinho da Viola.
Salve Mário de Andrade nessa
corrente. Mas enfim, final de 2013
e estamos lá na
Câmara novamente, verba para
o orçamento da Cultura
e aqui a
questão que grita
seu grito mudo: a
velha relação do
estado com o
Artista, ou com a
Arte, que não
muda, que não quer
mudar e que
enquadra a arte
em contratos de
licitação, em projetos
com resultados pré-estabelecidos, em
formatos justificados científicamente...
Isto
é o que temos vivenciado; o difícil
caminho ao entendimento.
Porque é tão
difícil aceitar que
o risco de
um processo de
criação é também
sua potência, e no caso
do Vocacional também ?
Em uma
outra relação possível
com o artista, ou
a arte, será
preciso aceitar o risco, o inacabado, mas
para isto, para essa
mudança, é preciso coragem
e disposição, algo
que a velha
máquina não tem, o que ela tem ? Sistemas de
adaptação.
Para lembrar, talvez errôneamente , o sussurro
de outro grande
artista, Guimarães Rosa:
“...
mire veja, o homem não é
acabado, e isso
é que é
bonito...”, algo assim.
Paulo Fabiano
Coordenador Teatro
- Sul 2
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