Ensaio Artístico de Pesquisa Vocacional Música 2013
Maio a Julho de 2013 – Biblioteca Cassiano Ricardo
Processos criativos a partir do olhar de um educador da cultura popular.
Luciano Almeida Prates
Artista Orientador
Somos um grupo de Vocacionados localizados numa Biblioteca Pública Municipal temática em música, no bairro do Tatuapé. Esse espaço já possui experiências do vocacional de música e este seria o quarto ano do programa nesta biblioteca.
As experiências anteriores, bem como na da maioria dos equipamentos onde se abriga o Vocacional, sempre se trabalhou com uma proposta musical ligada aos conceitos de música: tempo, ritmo, tom, melodia, harmonia, pulso etc.
Por trazer uma experiência diferenciada da maioria dos colegas Artistas Orientadores dos demais equipamentos, propus ao novo público que se aproximou vivências em música e cultura popular.
Iniciamos o curso, fazendo um apanhado geral dos aspectos formadores da cultura brasileira, baseados em obras como o “Levantamento de Pesquisas Folclóricas” de Mário de Andrade e o documentário “O Povo Brasileiro” de Darcy Ribeiro. Os povos nativos indígenas, o negro, o europeu e toda essa mistura que formou nossa nação brasileira, cheia de danças e expressões musicais, em sua maioria, pouco conhecidas pela maioria da população.
Como nos aproximávamos das festas juninas, apresentei aos vocacionados as canções que permeavam essas festas, como a quadrilha (arrasta-pé), o baião, o xaxado e o xote.
Durante esse período inicial, o curso começou praticamente sem a presença de vocacionados, em função de um histórico de pouca circulação de público nesse ambiente. Essa realidade foi modificando com a divulgação, e veio surgindo públicos mais interessados nos propósitos do trabalho ligado a cultura popular. Muitas pessoas que já conheciam o trabalho do Artista Orientador, através dos workshops ministrados na cidade.
Esse público demonstrou interesse, principalmente, na aprendizagem pelo instrumento pífano, seus aspectos históricos, confecção do instrumento e sua forma de tocar, pois se trata de uma flauta rústica de bambu. Geralmente tocados em dupla e com acompanhamento ritmo de uma banda percussiva.
Neste momento o grupo que começa a se consolidar, está no estudo de repertório do cancioneiro popular para apresentar nas mostras deste mês que acontecerão no Centro Cultural da Penha e no Festival de Inverno da Mooca.
Também promoveremos uma oficina livre, no próximo 17 de agosto, em que estudaremos: a história do Pífano, como tocar musicas populares no Pífano e introdução à Arte Brincante. Confecção de pífanos. Término com show na praça. Todos e todas convidados!
terça-feira, 27 de agosto de 2013
Algumas práticas de criação nas orientações
Ensaio - Julho 2013
Algumas práticas de criação nas orientações
Artista Orientador: Alejandro López
Vou me referir alguns exercícios de criação e composição realizados nas orientações da turma do CEU Quinta do Sol. Comentarei sobre quatro exercícios que mostram diferentes caminhos enquanto aos critérios para criar ou compor música. Os exercícios vão desde a intuição e o processo de se deixar levar “pelo ouvido”, até a compreensão de algumas “regras” da teoria musical e a tentativa de aplica-las nos exercícios, o que certamente deixa o processo mais complicado e menos “livre”.
O primeiro exemplo é uma música composta pela vocacionada Cristina de15 anos de idade. A jovem é naturalmente musical, possui bom ouvido e é afinada. Nos primeiros encontros mostrei a ela dois acordes no violão e falei da simetria que existe no instrumento o que permite tocar vários acordes com a mesma posição da mão e mudando de lugar no braço do violão.
Por outro lado, ela aprendeu um fragmento de uma música de Maria Gadú onde uma mesma posição era repetida em diferentes alturas no violão. Ela também se mostrou interessada nos processos de composição de uma melodia e eu falei sobre o procedimento de movimentos contrários onde se uma linha dos acordes é ascendente pode-se utilizar uma linha contrária (descendente) na melodia.
Poucos dias depois ela apareceu numa orientação com uma música composta onde aplica os princípios da simetria e dos movimentos contrários com os poucos recursos que tinha no violão. O resultado é interessante se levamos em consideração que a adolescente não tinha nenhuma experiência previa com violão e que o tempo que transcorreu entre o primeiro contato com o instrumento e a composição da música foi de um mês aproximadamente.
Faixa 1: Cristina tocando um fragmento da música da Maria Gadú
Faixa 2: Fragmento da composição criada por Cristina.
O próximo relato é a respeito da improvisação. A vocacionada Elen de 30 anos leva uma escaleta nas orientações e dado o caráter melódico do instrumento, desde o começo das práticas musicais eu sugeri que ela tocasse pequenas melodias ou frases nos arranjos que iam sendo montados para cada música.
A os poucos fui sugerindo que ela improvisasse livremente nas músicas e falei que a única regra que devíamos respeitar era a de tocar notas que estivessem dentro da tonalidade da música que estava sendo interpretada.
A primeira tentativa de improvisação foi com a música “Faz parte do meu show” do Cazuza. Nesta música existe uma pequena frase que é tocada no meio da música, eu sugeri que com as mesmas notas tocadas na frase, Elen improvisasse no final da música, tocando as mesmas notas, mas com uma rítmica diferente. Também propus que o mesmo procedimento fosse feito com a voz, repetindo as palavras “meu amor” do final da letra da música.
Na faixa participa a vocacionada Vitória Elizabeth tentando um improviso vocal no final. O resultado é tímido, mas é um começo dentro do difícil universo da improvisação
Faixa 3: “Faz parte do meu show” Elen (escaleta) e Vitória Elizabeth (voz).
Finalmente falarei de dois exercícios onde as regras propostas aumentaram. Nas últimas orientações falei da sequencia de graus e acordes que se formam a partir de uma escala maior e depois de repetir e decorar o procedimento algumas vezes, tentamos passar por várias tonalidades. Logo depois pedi para que cada grupo criasse uma melodia sobre os acordes trabalhados.
A sequencia trabalhada foi a II – V – I e as tonalidades nas quais devia ser tocada a sequencia eram Dó Maior, Ré Maior e Lá Maior.
O primeiro grupo criou uma melodia com letra. O segundo grupo criou uma melodia com duas partes bem diferenciadas
Faixa 4: Primeiro grupo tocando a sequencia II – V – I e cantando uma melodia criada por eles.
