Discurso
e Experiência
Uso a palavra para
compor meus silêncios.
Não gosto das palavras
Fatigadas de informar.
Dou mais respeito
Às que vivem de barriga
no chão
Tipo água pedra sapo.
Entendo bem o sotaque
das águas.
Dou respeito às coisas
desimportantes
E aos seres
desimportantes.
Prezo insetos mais que
aviões.
Prezo a velocidade
Das tartarugas mais do
que a dos mísseis.
Tenho em mim esse
atraso de nascença.
Eu fui aparelhado
Para gostar de
passarinhos.
Tenho abundância de ser
feliz por isso.
Meu quintal é maior do
que o mundo.
Sou um apanhador de
desperdícios:
Amo os restos
Como as boas moscas.
Queria que a minha voz
tivesse um formato de canto.
Porque eu não sou da
informática:
eu sou da
invencionática.
Só uso a palavra para
compor meus silêncios.
O
apanhador de desperdícios. Manoel de Barros
Não
sei como começar, então começo assim meio que falando mesmo, como em uma carta,
ou em uma conversa na mesa de um bar na tentativa de evitar o academicismo
criticado no ensaio anterior da equipe.
Tenho
quase certeza de que não manterei a coerência. Este ensaio está fadado à incoerência.
Acho
que me senti lendo seu ensaio como você se sentiu lendo o material norteador. Me
senti oprimida. Eu não queria falar sobre isso, mas é este aspecto que grita
para mim. Optei por ser bem direta neste texto porque sinto que jogamos (coloco
os meus dois pés aqui) palavras, perguntas e ideias que deixam margem para
muitas interpretações e, às vezes, contribuem para a criação de mais brumas na
reflexão.
Sei
que não vou conseguir colocar as palavras como gostaria, talvez eu pareça mais
agressiva do que gostaria e peço ajuda de todos para que esta discussão não
enverede pelo pequeno e supérfluo que polemiza para satisfazer o próprio ego.
Espero que ela abra espaço para reais aprofundamentos da relação teoria e
prática e do papel de um programa como o Vocacional numa cidade como São Paulo.
Quando
você diz que o discurso político-artístico-pedagógico que emana do material
Norteador é subsumido e não-declarado queria entender melhor. O que o material
norteador esconde que eu tenho dificuldade de perceber? De verdade. Percebo
entre nós e no Material Norteador uma voz contra o pragmatismo na educação, na
arte e na vida, percebo uma voz a favor da escuta e do processo. Queria
entender melhor quando você diz que a incompletude de posicionamento desse
material dá margem para que os artistas-orientadores e coordenadores fundem
suas próprias leis. Poxa, este material é fruto de uma resposta mais coletiva a
alguns anos bem estranhos em que os artistas-orientadores não se sentiam
representados, e em muitos casos eram perseguidos por uma postura “mão de
ferro” oposta aos princípios que fundaram o projeto. Não acho que tudo está
lindo e maravilhoso agora (nunca estará), mas ao invés de desmerecer o esforço
feito até aqui para aprofundar o entendimento da nossa ação, me interessa mais
olhar o passado, tentar compreender os passos que nos fizeram chegar até aqui e
pensar/propor o presente. Na sua opinião, qual seria um posicionamento mais
certeiro? O que ele baniria? O que ele abraçaria?
Sobre
as terminologias, me pergunto se o material norteador e nós não caímos no risco
que faz parte do discurso na contemporaneidade. A construção do discurso do
pensamento (acadêmico principalmente) é vasto, complexo e muitas vezes
contraditório. Recortar termos descontextualizados é um grande perigo, assim
como questioná-los com o filtro de outras linhas de argumentação. Vira um
tiroteio entre cegos.
Do
encontro entre as suas colocações e eu fica o desejo de investigar os
desencontros entre a experiência (a cena que nasce; o que se sente quando
vejo/faço um gesto teatral; o reconhecimento silencioso de todos da potência de
uma imagem cênica, de uma ação teatral) e o discurso da experiência (como
escrevo, a partir de quais pressupostos teóricos e - sim - acadêmicos; como
contamos para nós mesmos os princípios nos quais acreditamos e atuamos).
Norteador
me parece o melhor termo até agora. Diferente de fundamentos, princípios, guia,
norteador me leva a Norte que me leva a estrelas, que pressupõe o homem que
olha as estrelas para se orientar, mas que considera as condições que percebe
na terra e que considera sua própria experiência para poder agir. Lendo este último documento produzido na
história deste projeto de ação na cidade, dar autonomia às pessoas é no mínimo
coerente. Se outros termos aparecerem e forem mais coerentes e potentes,
adotarei não como repetição burra, mas como insuflador de novas perspectivas
sobre a minha ação.
Não
entendo. Isso é tão vasto que ultrapassa qualquer entender. Entender é sempre
limitado. Mas não entender pode não ter fronteiras. Sinto que sou muito mais
completa quando não entendo. Não entender, do modo como falo, é um dom. Não
entender, mas não como um simples de espírito. O bom é ser inteligente e não
entender. É uma benção estranha, como ter loucura sem ser doida. É um
desinteresse manso, é uma doçura de burrice. Só que de vez em quando vem a
inquietação: quero entender um pouco. Não demais: mas pelo menos entender que
não entendo. (CL)
Marina Corazza
Artista-orientadora CEU
São Rafael
Junho
de 2013
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