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sexta-feira, 29 de novembro de 2013

SER TÃO PARELHEIROS: LUTAS TERRITORIAIS

INTRODUÇÃO
"Parelheiros é muito longe!"; "Não existe nada em Parelheiros"; "Lá em Parelheiros só tem mato e índio"; "Lá em Parelheiros não existe manifestações culturais" . Estas eram as coisas que sempre ouvi falar da região de Parelheiros e minha reação era sempre uma pergunta: "Será?"
A TERRA
Quando cheguei em Parelheiros a primeira coisa que percebi foi o cheiro de mato misturado com terra. Uma pequena faixa de Mata Atlântica ainda resistindo. Parelheiros é conhecido pela oficialidade da cidade de São Paulo como "distrito rural". Localizado no extremo sul da cidade é a região mais distante do centro da cidade, 50 quilômetros de distancia da Sé, mais próximo do litoral. Parelheiros é uma área de contradições. Local de reservas ambientais e de exploração ambiental indevida. É em Parelheiros que os indígenas guaranis da aldeia Krukutu estão ilhados pela urbanidade é também lá que eles sofrem atentados a tiro realizados por posseiros. É em parelheiros que não se pode construir um espaço teatral sob o argumento de ser uma "área de mananciais", mas se pode construir um aeroporto particular que devastará a Mata Atlântica e os mananciais.
As dificuldades territoriais concretas acabam afetando também o plano dos territórios simbólicos. A violência contra a terra também violenta o pensamento. Lá existe sensação de que há uma apropriação indevida de férteis territórios culturais para a construção de latifúndios improdutivos. A produção cultural reconhecida pelos detentores do pode na região é uma monocultura, massificada e midiatizada, descolado do contexto, determinada por interesses privados de um pequeno número de ditos "proprietários". Portanto, há uma necessidade urgente de reforma agrária cultural na região. Quando uma pequena produção é realizada pelos seus habitantes surge também a exploração predatória dos recursos culturais do local.  As produções culturais da região são apropriadas no principio de via de mão única, vocês nos fornecem seus recursos para a nossa grande produção de imagem politiqueira e a gente não retorna nada para a sua natureza. Contradições complexas. As dificuldades culturais ali são  reflexos de torturas maiores, mais amplas, abrangendo e refletindo um martírio secular da Terra e da Cultura.
O HOMEM PLANTA ANIMAL
Em Parelheiros encontrei um grupo de aproximadamente 10 jovens artistas, brotos de árvores frutíferas daquela terra, resistindo e teimando em dar frutos. Fora dali me perguntaram se aquela "terra de parelhas" era produtiva, eu disse que sim.  Os brotos eram a prova de que já existia ali certo terreno adubado, produtivo. O nome Parelheiros vem de parelha, corridas de cavalos que eram realizadas naquela terra, nome que na poesia pode aprofundar-se no sentido etimológico da palavra que nasce de par. O sentido de se emparelhar, formando assim conjuntos, interações, colaborações existia ali e tornava a terra mais produtiva ainda, pois só é possível fertilizar uma terra através de parcerias, parelhas entre vários elementos.
Aquelas jovens árvores artistas que cresciam em Parelheiros não focavam ainda seus nutrientes reais. Se enganavam com a acidez do sonho encantatório da imagem reconhecida dentro da indústria do entretenimento e com a exploração de sua imagem. Consumiam uma ideia de fama e sucesso massificados, descolados de seu contexto real e de sua pluralidade. Ali não era um espaço singular de mercado, era um espaço plural liberdade. Ali  não era uma plantação de eucaliptos, era uma mata.