Faixa 5: Segundo grupo tocando e cantando uma melodia com parte A e B.
Esses foram quatro dos vários resultados que obtive quando propus exercícios de criação, improvisação e composição. É um procedimento que venho realizando à um mês e meio aproximadamente. As gravações mostradas são uma pequena janela de um universo bem maior que surge a cada orientação e que por tanto merece um aprofundamento e uma continuação que pretendo realizar em próximos ensaios.
Alejandro López Jericó.
Algumas práticas de criação nas orientações
Artista Orientador: Alejandro López
Vou me referir alguns exercícios de criação e composição realizados nas orientações da turma do CEU Quinta do Sol. Comentarei sobre quatro exercícios que mostram diferentes caminhos enquanto aos critérios para criar ou compor música. Os exercícios vão desde a intuição e o processo de se deixar levar “pelo ouvido”, até a compreensão de algumas “regras” da teoria musical e a tentativa de aplica-las nos exercícios, o que certamente deixa o processo mais complicado e menos “livre”.
O primeiro exemplo é uma música composta pela vocacionada Cristina de15 anos de idade. A jovem é naturalmente musical, possui bom ouvido e é afinada. Nos primeiros encontros mostrei a ela dois acordes no violão e falei da simetria que existe no instrumento o que permite tocar vários acordes com a mesma posição da mão e mudando de lugar no braço do violão.
Por outro lado, ela aprendeu um fragmento de uma música de Maria Gadú onde uma mesma posição era repetida em diferentes alturas no violão. Ela também se mostrou interessada nos processos de composição de uma melodia e eu falei sobre o procedimento de movimentos contrários onde se uma linha dos acordes é ascendente pode-se utilizar uma linha contrária (descendente) na melodia.
Poucos dias depois ela apareceu numa orientação com uma música composta onde aplica os princípios da simetria e dos movimentos contrários com os poucos recursos que tinha no violão. O resultado é interessante se levamos em consideração que a adolescente não tinha nenhuma experiência previa com violão e que o tempo que transcorreu entre o primeiro contato com o instrumento e a composição da música foi de um mês aproximadamente.
Faixa 1: Cristina tocando um fragmento da música da Maria Gadú
Faixa 2: Fragmento da composição criada por Cristina.
O próximo relato é a respeito da improvisação. A vocacionada Elen de 30 anos leva uma escaleta nas orientações e dado o caráter melódico do instrumento, desde o começo das práticas musicais eu sugeri que ela tocasse pequenas melodias ou frases nos arranjos que iam sendo montados para cada música.
A os poucos fui sugerindo que ela improvisasse livremente nas músicas e falei que a única regra que devíamos respeitar era a de tocar notas que estivessem dentro da tonalidade da música que estava sendo interpretada.
A primeira tentativa de improvisação foi com a música “Faz parte do meu show” do Cazuza. Nesta música existe uma pequena frase que é tocada no meio da música, eu sugeri que com as mesmas notas tocadas na frase, Elen improvisasse no final da música, tocando as mesmas notas, mas com uma rítmica diferente. Também propus que o mesmo procedimento fosse feito com a voz, repetindo as palavras “meu amor” do final da letra da música.
Na faixa participa a vocacionada Vitória Elizabeth tentando um improviso vocal no final. O resultado é tímido, mas é um começo dentro do difícil universo da improvisação
Faixa 3: “Faz parte do meu show” Elen (escaleta) e Vitória Elizabeth (voz).
Finalmente falarei de dois exercícios onde as regras propostas aumentaram. Nas últimas orientações falei da sequencia de graus e acordes que se formam a partir de uma escala maior e depois de repetir e decorar o procedimento algumas vezes, tentamos passar por várias tonalidades. Logo depois pedi para que cada grupo criasse uma melodia sobre os acordes trabalhados.
A sequencia trabalhada foi a II – V – I e as tonalidades nas quais devia ser tocada a sequencia eram Dó Maior, Ré Maior e Lá Maior.
O primeiro grupo criou uma melodia com letra. O segundo grupo criou uma melodia com duas partes bem diferenciadas
Faixa 4: Primeiro grupo tocando a sequencia II – V – I e cantando uma melodia criada por eles.
Faixa 5: Segundo grupo tocando e cantando uma melodia com parte A e B.
Esses foram quatro dos vários resultados que obtive quando propus exercícios de criação, improvisação e composição. É um procedimento que venho realizando à um mês e meio aproximadamente. As gravações mostradas são uma pequena janela de um universo bem maior que surge a cada orientação e que por tanto merece um aprofundamento e uma continuação que pretendo realizar em próximos ensaios.
Alejandro López Jericó.
Exercícios de improvisação gerando composições
Ensaio de Pesquisa – Agosto de 2013
Luís Reys – Coordenador da Equipe Leste 1 de Música
Vocacional
Um dos assuntos que envolveu a
equipe leste-1 de Música no primeiro semestre de 2013 foi a Improvisação. Este
assunto, dentro da música, traz consigo mística, folclores, polêmicas e
questionamentos. Há quem diga que não existe improvisação já que ela é
previamente e exaustivamente estudada. Outros tendem a encarar a improvisação
musical com exemplos únicos e isolados de grandes gênios músicos inventores, o
que leva o assunto a um patamar muitas vezes inatingível por alunos e muito
distante da realidade da música tocada e executada na atualidade. Existe uma
tendência a que sejam apresentadas obras de artistas como Hermeto Pascoal
executando sons diferentes em objetos estranhos, instrumentos
não-convencionais, e tomar isso como base da Improvisação musical.
A abordagem que darei a esta questão é a do
desenvolvimento de pequenas idéias rítmicas e melódicas extraídas de
composições populares. Estas pequenas idéias chamamos de Motivos. Esta
abordagem é a mesma usada para atividades e estudos de Composição, desta forma
podemos encarar a Composição como sendo um improviso planejado, estudado e
escrito, feito passo a passo, e por sua vez a Improvisação seria encarada como
uma composição instantânea.
O
aprendizado de improvisação consiste num processo de dois passos: O trabalho
preparatório de assimilação do vocabulário musical, e em seguida o próprio ato
da improvisação (REEVES, 1989 – Creative Jazz Improvisation). Através da
repetição de padrões para desenvolvimento técnico e da apropriação teórica e
auditiva do vocabulário musical, o músico terá condições de improvisar sobre
temas mesmo que durante o ato da improvisação ele não esteja preocupado com os
conceitos teóricos e técnicos (previamente assimilados) e sim com a comunicação
espontânea de idéias musicais e interação com outros músicos.
