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quinta-feira, 28 de novembro de 2013

A  Velha  Máquina  Ativada  mais  uma  vez

Depois  de  quase  um  ano  de  batalhas  por  mudanças  estruturais  para o programa  Vocacional  os  artistas  engajados  a  essas  mudanças  continuam ,  passo  a  passo  conhecendo  e  reconhecendo  o   tabuleiro  e  as  peças  do  jogo  para  atingir  seus  objetivos. O  território  desse  jogo  é  igual  para  todas  as  batalhas  dos  artistas  da  cidade, porém  de  uma  forma  Kafkiana,  cada  um  cria  seu  nicho  para  lutar,  faz  parte  desse  jogo, é  uma  peça  importante  para   mover  outras  peças, os  políticos  eleitos.
Nessa  caminhada, ontem  dia  05  de  Setembro  de  2013,  estivemos  na  Câmara  dos  Vereadores  para  acompanhar  o  lançamento  de  uma  frente  parlamentar  em defesa  da  Cultura, iniciativa  que  eu , e  parece  que  alguns  outros  parceiros  de  teatro  também  concordam,  considero  muito  importante  e  favorável   a  esta  nossa  luta  meio  brancaleônica  por  vezes   para  mudar  de  vez  a  relação  do  Estado  com  o  artista,  uma  mudança  de  pensamento  radical  e   necessária  : o que o artista  produz  não  é  mercadoria,  mesmo  que tenha  valor  monetário,  o produtor  de  arte  não  é  igual  a  uma  Corporação,  uma  fábrica.
Porque  coloco  a  questão  nesta  perspectiva ?  porque  ela  voltou  a  baila  ontem  na  fala  do  nosso  novo  Secretário  de  Cultura ,  Juca  Ferreira . Era um   ambiente, aparentemente  favorável  e  nada  hostil,  mas  que  aos  poucos  revelava  o  lado  tenebroso,  doente,  da  política  brasileira  que  cria  mecanismos  de  controle  que   a  impede   de  andar  na  direção  do  “cidadão” , do  humano. E  cria  seus  mecanismos  conscientemente,  não  há  ingenuidade  aqui.
Quando  o  Secretário,  antes  Ministro ,  conta  que  grupos  indígenas  apresentavam  projetos  ao  ministério  por  via  oral,  e  este  precisava   criar  equipes   para  traduzi-los  e  formatá-los  para  os  devidos  formulários- padrão,  e  criar  justificativas  e  tal,  e   ao  fazer  este  processo  eram  cobrados/ameaçados  pelos  órgãos  de  controle  financeiro do Estado,   então  se  revela    a   insanidade   sob    a   qual  somos   submetidos.
A  sensação  é  angustiante  e  merece   uma  cena  hipotética:  imagine  você  dentro  de  um  pesadelo , pesadelo ,   e    nele  você  é  um  Super-homem,  o  americano  ou  mesmo  talvez  o  alemão,  ou  mesmo  o  baiano , lutando  para  sobreviver;  a palavra  está  aqui  propositadamente,   e   logo   ali,  ao  seu  lado   uma  pedra   de  Kriptonita,  o   elemento  desse  jogo  todo  que  lhe  causa  enorme  mal,  que  te  faz  perder  as  forças,  embaralhar  o pensamento,  como   gente  de  um  gueto/povoado  qualquer,  cercados  por  potente  exército ,  potente  porque  alicerçado  pelo  poder  econômico, pelo lucro;   força  e  mina  suas  forças,  eles  tem  comida  boa  o cheiro  atravessa  os  campos  e  dá  porradas  em  seu  estômago     enquanto  seus  jovens  atléticos  e  sedutores  soldadinhos  rebolam  sem  parar  em  suas  fronteiras   anunciando   novidades  pra  comer   pra  morar  pra  viver  seguro  ,    confundindo  sua  visão.
Você  sabe,  até  enxerga  as  vezes,  o  elemento  que  lhe  causa  tremendo  mal  está  bem  ali,  você  poderia  tocá-lo,  jogá-lo  no  espaço  mas  suas  mãos  não  chegam  lá,  sua  visão embaralha,  sua  força,  sua  vontade  é  fraca...  falta  o  ar ...  a  coisa  está  ali...  put...
O  Estado  mutila  seus  próprios  membros  impedindo-se  de  andar, de fazer  um  gesto... humano, de  compreensão  da  realidade, enfim.  Todos  ficamos  dependentes  de  termos  no  tabuleiro  desse  jogo, tenebroso,  homens  que  enxerguem  essa  loucura  e  tenham  disposição  para  enfrentar  a  situação,  homens  de  coragem.   Cor - agem  e  não  apenas  lógica.  Eles  já  estão  por  ai?  É  de  verdade?   Como  saberemos  o  que  é  mesmo?
No  tabuleiro  uma  nova  peça/instrumento  político;  a  Frente  Parlamentar  em  Defesa  da  Cultura, formada  pelo  presidente  da  Câmara  ver.  Zé  Américo,  ver. Orlando Silva  e ver.  Nabil  Bonduki ,  parece  ter  disposição  para  representar   as  demandas  dos  artistas  da  cidade.  Parece  uma  conquista.   Expuseram  ontem  através da fala do vereador  Nabil Bonduki   como   um  de  seus  objetivos  a  elevação  paulatina  do  orçamento  da    SMC      até  2 %, e  também   a  criação  de um   Fundo  Municipal  de  Cultura  que  sirva  de fato  a  realidade  de  produção  artística  da  cidade.  São  compromissos.  É  uma  vereda  e  por  ela,  creio,  se  deve  caminhar  coletivamente,  atentamente.
Mas  a  coisa,  a  Kriptonita,  os  dispositivos  de  controle  estão  ai :  A  lei  8666/93  que  regula  a  forma  de  contratação/  relação   do  estado  com  o  artista  é  uma  pedra/dispositivo  poderoso  ,  que  nos  coloca  no  mesmo  lugar  de   uma  corporação, de um  produtor  de  bens  e  serviços, de  uma  fabriqueta,  e  é   com  essa  lógica,  com  essa  máscara  farsesca  de  democracia  que  o estado  estrutura  seu  pensamento  e  seu  modo de  operar.   Faz  parte  desse  processo  nocivo  outro  dispositivo  de  controle,  o  Decreto  Municipal   51.300/2010,  imposto   ao  Fomento  ao  Teatro  pelo  ex-secretário  Calil,  que  aliás revelou  sua  entrega  a  esses  mecanismos  quando  numa  fala  num  fórum  do  Vocacional  disse  que:   “ ...todo  artista, educador  que  irá  trabalhar  em  equipamentos  públicos  já  deve  saber  e  estar  preparado  para  encontrar  lá  enormes  dificuldades,  como  falta  de  espaço  adequado, diálogo ,  materiais, equipamentos...”    evocava   assim   essa   figura,  construída  no  imaginário  do  senso  comum  e  muito  oportunamente  por  políticos  profissionais;   do  artista  ou  educador  como  um   HERÓI,  um  MISSIONÁRIO  que  vai  segurar  a  onda  de  qualquer  jeito.   Políticos  profissionais, estrategistas ,   formulam  planos  para  a  educação, para  a  cultura   contando  com  esse   sacrifício   NÃO- consentido.   Pode  ser  que  seja  assim.  É  tudo  mais  complexo, entendo.   
   De  qualquer  modo  é  preciso  destruir  essa  figura,  matar  essa  personagem,  retirar  o  dispositivo   8666/93  do  caminho  e  derrubar  esse  decreto.
Em  se  tratando  de  imaginário,  materializo  uma  outra  imagem  aqui  para  ser  destruída  em  algum  momento  em  nossas  vidas.
Dentro  daquele  cenário,  novinho  em  folha,  em  meio  a  névoa  que  cria  sua  atmosfera  percebe-se,  mal  e  porcamente,  a  imagem  de  uma  velha  máquina  gigantesca,  porém  turbinada  , para  continuar  ativa,  com  nano tecnologia,  novos  dispositivos  e  aplicativos,  que  lhe  dão  enorme  poder  de  regeneração:  é  ela   a  máquina   da  Precarização.