Mas engana-se quem pensa que este homem planta que reside em Parelheiros é um ser passivo, que fica parado no mesmo lugar sugando nutrientes só solo e do sol, refém dos interesses de outrem. Impossível passividade, quando os pares não são formados só no foro coletivo, mas também na construção individual. Havia parelhas dentro de cada um ali. E o ambiente conspira para que mais uma interação de pareamento complexa ocorra na região. O homem planta de Parelheiros é também animal inquieto, como os cavalos das parelhas. Quer correr pelo descampado, é selvagem como insinua o ambiente. O homem planta de Parelheiros é um novo ser mítico. É mistura de homem, animal e vegetal; é um "herbacentauro". Suis generes em suas construções objetivas e subjetivas, estes seres-artistas, vão à luta destemidamente. E a luta é uma questão demandada pelo próprio território que eles habitam e que interfere diretamente em seus corpos. A luta é necessária.
"Qual o melhor procedimento de interação com este contexto?" eu me perguntava. Como trabalhar nessa terra tão rica? Com interagir com estes maravilhosos seres míticos? O fazer que não seja predatório e destrutivo para o que já existe ali?
Sabendo que eles não precisavam de uma monocultura, a ação era um processo de nutrição daquele solo e daqueles homens plantas para a consolidação de uma "pluricultura" alternativa. Mas não qualquer nutrição, precisávamos de uma compostagem, de um processo gerador que partisse de uma interação natural. Estimulando os materiais orgânicos daquela terra era possível obter um húmus, um fertilizante potente e próprio dali. A compostagem é um processo de auto fertilização, é um processo de construção da própria dramaturgia. As perguntas básicas são: "quem?, onde? e o que? ", ou seja, “Quem somos? Onde estamos? E no que queremos chegar?”
I) AS LUTAS
Micro Território
Durante os oito mês que estive em interação, com aquela Terra e com aqueles Homens Plantas, nos lutamos pela nossa permanência na terra. Pela consolidação de uma pequena faixa de terreno que nos possibilitasse sobreviver, plantar e colher. Chamamos nossa Canaã tão desejada de “sala”. Foram meses de idas e vindas, pulando de uma sala para a outra, quando não houve sala o espaço externo nos serviu.  Sofremos com o descaso do equipamento como hebreus no deserto rodando em torno de Canaã. A sala que nos destinaram, a princípio, era uma sala com paredes de divisória de repartição r usada por diversas vezes como depósito de materiais de ginástica. Nela estávamos limitados espacialmente e éramos a todo o tempo atravessados pelas sonoridades externas (a dança da sala ao lado e as atividades da quadra pareciam que estavam dentro da sala que usávamos).  Que fazer? Reclamamos, mostramos o que estava acontecendo, argumentamos que daquele jeito não dava e solicitamos a solução para o problema. Não funcionou. Foi preciso apelar para forças maiores e superiores. Hoje estamos realocados em reservas mais isoladas acusticamente e com mais espaço para trabalharmos, mas, igual aos indígenas, ainda não temos garantia de uso permanente deste território a nós temporariamente reservado, pois de tempos em tempos somos remanejados daqui para ali sem aviso prévio.