Abaixo descreverei pequenos exercícios, separados por temas,
trabalhados em orientações de grupos vocacionados orientados por mim desde 2009
e também nas atividades dos artistas orientadores da Equipe Leste, quando
citados.
RITMO
O ritmo é o
aspecto mais importante da improvisação. Não importa quanto inventiva possa ser
a melodia ou o acorde, ela será insignificante a menos que seja tocada no tempo
com a intepretação correta. (REEVES,
1989) Como
podemos lembrar Duke Ellington em sua música: “It don´t mean a thing if it
ain´t got that swing”.
O Artista Orientador
Alejandro Lopez costuma utilizar “O PASSO” (método de
Educação Musical criado por Lucas Ciavatta em 1996) para trabalhar o ritmo com
seus vocacionados. Prática esta que foi incorporada também às orientações do
Artista Orientador Tião Bazotti. Os exercícios preliminares consistem em trazer
para o corpo a noção do compasso (em um compasso de 4 tempos, a pessoa deve dar
passos para frente e para trás formando um quadrado).
O Exercício rítmico proposto é o seguinte:
1 ) Apresentação dos “Lugares do
Compasso” – Representação no quadro de um compasso quaternário e as
possibilidade rítmicas: tempos fortes representados como tempos 1, 2, 3, 4 e
contratempos representados como “e do 1, e do 2, e do 3, e do 4” Exercícios cantados a partir
de fórmulas apresentadas no quadro.
2a) Com o corpo marcando o compasso quaternário
com os passos, os vocacionados devem cantar semínimas nos 4 tempos. No quadro é
apresentada e representada a figura da semínima.
2b) Em seguida, os vocacionados
cantam duas colcheias por tempo enquanto marcam o compasso com os passos. São
apresentadas no quadro as figuras das colcheias e o conceito de tempo e
contratempo.
2c) Os vocacionados devem cantar
apenas os contratempos. É representado no quadro a figura da pausa de colcheia
no tempo forte, e da colcheia no contratempo.
2d) É proposta a execução de uma
combinação de figuras rítmicas. Exemplo que gosto de utilizar é o que
posteriormente será usado na atividade harmônica, equivalente ao ritmo de
canção pop rock amplamente utilizado na atualidade: Tempo 1 semínima. Tempo 2
duas colcheias Tempo 3 pausa de colcheia e colcheia. Tempo 4 Semínima.
3) Regras de desenvolvimento de
Motivo (quadro extraído do livro “Improvisação Moderna, Vol. 1 de Lupa
Santiago)
O motivo escolhido será : 1 semínima e duas colcheias
(tempos 1 e 2 do exercício 2d)
São apresentados algumas regras de desenvolvimento de motivo
e sua utilização:
3b) Contração – Cada nota fica com metade de seu valor.
3c) Redução- É subtraída do motivo uma ou mais notas.
3d) Adição de Prefixo – Adicionada uma nota no início do
motivo
3e) Adição de Sufixo – adicionada uma nota ao final do
motivo
3g) Repetição – O motivo é repetido
3h) Deslocamento – toca-se o motivo em outro lugar do
compasso
3i) Inversão – A nota que começava no tempo vira contratempo
e vice-versa.
3j) Espelho – O motivo vira duas colcheia e uma semínima.
É pedido que cada vocacionado, ou grupo de vocacionados
escolha 2 regras e preencha ritmicamente 8 compassos quaternários. Com outras 2
regras, preencha outros 8 compassos. Esta atividade é feita através da
repetição, tentativa e erro, e colocando os resultados escritos no papel.Depois
cada vocacionado ou grupo executa cantando sua rítmica resultante.
Com o uso do motivo e as regras de desenvolvimento, a
fórmula rítmica soará coerente. É o que se espera de qualquer composição ou
improviso. Que não seja somente um monte de idéias e frases jogadas
aleatoriamente, mas que tenham forma e coerência.
Exercício Harmônico
Tomando como base o campo harmônico de Dó Maior, é dado os
seguintes acordes: C, Dm, Em, F, G, Am. Podemos utilizar acordes de qualquer
outro campo harmônico, de acordo com o conhecimento dos vocacionados
envolvidos.
Os vocacionados devem testar e escolher os acordes que
desejar para completar 8 compassos, que já serão dados com os seguintes
compassos preenchidos.
C / / / /
/ / /
G ( C ) /
Serão apresentados os sinais de Ritornello e de Casa 1 e
Casa 2. Este primeiros 8 compassos serão repetidos com o uso do ritornello e o
acorde G estará na Casa 1. Na casa 2 estará o acorde C.
Em seguida mais 8 compassos para completar com os seguintes
acordes já dados.
Este 8 compassos também terão o ritornello, casa 1 e 2 e a
regra que: a) Pelo menos 1 dos acordes deverá durar 2 compassos inteiros e B)
Pelo menos 1 compasso deverá conter 2 acordes.
F / /
/ /
/ /
/ C ( G ) /
O ritmo sugerido para a execução é a sequência realizada no
exercício 2d. Pensando na prática com o violão, esta seqüência pode ser
executada tanto como batida quanto como dedilhado.
Exercício Melódico
Para o exercício melódico apresento o conceito de “tensão e
relaxamento” ou “tensão e repouso”. À partir de um exercício prático de poucos
minutos, é possível que um grupo de pessoas consiga executar e perceber as
notas tensas e as notas de repouso de uma escala maior.
Costumo ilustrar o exercício com duas brincadeiras que
trazem a atenção das pessoas para o assunto de Tensão e repouso.Primeiro a
história de que um “grande compositor” não conseguiu dormir depois que seu
filho, brincando no piano, executou a conhecida seqüência “Tan ta ra ran tan”
sem a resolver, e que no meio da noite o compositor precisou levantar, ir até o
piano e completar “Tan Tan” para que enfim pudesse ter uma noite de bons
sonhos. Também peço que as pessoas cantem a escala maior e que parem na nota
Fá, e depois parem e segurem a nota Si, e que prestem atenção de que só quando
continuamos a escala e chegamos novamente no Dó que teremos a sensação de
repouso, ou aquela “vontade de aplaudir”.
Na seqüência, o exercício de Tensão e Relaxamento:
Cantar as notas nesta ordem:
Dó
Fá Mi
Lá Sol
Si Dó (8va acima)
Ré Dó
Si (8va abaixo) Dó
É apresentado o conceito de Tônica e de Sensível (nota si,
neste caso).
Após executar o exercício algumas vezes, é pedido que as
pessoas tentem cantar notas separadas, escolhidas pelo proponente do exercício.