Essa  maquiavélica  máquina   tem  como  estratégia  fundamental  ,  minar  as  forças  do  inimigo , ou , querido  amigo  dependendo  da  ocasião. Ela  age  em  silêncio,  apesar  de  seus  velhos  mecanismos,  e  vai  subtraindo  elementos  vitais   do  artista,  que  aos  poucos,  sem  condições  de produzir,  sem  materiais,  sem  seu espaço,  sem  alternativas, vai perdendo  aos  poucos  sua  crença,  sua poesia, sua intenção, o impulso primeiro para criar, vai perdendo...  e  de  repente  se  vê  “de  pires  na  mão”,  um  termo  já  introjetado  no  processo  político  como  ferramenta   necessária  para  se  conseguir  algo,  e lá  está  ele  dependendo  da  máquina   que  em  seu  corpo  mantém  balões  de  oxigênio  para  manter  o sobrevivente  vivo  e   muito  caridosamente, amorosamente,  auxiliar  os  incapazes  de  chegar  “ao  sucesso”  e  dar-lhes  uma  sobrevida.  Lá  vai  ele, um  bobo  louco,  falando  sozinho  e  batendo  com  a  cabeça  nas  paredes...  sozinho...
Faço  aqui  a  indicação  de  uma  leitura,  que  contém  prazer  e  crueldade,  de  um  de  nossos  dramaturgos  de  Cor-agem,  Plínio  Marcos,  que  se  divide  em  dois  nesta  peça  e  expõe  a  carne  viva  do  artista-palhaço-sobrevivente   na  luta  intensa  entre  a  alma  e  o  pragmatismo,  luta  orquestrada  por  esta   velha  máquina, orquestrada  pelo  poder  econômico, orquestrado  por ...
É  claro  que  esta  máquina  deve  ser  destruída.  E  este  círculo ,  ou  circo,  rompido.
Mas  como   fazê-lo?  Se  não  sabemos  onde  tocar  por  conta  do  gigantismo  desses  dispositivos, do  estado  e suas  instituições,  acredito  que  ao  menos  podemos  manter  viva  a  intenção,  que  gera  o  gesto,  que  gera  ação.
...



PAULO  FABIANO  

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