Quando há um nó na garganta a gente desamarra.  E foi o que nós fizemos. Traduzir numa cena manifesto os percalços que enfrentamos. A cena é para nós uma via de mão dupla, registro de fatos e ação concreta frente a realidade:
Entre o céu e a terra existe um lugar... Em uma galáxia tão, tão, tão distante, existe um planeta chamado Equipamento Que Não Funciona.
Nele havia um rei, e todos os habitantes do planeta do planeta o chamavam de Malévolo Gestor ou Big Gestor para os mais íntimos.
Big Gestor comandava tudo naquele pequeno planeta, e tentava fazer de tudo para que o seu lugar ficasse sempre o mais perfeito o possível.
Mas para estragar os seus perfeitos planos estava ali a sua maior arque inimiga, a mais perigosa de todas,  a Mega Ruiva, orientadora de teatro pela manhã e cientista maluca o resto do dia. Big Gestor nada podia fazer sobre a presença da Mega Ruiva, já que ela era contratada pela Secretaria de Cultura Iinterestelar/Intergaláctica para desorientar jovens dispostos a aprender as perigosas artes demoníacas do palco.
E em uma destas desorientações da Mega Ruiva, acidentalmente deixou cair sobre os seus orientados, o elemento X.
E assim nasceram as super defensoras da cultura galáctica.
-Super humorista!
-Super dramática!
-Super romântica!
As três super defensoras decidiram juntas que fariam de tudo para poder apresentar a sua arte, lutando com todas as suas forças contra qualquer inimigo que aparecesse no caminho.
Porém o Malévolo Gestor estava muito disposto a atrapalhar os planos destas super heroínas.
Não tão longe dali a Mega Ruiva observava todos os planos do Big Gestor e decidiu que usaria todas as suas forças contra ele, ela faria tudo o que estivesse ao seu alcance, ela não deixaria barato.
Ela chegou de fininho na calada da noite e começou a desorientar os seus orientados a fazer alguma coisa.
Determinadas e bem desorientadas as três defensoras da cultura galáctica bateram de frente ao Big Gestor e começaram a confronta-lo.
Diante da derrota eminente as três super heroínas imploraram a Mega Ruiva que tentasse mais uma ultima vez.
Arrasadas pela derrota, elas se curvaram diante do rei, sentindo que nada mais 
se podia fazer ali, mas entre uma delas, ainda havia a esperança, ainda havia um pingo de determinação e poder, e crescia cada vez mais, lhe tomava todo o corpo e ela dividiu isso com suas irmãs de palco.
E todas decidiram que big gestor não iria ganhar, que ela eram super artistas e poderiam fazer sua arte até em uma... praça?
E assim, as três super artistas mostram sua arte em praça publica.
Oh, não, quem é esse chegando, seria o Big Gestor?
O que o senhor faz aqui?
Oh, sim, por favor, nos conte como o senhor apoia o os projetos do planeta.
O que é isso? As super heroínas querem continuar a peça? O Big Gestor quer nos detalhar a vida dele?
E agora? O que vai acontecer? As super defensoras da cultura galáctica vão conseguir apresentar esta peça que jamais foi vista? O Big Gestor conseguirá nos entediar com um plano detalhado de sua vida até aqui (Big Gestor tosse) quer dizer o brilhante relato de sua vida cheia de aventuras pelos planetas da galáxia (Big Gestor sorri) os artistas conseguiriam um espaço para ensaiarem e presentearem sua arte? Não perca os próximos capítulos das aventuras culturais intergalácticas todas as semanas as quintas feiras no Canal Nos Fudemos!
[1]