Os resultados deste exercício costumam ser bastante positivas.
Com os três exercícios executados, o próximo passo é pegar
aqueles compassos preenchidos de acordes e aquela seqüência rítmica criada a
partir dos desenvolvimentos do Motivo e improvisar até compor uma melodia. Este
exercício pode ser realizado cantando ou com algum instrumento, e é a parte
mais intuitiva deste procedimento. Dependendo do nível de conhecimento dos
vocacionados, neste momento pode ser apresentado e colocado em prática os
assuntos de arpejos, tríade e tétrades.
Os vocacionados costumam ficar empolgados com o resultado.
Uma canção com uma forma definida, 2 partes distintas e seqüência rítmica e
harmônica coerente. Como sugestão para continuação da atividade, pode-se pedir
que os vocacionados escrevam uma letra ou poema que encaixe nesta melodia e
tragam nos próximos encontros. Também pode-se colocar mais regras de conteúdo
mais avançado, e também afrouxar as regras deixando que se fique livre da regra
do campo harmônico ou das seqüências de oito compassos. Ou seja, improvise a
vontade a partir desta atividade.
Bibliografia:
REEVES,
Scott D. – “Creative Jazz Improvisation” – 1989 – Prentice Hall, Inc.
SANTIAGO, Lupa – “Improvisação Moderna, Vol. 1” – 2008 – Editora Espaço
Cultural Souza Lima
Fazedores de sons, colecionadores de sentidos - Claudia Polastre
Fazedores de sons,
colecionadores de sentidos
Claudia Polastre
Pandeiro, violino, violão,
triangulo, flauta, flautim, glockenspiel, cajon, voz e corpo, ganzá, pé,
estalo....latinhas, caixinhas, ouvido, ouvir, escutar. Ouvir em italiano é a palavra “sentire”...
O que eu senti ao entrar em uma
sala com quatrocentos releituras, com diferentes tons, texturas e intenções, de
um mesmo quadro exposto na Pinacoteca de SP, intitulado Fabiola de Francis Alys, me remeteu ao fazer dos artistas músicos
que semanalmente vejo, converso e ouço[i].
O retrato de uma romana que viveu no século IV mostrado em 400 formas
diferentes não me poupou a analogia. A sensação naquela sala foi imediata: os
artistas orientadores são fazedores de sons com a intenção mais pura e honesta
de despertar o som em quem os procura. Músicas relidas, reestudadas,
rearranjadas mais de quatrocentas vezes com diferentes tons e texturas na busca
de diferentes timbres, como na exposição de Alys. Os músicos colecionam arranjos,
colecionam versões e colecionam sentidos...[ii]
O som interno de cada um, o despertar
da consciência com a percepção sonora por meio das sequencias harmonicas é a
pesquisa realizada por Ricardo Valverde; o som da memória e das identidades
resgatadas é diagnosticado por Miranda de Amaralina. Aishá discute a
partir do som da mídia, da critica e da
música orgânica na Biblioteca Pedro Nava; o som das escalas, assobios, ritmos e o som desafinado e a interlinguagem desafia o artista do CCJ. A
afinação dos 440 hertz que há mais de 3 séculos norteia o ouvido humano para o
padrão do equilíbrio temperado do som...hertz, decibéis... A física, a biologia e a neurociência
explica, justifica o som produzido. A música evoca e estimula “uma série de
reações fisiológicas que fazem ligação direta entre o cérebro emocional e o
cérebro executivo”. [iii]
A frequência angustiante dos
graves nos carros das cidades, o pulso do outro com o pulso do artista, com o
pulso musical. O pulso quer, a melodia reflete....o “parabéns a você” relido na
casa de cultura Salvador Ligabue, entendido na sua forma mais simples do pulso
ternário, torna-se binário nas festas em todas as casas da cidade; na Biblioteca
Alvares de Azevedo a canção portuguesa na mistura do ritmo brasileiro vira
congada...o som é bom!
A mídia musical americana está
na vida intima das meninas do Jaçanã, glamour, padrão de vida, estética da
beleza mas, e a estética musical? Valor intenso de se fazer representar pelas
redes sociais...alguma vergonha? Sim, a de mostrar a criação relida,
reinventada no fazer musical que é orientada por Carla Casado, no fazer poético do som da língua portuguesa: o som das terças
menores.
No mapeamento geográfico da Zona
Norte equipamentos públicos refletem o
mapeamento sonoro: colecionadores de sentidos trabalham, exaustivamente, para
fazer som...para escutar o silencio.
[i] Exposiçao que ocorreu na Pinacoteca do Estado de São
Paulo de abril a julho de 2013 sob a curadoria de Valeria Piccoli.
[ii] Faço aqui a minha referencia ao texto do Miriam
Celeste Martins e Geisa Piosque “Professor-pesquisador: escavador de sentidos”
. In:,Arte-educação: experiências, questões e possibilidades. Ed.arte e
ciência.
[iii] Musztak, Mauro; Correia, CMF; Campos, SM. Música,
neurociência e desenvolvimento humano. In: Revista
de neurociencias. 2000,8 (2):70-75
O Som interno - Ricardo Valverde
O Som interno
AO: Ricardo de
Almeida Valverde/ Casa de Cultura Salvador Ligabue
Há três anos venho trabalhando como
artista orientador no programa Vocacional de Música da Secretaria de Cultura da
Prefeitura de Sâo Paulo, e um fato interessante: orientar um grupo grande de
vocacionados com muitas diferenças ( idade, religião , gosto e estilo, técnica
no instrumento e conhecimento geral), vem me fazendo refletir bastante.
A princípio eu achava que teria que
encontrar um ponto em comum para conseguir dar uma boa orientação . Acreditava
que se encontrasse essa unidade conseguiria estabelecer uma harmonia entre as
pessoas e amenizar as diferenças entre elas ,proporcionando dessa forma um
desenvolvimento musical coletivo.
Porém
logo percebi que isso seria uma utopia pois estaria indo contra uma
característica formidável do ser humano; cada indivíduo é único e possui suas
próprias competências e habilidades específicas. sendo assim , se cada
indivíduo é diferente , a música dele também vai ser diferente da do outro.
“Não existem duas pessoas com o mesmo mapa
sonoro, assim como não existem duas pessoas com a mesma situação genética"
nos coloca Silvia Goes, musicista e pedagoga.[1].
