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terça-feira, 19 de novembro de 2013

RELATO DE AÇÃO CULTURAL

Artista-orientador: Luiz Pimentel

Equipamento: CEU Jaguaré

DIA 05 DE OUTUBRO DE 2013

No dia 5 de outubro, a Revista Geni (revistageni.org) foi se exibir no CEU Jaguaré compondo a programação de um evento dedicado ao debate sobre a diversidade sexual. A Revista Geni é uma publicação da qual participo e que se dedica a discutir os temas da diversidade de gênero.
Ao longo desse ano dentro do CEU Jaguaré, como artista-orientador, esbarrei com diversos tipos de preconceito tanto em espaço de aula quanto em outros espaços dentro do equipamento. Uma espécie de desprezo generalizado pelo outro, uma desvalorização contínua das diferenças (mais esmiuçada nos três ensaios de pesquisa escritos para o Prigrama).
Talvez porque seja uma característica atual do teatro atrair e acolher figuras um tanto desajustadas e, de alguma forma, fora da normalidade, minhas aulas no CEU são frequentadas, em sua maior parte, por adolescentes com muitas diferenças entre si e peculiaridades inusitadas. A temática da diversidade pareceu urgente ao Núcleo de Cultura do equipamento e, no dia 05 de outubro, houve uma programação inteira dedicada ao tema da diversidade sexual.
Carolina Meneghatti, Alciana Paulino e eu estávamos representando o coletivo Geni neste lançamento. Estavamos ao lado de meninos jogando bola. Enquanto montavamos a mesa com esmaltes, manifesto e espelho, um dos meninos se aproxima e pergunta o que era aquilo. Antes que pudessemos responder, sua curiosidade foi rapidamente escarnecida por um dos amigos: “Vai pintar a unha, é? “E qual o problema?” uma delas perguntou. ''Ele não seria mais homem”, foi a resposta sem dúvidas, reta; seguida de uma história de quase horror de umx vizinhx do bairro que havia começado a pintar suas unhas e deixado de ser homem. Um amigo que chegara antes e estava acompanhando a cena, pintou o dedinho de azul e mostrou pros meninos. O que eles apenas reprovaram e voltaram pro jogo.
Na parede em frente ao teatro, estava sendo projetada a Revista Geni e o manifesto impresso era entregue ao público (http://revistageni.org/manifesto/). O público era composto por moradores do Jaguaré, alunos de teatro do CEU, amigos e familiares.
A Geni abriu o encontro: optamos por apresentar a Revista a partir da personagem que lhe dá nome. Contamos a história da Geni e expomos o processo de organização do coletivo.
Depois deste lançamento, houve a apresentação da peça Um dia você vai entender, do Grupo de Teatro Impacto. A peça, que existe há mais de dez anos, exibe em cena o processo de um adolescente que vai saindo do armário. Apesar de seu enredo simplista e de alguns clichês na representação de alguns tipos sociais, a recepção da peça foi curiosa. Muitos comentários (especialmente dos vocacionados) ao longo da peça (em especial nas cenas de carícias gays): cochichos, olhares curiosos, cabeças que se abaixam e olhos que se fecham nas cenas de carícias, risos altos, assobios, algum tédio e algum espanto.
Uma das cenas mais interessantes da peça é realizada pela atriz e travesti Maryana Mercury, que desce pelo corredor do público e faz um discurso sobre o respeito que exige e sobre o amor que tem em ser o que é. Logo depois a música sobe e ela faz uma dublagem convidando o público a dançar com ela.
Ao término da peça, as coordenadoras de Cultura do CEU Jaguaré Jô Pereira e Alessandra Acedo abriram um rápido debate com o público e chamaram o Geni para participar. Alessandra Acedo, recém-eleita Conselheira Estadual do Conselho Estadual da Diversidade Sexual, a partir de seus 15 anos de ativista lésbica, abriu a conversa posicionando o CEU Jaguaré como espaço de discussão e acolhimento da diversidade.
As intervenções do público no debate foram variadas. Havia curiosidade por parte de alguns de saberem se os beijos trocados pelos dois atores em cena eram de verdade ou técnicos. Um vocacionado perguntou se Maryana Mercury é gay. Uma mãe de outro vocacionado fez um depoimento sobre seu filho que, segundo ela, é gay, mas não se assume, mesmo ela aceitando esse fato e ela mesma já tendo beijado mulher uma vez. Essa fala causou uma pequena comoção.
Neuza Camargo, professora aposentada e coordenadora da Educafro no CEU Jaguaré, lembrou ao público que a discussão sobre diversidade precisa também tocar no elemento raça.
Tendo orientado um processo artístico pedagógico ao longo do ano no CEU Jaguaré, vejo o que aconteceu no dia 05 de outubro com muita alegria e como um acontecimento importante para a instauração do debate sobre diversidade no equipamento. Num bairro tão escasso em equipamentos públicos e colonizado por ONGs e iniciativas privadas, é de extrema relevância que se ofereçam espaços de debate que possam convidar os moradores a se ver fora da lógica do desprezo, da violência e do ódio já tão instaurados pela vida totalmente privatizada. Que esses começos possam perdurar.

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