A Velha Máquina
Ativada mais uma
vez
Depois de quase
um ano de
batalhas por mudanças
estruturais para o programa Vocacional
os artistas engajados
a essas mudanças
continuam , passo a
passo conhecendo e
reconhecendo o tabuleiro
e as peças
do jogo para
atingir seus objetivos. O
território desse jogo
é igual para
todas as batalhas
dos artistas da
cidade, porém de uma
forma Kafkiana, cada
um cria seu
nicho para lutar,
faz parte desse
jogo, é uma peça
importante para mover
outras peças, os políticos
eleitos.
Nessa caminhada,
ontem dia 05
de Setembro de
2013, estivemos na
Câmara dos Vereadores
para acompanhar o
lançamento de uma
frente parlamentar em defesa
da Cultura, iniciativa que eu
, e parece que
alguns outros parceiros
de teatro também
concordam, considero muito
importante e favorável
a esta nossa
luta meio brancaleônica
por vezes para
mudar de vez
a relação do
Estado com o
artista, uma mudança
de pensamento radical
e necessária : o que o artista produz
não é mercadoria,
mesmo que tenha valor
monetário, o produtor de
arte não é
igual a uma Corporação, uma
fábrica.
Porque coloco a
questão nesta perspectiva ?
porque ela voltou
a baila ontem
na fala do
nosso novo Secretário
de Cultura , Juca
Ferreira . Era um ambiente,
aparentemente favorável e nada hostil,
mas que aos
poucos revelava o
lado tenebroso, doente, da
política brasileira que
cria mecanismos de
controle que a
impede de andar
na direção do “cidadão”
, do humano. E cria
seus mecanismos conscientemente, não
há ingenuidade aqui.
Quando o Secretário,
antes Ministro , conta
que grupos indígenas
apresentavam projetos ao
ministério por via
oral, e este
precisava criar equipes
para traduzi-los e
formatá-los para os
devidos formulários- padrão, e
criar justificativas e tal,
e
ao fazer este
processo eram cobrados/ameaçados pelos
órgãos de controle
financeiro do Estado, então se
revela a insanidade
sob a qual
somos submetidos.
A sensação é
angustiante e merece
uma cena hipotética:
imagine você dentro
de um pesadelo , pesadelo , e nele
você é um
Super-homem, o americano
ou mesmo talvez
o alemão, ou
mesmo o baiano , lutando para
sobreviver; a palavra está
aqui propositadamente, e
logo ali, ao
seu lado uma
pedra de Kriptonita,
o elemento desse
jogo todo que
lhe causa enorme
mal, que te
faz perder as
forças, embaralhar o pensamento,
como gente de
um gueto/povoado qualquer,
cercados por potente
exército , potente porque
alicerçado pelo poder
econômico, pelo lucro; força
e mina suas
forças, eles tem
comida boa o cheiro
atravessa os campos
e dá porradas
em seu estômago
enquanto seus
jovens atléticos e
sedutores soldadinhos rebolam
sem parar em
suas fronteiras anunciando
novidades pra comer
pra morar pra
viver seguro , confundindo
sua visão.
Você sabe, até
enxerga as vezes,
o elemento que
lhe causa tremendo
mal está bem
ali, você poderia
tocá-lo, jogá-lo no
espaço mas suas
mãos não chegam lá,
sua visão embaralha, sua
força, sua vontade
é fraca... falta
o ar ... a
coisa está ali...
put...
O Estado mutila
seus próprios membros
impedindo-se de andar, de fazer um
gesto... humano, de compreensão da
realidade, enfim. Todos ficamos
dependentes de termos
no tabuleiro desse
jogo, tenebroso, homens
que enxerguem essa
loucura e tenham
disposição para enfrentar
a situação, homens
de coragem. Cor - agem
e não apenas
lógica. Eles já
estão por ai?
É de verdade?
Como saberemos o
que é mesmo?
No
tabuleiro uma nova
peça/instrumento político; a
Frente Parlamentar em
Defesa da Cultura, formada pelo
presidente da Câmara
ver. Zé Américo,
ver. Orlando Silva e ver. Nabil
Bonduki , parece ter
disposição para representar
as demandas dos
artistas da cidade.