No
livro, Silvia defende que cada indivíduo tem o seu próprio som interno e
relata: " minha função não é formar músicos , mas sim tratar da música das
pessoas para que elas consigam ficar felizes e satisfeitas com a sua expressão
sonora e, mais ainda, para que aprendam a utilizar o canal do som em seu
próprio beneficio : uma descoberta que traz equilíbrio , pois dela se consegue
ver oque esta realmente acontecendo dentro de cada um."
Aceitando as
diferenças e entendendo que cada artista vocacionado sente , escuta e produz
música de uma maneira própria percebi que uma forma de orientar um grande e
heterogêneo grupo de pessoas é fazer com que elas se descubram, ou seja
,conheçam seu próprio som interno.
Para se chegar a descoberta do som interno a melhor ferramenta é a percepção
musical . Portanto nas minhas orientações venho trabalhando muito a audição. Um
exercício que utilizo no inicio , é o de fazer com que os vocacionados fiquem
em silêncio por dois minutos e percebam todos os sons que estão no ambiente,
perto ou longe. Este simples exercício pode ser feito para qualquer pessoa
independente da idade e técnica musical.
Então
os primeiros trabalhos são o de fazer o indivíduo começar a perceber o seu som
interno. E isso requer tempo e dedicação do aluno. " o crescimento de cada
um depende única e exclusivamente de trabalho pessoal, que pode ser estimulado
ou até mesmo orientado"[2].
Depois de estimular bastante a descoberta do som interno, o próximo passo é
fazer com que o aluno comece a ter sua própria musicalidade , o fazer tocar
único, ou seja, começar expressar o que esta dentro dele através da musica.
Para ilustrar este trabalho , vou
exemplificar com um exercício feito na orientação : faço uma roda com os
vocacionados. Começo a tocar uma seqüência harmônica no violão: Am - Dm- G7-
C7M e peço que cada pessoa improvise com o próprio canto . Esse exercício faz
com que a pessoa trabalhe primeiro a percepção harmônica dos acordes e na
sequencia com que ela produza melodias atraves da sua voz , se manifestando
expressivamente . Silvia Goes aponta que
"a compreensão leva ao movimento e
o movimento leva a expressão ".
Para concluir, preciso dizer que a busca do som interno e o fazer musical
expressivo é um trabalho diário que faço como músico e acredito que o farei
para sempre, pois sempre poderemos descobrir e reiventar a nossa propria
música.
Celebrações e identidades - Miranda de Amaralna
Celebrações e identidades
AO Miranda de Amaralina /
Biblioteca Álvares de Azevedo
A
trajetória de vida de um indivíduo nunca pode ser encarada como um caminho
reto. Nossa experiência pessoal nos mostra que são muitos os fatores que nos
levam a tomar determinados rumos, a fazer escolhas do que queremos fazer, do
que queremos nos tornar. O que me fez tornar-me músico? O que me levou a optar
por trabalhar como arte-educador? Qual a relação entre minha experiência de
vida e minha forma de trabalho?
Estas questões me levaram a buscar, neste artigo, a
analisar a trajetória de vida da arte-educadora Rosângela de Macedo Santos, sua
formação como artista e arte-educadora, assim como sua atuação dentro do grupo
Sambaqui e as ações desenvolvidas por este grupo no Jd. Guarani, zona Norte de
São Paulo. Muitas vezes este olhar sobre o outro nos permite rever e repensar
nossa própria história e atuação.
Rosangela, em sua entrevista, nos diz ter nascido na
cidade de Rosário do Ivaí, no Paraná. Mas ainda bebê mudou-se para São Paulo
com a família, indo residir na zona Norte da cidade nos bairros de Vila
Brasilândia e depois Jd. Guarani. Ao ser indagada sobre seu contato com a
música ela respondeu:
“Cresci
ouvindo meu avô cantando cocos e emboladas com o acompanhamento dos ganzás de
lata de óleo que ele mesmo confeccionava, meu pai cantava aboios, emboladas,
folias e gostava de contar histórias de trancoso (mistério) e cordéis, minha
mãe passava os dias assobiando
Este contato cotidiano com elementos da cultura popular foi
ressignificado quando ela, aos 26 anos, entrou para o grupo Cachuera em 1996.
Segunda ela: Meu aprendizado é na
prática, necessito de tempo para digerir essas informações.
Minha trajetória de vida, como músico e arte-educador é
muito semelhante. Como Rosangela a música foi algo que esteve presente em meu
cotidiano, assim como meu contato com a cultura popular se deu através de um
saber/fazer e não de um processo formal de estudo.
“O meu interesse
pela cultura popular tradicional brasileira se deve a percepção de que nossa
cultura nos educa para a convivência, o fazer coletivo, o desenvolvimento em
comunidade, a resolução de conflitos pelo consenso, claro que isso só é
possível se estivermos alicerçados nos fundamentos das nossas tradições e não
no aproveitamento superficial, recortado apenas de algumas características. É
preciso que nos reconheçamos como comunidade/aldeia.”,
Dentro
desta perspectiva venho desenvolvendo uma ação com os vocacionados ligada as
festas de São João. Estas festas remetem não apenas a tradição popular cristã,
mas também a um conjunto de símbolos ligados a vida camponesa e em comunidade.
Ao trabalhar com os vocacionados os ritmos ligados a estas festas, como o xote,
o baião e o rastapé procuro, também,
discutir o contexto em que tais formas de expressão musical se desenvolveram,
assim como a sua relação profunda com a festas de São João.
Neste
sentido, as conversas com os vocacionados nas orientações foram muito
importantes para pensarmos a forma como iriamos construir o repertório da
mostra, se deveriam apresentar as composições que o grupo havia trazido e que
não tinham necessariamente relação com os festejos juninos.
Foi aí que
começamos a conversar sobre o significado da festa para cada um, as
experiências de vida com esta manifestação e principalmente, como deveríamos
construir a nossa mostra.
O
vocacionado Wagner contribuiu para a construção do repertório, falou sobre a
importância da música nesta festa, defendeu que deveríamos apresentar tanto as
canções que cada um trouxe para o grupo, quanto o repertório junino e então
poderíamos fazer um coro.Ele está no projeto desde o ano passado, adora a
música popular brasileira, seu instrumento é violão e gosta de cantar samba, se
interessou em participar este ano do projeto, porque quer aprender a tocar os
instrumentos de percussão.
Rosi
Cheque, por exemplo, é formada em jornalista, ficou incumbida de escrever o
roteiro e o texto da apresentação da festa. Há dez anos ela participa do
projeto Vocacional, já fez teatro, dança e agora está no vocacional música,
segundo ela, estou adorando participar
deste grupo de música. Descobri que
posso cantar e tocar percussão, eu não sabia que era capaz de fazer as duas
coisas. É uma descoberta... Eu adorei tocar
triângulo!