II) AS LUTAS

Macro Território

Em agosto os conflitos territoriais aumentaram. Agora não era só em Parelheiros que se perdia terreno. Todo o Programa Vocacional teve que enfrentar o Desmatamento Cultural proposto para a cidade. Os gestores da cidade passam a assumir a posição de coronéis e de posseiros, querendo dominar as escolhas culturais para instaurar uma monocultura de mercado, com a pretensão de criar na cidade grandes latifúndios artísticos improdutivos.
A falta de diálogo real, abafado por um "dialogo" no discurso e no slogan, levou os Artistas Orientadores a mobilizarem suas Reuniões Artístico-Pedagógicas a partir do dia 19 de agosto para reunirem-se em Assembleias todas as segundas-feiras, com o intuito de lutar pela continuidade do Programa, garantir que ele não fosse descaracterizado e enfrentar as propostas de sucateamento do mesmo pela Secretaria Municipal de Cultura (SMC).

O Programa Vocacional foi criado há 12 anos (2001) no governo da Marta Suplicy, e o Programa de Iniciação Artística (PIÁ), em 2008, a partir da experiência da Escola Municipal de Iniciação Artística -EMIA. Juntos, Vocacional e PIÁ, atendem cerca de 6.000 pessoas, entre crianças, jovens e adultos. Os programas são realizados em parceria entre a Secretaria Municipal de Cultura e a Secretaria Municipal de Educação. Os programas 80 pontos na cidade, abrangendo todas as 32 subprefeituras, em bibliotecas, CEUs, centros culturais, Casas de Cultura e teatros.
O Programa conseguiu resistir às mudanças de governo na cidade, apesar da crescente precariedade sofrida ao longo dos anos.
Nós artistas do Programa Vocacional da Divisão de Formação da Secretaria Municipal de Cultura, queremos esclarecer:
1-É a partir da nossa mobilização e da nossa pressão que o Gabinete da SMC responde e vêm a público com propostas de melhorias para os Programas de Formação, invertendo nossas reivindicações como se fossem de própria autoria. Somos nós artistas do Programa Vocacional que estamos nos reunindo para discutir e encontrar soluções para a reformulação do Programa. Constatamos no nosso dia a dia que a divisão de Formação da Secretaria Municipal de Cultura (SMC) continua sem estrutura e política pública de formação para a cidade. Somos nós que reunidos em Assembléia desde outubro de 2012, estamos apresentando propostas e exigindo um posicionamento claro da Secretaria quanto à política de formação para a cidade. Somos nós, enfim, que estamos fazendo a política de formação da pasta, mobilizados como sociedade civil. O Gabinete, pressionado, viu-se na obrigação de tornar público um reajuste na hora/atividade muito aquém das nossas reivindicações. Assim ressaltamos que o diálogo não está sendo tão abrangente e resolutivo a nossas propostas como a Secretaria Municipal de Cultura declara.
2-Se realmente a SMC compreende a importância da política de formação e se compromete a estabelecer um plano de fortalecimento do Vocacional, exigimos que a Secretaria demonstre seu comprometimento com a política pública de formação. Nesse sentido, nós artistas do programa estamos novamente pleiteando uma emenda no orçamento do município para que o programa possa ser realizado na sua plenitude em 2014. Emenda esta, que garantirá a ampliação da vigência do Programa (atualmente em sete meses e meio) - para (onze meses) e a reestruturação institucional efetiva da divisão de formação da Secretaria Municipal de Cultura.
3-Desejamos esclarecer que o plano gradual de desenvolvimento que a SMC pretende instaurar no futuro, ainda nos parece vago quanto a sua implementação. Todas as propostas da nota técnica apontadas como melhorias, são na verdade, carências gravíssimas que nós, artistas do Programa, vivenciamos na nossa prática. Os pontos problemáticos - muito bem destacados na nota técnica -e que a SMC pretende resolver "a futura ampliação de sua vigência, a sua maior divulgação, o aperfeiçoamento do processo de seleção dos profissionais; o incremento das condições de trabalho nos equipamentos públicos e a melhor estruturação institucional na área de formação da Secretaria Municipal de Cultura" são de importância tão crucial que não podem ser postergados num futuro vago. A não resolução desses pontos inviabilizam a prática artística e pedagógica imediata do Programa.
Ressaltamos que a ausência de uma Coordenação Geral há mais de um ano e meio -dado relevante e esquecido na nota técnica e que continua em suspensão- é questão de suma importância para uma comunicação efetiva entre os profissionais e as instâncias envolvidas.
Continuaremos nos organizando para um Programa de Formação Público de qualidade e excelência para a cidade de São Paulo.
ASSEMBLEIA DOS ARTISTAS DO PROGRAMA VOCACIONAL. SÃO PAULO, 4 DE NOVEMBRO DE 20133[2]
EPÍLOGO
As lutas deste ano de 2013 não estão concluídas. Terminamos o ano em suspenso, ainda com muitas coisas para serem propostas, pensadas e repensadas até serem realmente implantadas e gerarem uma transformação real nos nossos diversos territórios. Nossa lutas estão todas em aberto, esperando um próximo ano de mais resistência frente as adversidades. É necessário que nossa história continue construindo-se com espectadores e com atuadores. O caminho é grande. Ainda temos muito terrenos culturais para adubar e preservar.

São Paulo, 29 de novembro de 2013

João Paulo Caetano Alves





[1]   Texto construído pelos Artistas Vocacionados de Parelheiros, frente as adversidades de diálogo e dificuldade na construção de parcerias com o CEU Parelheiros.
[2]   NOTA PÚBLICA DA ASSEMBLEIA PERMANENTE DOS ARTISTAS DO PROGRAMA VOCACIONAL DA SMC DA PREFEITURA DA CIDADE DE SÃO PAULO em resposta a nota técnica tornada pública pela SMC no dia 21 de outubro de 2013.

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