Parece uma conquista. Expuseram ontem através
da fala do vereador Nabil Bonduki como um
de seus objetivos
a elevação paulatina
do orçamento da SMC até
2 %, e também a
criação de um Fundo
Municipal de Cultura
que sirva de fato
a realidade de
produção artística da
cidade. São compromissos. É
uma vereda e
por ela, creio,
se deve caminhar
coletivamente, atentamente.
Mas a coisa,
a Kriptonita, os
dispositivos de controle
estão ai : A
lei 8666/93 que
regula a forma
de contratação/ relação
do estado com
o artista é
uma pedra/dispositivo poderoso
, que nos
coloca no mesmo
lugar de uma
corporação, de um produtor de
bens e serviços, de
uma fabriqueta, e
é com essa
lógica, com essa
máscara farsesca de
democracia que o estado
estrutura seu pensamento
e seu modo de
operar. Faz
parte desse processo
nocivo outro dispositivo
de controle, o
Decreto Municipal 51.300/2010,
imposto ao Fomento
ao Teatro pelo
ex-secretário Calil, que
aliás revelou sua entrega
a esses mecanismos
quando numa fala
num fórum do
Vocacional disse que:
“ ...todo artista, educador que
irá trabalhar em
equipamentos públicos já
deve saber e
estar preparado para
encontrar lá enormes
dificuldades, como falta
de espaço adequado, diálogo , materiais, equipamentos...” evocava
assim essa figura,
construída no imaginário
do senso comum
e muito oportunamente
por políticos profissionais; do
artista ou educador
como um HERÓI,
um MISSIONÁRIO que
vai segurar a
onda de qualquer
jeito. Políticos profissionais, estrategistas , formulam
planos para a
educação, para a cultura
contando com esse
sacrifício NÃO- consentido. Pode
ser que seja
assim. É tudo
mais complexo, entendo.
De
qualquer modo é
preciso destruir essa figura, matar
essa personagem, retirar
o dispositivo 8666/93
do caminho e
derrubar esse decreto.
Em se tratando
de imaginário, materializo
uma outra imagem
aqui para ser
destruída em algum
momento em nossas
vidas.
Dentro daquele cenário,
novinho em folha,
em meio a
névoa que cria
sua atmosfera percebe-se,
mal e porcamente,
a imagem de uma velha
máquina gigantesca, porém
turbinada , para continuar
ativa, com nano tecnologia, novos
dispositivos e aplicativos,
que lhe dão
enorme poder de
regeneração: é ela
a máquina da Precarização.
Essa
maquiavélica máquina tem
como estratégia fundamental
, minar as
forças do inimigo , ou , querido amigo
dependendo da ocasião. Ela
age em silêncio,
apesar de seus
velhos mecanismos, e vai subtraindo
elementos vitais do
artista, que aos
poucos, sem condições
de produzir, sem materiais,
sem seu espaço, sem
alternativas, vai perdendo
aos poucos sua
crença, sua poesia, sua intenção,
o impulso primeiro para criar, vai perdendo...
e de repente
se vê “de pires
na mão”, um
termo já introjetado
no processo político
como ferramenta necessária
para se conseguir
algo, e lá está
ele dependendo da
máquina que em
seu corpo mantém
balões de oxigênio
para manter o sobrevivente vivo
e muito caridosamente, amorosamente, auxiliar
os incapazes de
chegar “ao sucesso” e dar-lhes
uma sobrevida. Lá
vai ele, um bobo
louco, falando sozinho
e batendo com
a cabeça nas
paredes... sozinho...
Faço aqui a
indicação de uma
leitura, que contém
prazer e crueldade,
de um de
nossos dramaturgos de
Cor-agem, Plínio Marcos,
que se divide
em dois nesta
peça e expõe
a carne viva
do
artista-palhaço-sobrevivente
na luta intensa
entre a alma
e o pragmatismo,
luta orquestrada por
esta velha máquina, orquestrada pelo
poder econômico, orquestrado por ...
É claro que
esta máquina deve
ser destruída. E
este círculo , ou
circo, rompido.
Mas como fazê-lo?
Se não sabemos
onde tocar por
conta do gigantismo
desses dispositivos, do estado
e suas instituições, acredito que
ao menos podemos
manter viva a
intenção, que gera o gesto,
que gera ação.
...
PAULO FABIANO
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