Daise Lu,
já era do vocacional teatro desde o ano passado, chegou muito animada para
fazer parte do grupo de música, participa das orientações nas quintas e nos
sábados. Segundo ela, gosta muito das orientações porque é um espaço do encontro entre os amigos,
momento em que ela pode fazer o que mais gosta:
cantar.
Daise Lu
escolheu para cantar na festa a canção - No
dia do meu casório – pois retrata a realidade do casamento de maneira muito
divertida. Têm 80 anos, viúva, mora
sozinha, durante as nossas conversas falou bastante das suas experiências
pessoais, suas alegrias e frustações ao longo da vida e encontrou neste grupo
um espaço para retomar algo que sempre gostou de fazer e também de realização
pessoal.
Neste
sentido, busco não só orientar os aspectos ligados diretamente ao fazer
musical, mas também trabalhar com eles os laços identitários, fundamentais
dentro da cultura popular e sempre presentes nestas formas de celebração.
Paradigmas nas linguagens artísticas. Egelson Lira
Paradigmas nas linguagens artísticas.
AO Egelson lira/ CCJ
Inter- musicalidades ,
expressão diversidade em comunhão, inter-linguajar sonoros, inter -
metaforalizantes.
Inter -vocalizamos nossos
sentidos, inter- ingênuamente nos doamos ao extinto, nos vemos dentro e fora
dele, mas nunca ausentes.
Inter- musicalmente, diminuo o andamento,
troco a harmonia e mudo o pulso, “alegro ma no tropo” revejo conceitos
rítmicos, metáforas estão sempre presentes na linguagem musical.
Inter - locutando vozes
sejamos , ouvidos, alados...
Inter - teleguiados serão
muitos telêmacos nas odisséias dos dias amargos.
Inter- minimalismos se
iniciam, e o reparar, continuar, ascender vão procriar.
Ao Inter – determinamos:
qual? Quem? Reescreveu, e ele próprio o releu.
Inter- teatralizamos o que não é atento,
porque nunca se tenta, entre.
Inter- visualizaremos , entre olhos retidos dentro e
fora do mundo.
Inter – dançaremos, na inter
– contemporaneidade do compasso eterno.
binários e ternários se tornarão, sambas e
boleros.
O inter – seminário
metáforalizante sobe e desce escalas dissonantes, quase se torna melodia, se
arrisca no cromatismo, quase chega à simetria, modula tonalizando, vários inter
- tons.
Inter- anti inseminadas semínimas são muitas,
colcheias nem se fala, o compasso está quase inacabado.
Inter- melodiamos, inter-
cantarolamos, lá, laia, laia, salve as onomatopéias.
Inter- vocacionamos vocações,
inter- vertemos papéis.
Inter- eletrificamos
potências, tudo é questão entre decibéis.
Inter- potencializamos as
ausências, não presenças, sentiremos como ela nos sente: ausente.
Inter- despediremo-nos quando
nos inter- encontrarmo-nos, quando já não formos inter- desplicentes, soando
como intervalos dissonantes.
Inter- interpretando vozes
estéreis, ás vezes seriais, outras vezes dodecafônicas, nos dividiremos em
tons, micro tons.
Inter quase sempre quer dizer
“entre”.
Quero agora sustentar que, no
entrosamento musical, o processo metafórico funciona em três níveis cumulativos[i]. Quando escutamos “notas” como se fossem
“melodias”, soando como formas expressivas; quando escutamos formas expressivas
assumirem novas relações, como se tivessem “vida própria” ; e quando essas
novas formas parecem fundir-se com nossas experiências prévias. Susane Langer no
livro de Swanwick diz que a música” informa a vida do sentimento”. [ii]
No processo de criação junto
aos vocacionados, a pesquisa se baseia nas metáforas sonoras, onde se procura
por sons inusitados, sons cotidianos que ouvimos nas ruas ,por onde passamos,
também nos silêncios que não nos deixamos ouvir, quando pedimos silencio, pausa
para que entre uma improvisação.
Um dos vocacionados diz: ta tudo desafinado! (penso comigo “é que no peito dos vocacionados
também bate um coração”), uma canção que fica na memória onde tudo se recria.
Sobre forma e conteúdo-
alguns violões entram fazendo a harmonia, conduzindo o andamento, as flautas
doces tocam uma pequena escala natural, a percussão, marca o ritmo para entrada
das vozes, a um repetição de todo o texto musical, para finalizar um improviso
de violão, terminando todos juntos.
Música utilizada de Heitor Villa Lobos - trenzinho
do caipira, texto poético de Ferreira Gular.
De alguma maneira essa
pesquisa metaforiza a linguagem musical, assume muitas formas, reúne, aproxima,
traz cidadania.
Perceber pelas sensações - Carla Casado
Perceber pelas sensações
AO: Carla
Casado/ CEU JAçanã
Ao iniciar um processo com um novo grupo a percepção
sobre cada um sobre as suas expectativas, suas necessidades e vontades,
torna-se um desafio a cada encontro. Num primeiro momento, existe o
reconhecer-se no lugar, nos seus objetivos e no seu papel junto ao grupo. Essa
reflexão entre os objetivos e a realidade encontrada permeia esses encontros
que são feitos na busca de um equilíbrio entre a construção de um processo de
promover a expressão artística e os desafios de muitos que chegam sem ter tido
um contato mais ativo com o fazer artístico, até uma passividade as vezes que o
bloqueia no inicio de qualquer manifestação.
Ao me deparar com o texto “Educação
Musical: O experienciar antes do compreender – A criatividade e o exercício da
imaginação” de Leda Osório Mársico percebi a relação da sua reflexão com a
minha prática com os vocacionados, ainda que ela fale em relação a criança.[i]
A autora declara que o sentir é anterior ao
pensar e compreende aspectos perceptivos e emocionais e nisso relaciona a importância
da criança vivenciar a música começando por aquilo que chega através do sentido
para depois entrar num período ativo de estímulo da manipulação dos sons. Ainda
afirma que a experiência musical necessita estar ligada ao corpo, pois
contribui para multiplicar as sensações e ligar o som à pessoa assimilando pelo
corpo conceitos de espaço e tempo que incorpora porque os vivenciou. Assim, nos
coloca que pelos gestos a criança concretiza suas percepções, traduzindo os
sons e o ritmo corporalmente o que aguça sua audição, bem como ajuda para sua
evolução geral. Por fim, destaca que a criança precisa ter a oportunidade de
viver plenamente a música para expressar suas sensações e sentimentos.
Não encontramos crianças no Programa Vocacional, mas
encontramos adolescentes e adultos que não tiveram a oportunidade de vivenciar
a música como expressão. Também encontramos adultos que trazem o corpo marcado,
tenso, rígido pelas obrigações cotidianas e desconhecido nas suas inúmeras
possibilidades. Por fim, encontramos também adolescentes e adultos que nunca
experimentaram se movimentar para se descobrir, para sentir os sons e exercitar
o fazer musical ligado aos sentidos e a comunicação de sua emoção. Percebe-se
que essa falta se traduz no bloqueio em criar, na dificuldade de perceber o
ritmo do próprio andar.
Nesse sentido, o que Leda Osório Mársico afirma em
relação a educação musical da criança, observo a importância de muitos aspectos
no fazer artístico dos vocacionados. Por exemplo, em explorar os sons, movimentar
o corpo e fazer música, pois nesse fazer vai se aprendendo para além de
técnicas, a comunicação da emoção que é o diferencial da linguagem artística.
É na perspectiva de aguçar os sentidos que ao falar de
pulso, propus em roda a procura do próprio pulso e a tentativa de demonstrar o
seu pulso batendo o pé. Depois batemos revezando os pés dentro de um pulso e
num jogo em roda, lançamos uma “flecha” batendo as mãos na frente do corpo e
direcionando a um participante da roda no momento em que batemos um dos pés no
chão e assim o desafio vai aumentando, como lançar a “flecha” no “contratempo”
entre as batidas dos pés. E a partir desse pulso, inventamos sons com outras
partes do corpo, inventamos sons com a voz e conversamos sobre o que é fazer
música.
Além de explorar sons, nos permitimos a criar melodias
para uma letra de uma música desconhecida e depois ouvimos a música que agora
passa a ser conhecida, além de ajudar na percepção de outros caminhos possíveis
de melodia.
Concordamos
com o desafio de compor músicas coletivamente a partir de uma atividade de
questões a serem respondidas por todos, a partir dos sorrisos dos participantes
no momento de fazer e de cantar, foi demonstrado na prática que é possível
compor sua própria canção, que se expressa pelo corpo que toca, que pensa, que
canta, que se torna presente em suas ações e escolhas.
Esse corpo precisa escutar e não somente ouvir e para
isso torna-se importante atividades de escuta, romper com a sobreposição da
visão em relação aos nossos inúmeros sentidos. Para isso, dinâmicas como fechar
os olhos e se locomover seguindo um som como comando no meio de outros sons,
bem como ouvir os sons do ambiente, identificar, falar de suas características,
contribuem para ampliar a percepção sonora e com isso a leitura do ambiente em
que se vive.
Nas práticas percebemos que é preciso um ambiente
descontraído, ampliar os sentidos com dinâmicas coletivas, explorar sons e
organizá-los exercitando a criatividade. Promover a curiosidade sempre, bem
como a ligação do corpo com o fazer musical ao compreendermos que o corpo não é
separado da mente e que se esse corpo não se permite a sentir, terá
dificuldades em compreender, em fazer e se expressar musicalmente.
[i] MÁRSICO, Leda Osório. “Educação
Musical: O experienciar antes de compreender. A criatividade e o exercício da
imaginação”. In: OPUS I – Revista da Associação Nacional de Pesquisa e
Pós-Graduação em música – ANPOOM. Dez. 1989
Observando Aisha Lourenço
OBSERVANDO...
Aishá Lourenço
Para trabalhar com musica e
musicalidade primeiramente, procuro entender as peculiaridades de cada
vocacionado, convidando-o a apresentar seus interesses musicais. Depois que
eles me apresentam suas referências, faço uma atividade em que eles tenham que
me responder de acordo com suas percepções o que cada umas das 10 musicas
apresentadas lhe remetam em relação a cor, lugar e sensação. Por exemplo, com a
primeira turma, composta por 10
vocacionados entre orientadores e participantes do CAPS, tivemos
momentos bem interessantes em que fui surpreendida pelas suas respostas, pois
apesar de algumas dificuldades de concentração devido aos remédios fortes
adquiridas nos seus tratamentos percebi que essas atividades serviram para
deixa-los a vontade e confiantes, principalmente das reflexões sobre as
respostas. Pois a ideia era conectar as similaridades e destituir as diferenças
dando valor a cada resposta e não distinguindo entre respostas certas e
erradas. Além de aguçar suas percepções sinestésicas, a imaginação e ativar
suas memórias, tive um retorno positivo de umas das médicas que cuidam deles.
Em outro momento que fui ao CAPS para fazer um mapeamento, conhecendo um pouco
mais do local, do publico e de suas necessidades, a doutora entrevistada me
falou que estava bem contente com o resultados das participação deles nas
minhas orientações pois alguns deles tem grandes dificuldades de se vincular a
algum tipo de atividade em grupo.
Este “tipo” de abordagem de
ativar a percepção, a memória, a sinestesia e a imaginação é coerente com
a abordagem da musica orgânica que venho
pesquisando[i] . Percebo que esta é uma
linha interessante e essencial para educadores musicais, ela acesa várias
aspectos íntimos do ser humano, desarmando-o e direcionado-o para um
amadurecimento das percepções, muitas vezes uma integra o participante ao
ritual da música, a alteração da consciência,
a expressão e a interação das
individualidades. E para uma passo inicial onde não temos muitos instrumentos
podemos criar musica através dos sons
e
dos movimentos corporais. Com este processo, percebo a necessidade ímpar do
despertar para a música interna que faz parte da aprendizagem “...viver é
afinar um instrumento, de dentro pra fora e de fora pra dentro, a toda hora a
todo momento ”. (Lurdi Blauth)[ii]
No Material Norteador e de certa
forma instintivamente nos deparamos com a importância de se criar/desenvolver materialidade
artísticas,concordo. Mas acho importante frisar de que “a crença de que toda educação genuína que
surge através da experiência não significa que todas as experiências são
genuinamente ou igualmente educativa”.[iii] Por isso venho
desenvolvendo reflexões sobre as estruturas de educação e ensino, em outras
palavras a estética educacional, em que os vocacionados e comunidade está
vinculada. Proporcionando e promovendo atividades distintas, sensibilizar os
vocacionados para as diferentes formas de se vincular à musica e realçar sua
lucidez em relação a sua própria musicalidade,
sua percepção, sua execução (o tocar), sua capacidade de refletir, interpretar,
compor, criar, materializar e apreciar.
“ Um facilitador, um mediador, um instigador que orienta e estimula os
alunos a descobrir essa imensa riqueza das experiências estéticas que estão
além de um ensino que promove apenas uma variedade de atividades técnicas e
materiais, oriundas apenas de um único ponto de vista. Isso se dá ao
estabelecer conexões com produções estéticas de outras culturas e entender que,
a partir do um certo ponto de vista, determinadas manifestações
expressivas são válidas naquele contexto e que ocasionaram impactos naquele
período histórico.[iv]
É importante que nós, A.O.s vislumbre possibilidades que oportunizem
estabelecer conexões significativas para que os alunos possam identificar,
experimentar e assimilar as diferentes expressões estéticas que, mesmo que
muitas vezes, não têm nenhuma relevância justamente pelo desconhecimento dos
seus códigos simbólicos.
A cultura é entendida como um
processo dinâmico, pois está em constante transformação, no entanto meu intuito
é aproximar os vocacionados das realizações e das experiências multiculturais,
oportunizando a construção de uma visão de uma análise crítica diante
das produções e re-produções consideradas eruditas, populares, ou de cultura de
massa.
segunda-feira, 19 de agosto de 2013
Ensaio/Roteiro - Foucault vai às ruas - Equipe Leste 1
“FOUCAULT VAI ÀS RUAS” – ROTEIRO/ENSAIO
EQUIPE
ROTEIRISTAS LESTE 1 – Andrea Tedesco, Antônia Mattos, Cibele Bissoli,
Márcio de Castro, Priscila Gontijo, Robson Alfieri e Vanise Carneiro.
FADE IN
CENA
1. INT – APARTAMENTO MARCIO FOUCAULT –
DIA
DETALHE
de um rádio relógio marcando 07:05 no visor. Vemos uma mão desligando o rádio
relógio. Câmera corrige e vemos MÁRCIO FOUCAULT, 32 anos, olheiras profundas,
deitado na cama e se espreguiçando. Ao seu lado, vemos LIGIA, 28 anos, cabelos castanhos, grávida de 8 meses
dormindo profundamente. MARCIO FOUCAULT alisa a sua barriga carinhosamente. Em
seguida, levanta-se apressado.
CORTA PARA:
CENA 2.
EXT– RUAS DA CIDADE /ZONA LESTE – DIA
Vemos MÁRCIO FOUCAULT caminhando pela Avenidade Amador Bueno da Veiga.
No caminho, encontra um grupo de manifestantes. O LIDER DA MANIFESTAÇÃO entrega
um cartaz para Márcio que não sabe o que fazer com ele. DETALHE do cartaz: “MEU
CU É LAICO”.
MARCIO
FOUCAULT – Desculpe, meu senhor,
mas não posso participar, agora. Estou com pressa.
LIDER MANIFESTAÇÃO (irônico) – Ah,
está com pressa? Desculpe o aborrecimento, então. Nós também estamos com
pressa. Nós apenas queremos mudar o Brasil. Vai pra minoria dos gays ou dos
índios?
O LIDER
empurra MARCIO para um grupo de índios. MARCIO tenta se desvencilhar. Nesse
momento, o LIDER cola um adesivo na blusa de MARCIO FOUCAULT com a mesma frase:
“MEU CU É LAICO”. MARCIO foge.
CENA 3. EXT – CENTRO CULTURAL DA PENHA/FACHADA – DIA
MARCIO FOCAULT chega apressado no Centro Cultural da Penha. Na porta, vemos uma nova aglomeração e muitas câmeras. Ele não consegue entrar no centro e para pra observar. VÁRIOS REPÓRTERES disputam espaço para ver quem consegue dar a notícia.
Repórter 1
– Nesse momento, muitos vândalos quebram as lojas na zona leste.
Repórter 3
– A polícia tenta conter as manifestações, mas os protestos se multiplicam.
Repórter 1
– Os carros estão todos parados. Os motoristas indignados.
Manifestante
1 – Sem violência, sem violência, sem violência!!
Outros MANIFESTANTES surgem em várias direções.
DETALHE de um cartaz:
“VOCÊ ACORDOU AGORA. A PERIFERIA NUNCA DORMIU”.
CENA
4. INT.
CENTRO CULTURAL DA PENHA – DIA
Vemos SÓCRATES, 35 anos, homem bonito e musculoso,
andando em círculos num grande salão. MARCIO FOCAULT entra em quadro e tenta
acompanhá-lo. SÓCRATES aumenta o passo, Márcio Foucault para esbaforido.
SÓCRATES corre.
MÁRCIO –
Onde estão os outros?
SÓCRATES
– Que outros?
MÁRCIO
– Como assim? Andrea, Antônia, Cibele, Priscila e Vanise? Nossa equipe!
SÓCRATES
– Essas mulheres são tão imprevisíveis... Por favor, não pare de andar, isso
atrapalha o fluxo dos meus pensamentos. Sou peripatético! E nem dormi essa
noite pensando na sua pergunta...
MÁRCIO (baixo, consigo) – A
periferia nunca dormiu.
SÓCRATES – O que disse?
MÁRCIO
(irônico e sem paciência) – Nada.
Pensei alto. Ah, sim. A minha pergunta. Qual era mesmo? Calma. Ah! Lembrei. Os processos
criativos em turmas iniciantes. Se é possível pensar esses processos de modo
que fujam das bases clássicas, ou ainda, de modo que não sejam lineares... É, é
isso.
SÓCRATES (pára por um minuto, pensativo) – Bases
clássicas, linearidade. Essas turmas são formadas segundo os moldes da educação
clássica? Quanto tempo de trabalho esse programa prevê?
MÁRCIO
(com má vontade) – Não, não são
montadas nos moldes clássicos e temos um tempo exíguo de trabalho.
SÓCRATES
(voltando a andar) – Há continuidade?
MÁRCIO
(para si mesmo) – Palhaçada.
SÓCRATES – Perdão,
não entendi.
MÁRCIO – Não!!!
Eu disse que não há continuidade.
SÓCRATES
– Sei, sei. Isso já pode te dar algumas pistas, não?
MÁRCIO
(provocativo) – Eu acho que se a
pessoa se propõe a escrever uma cena na qual um dos personagens é o Sócrates
filósofo, ela tem que bancar o desafio e responder a minha pergunta de modo
socrático. Para mim você está mais para oráculo.
SÓCRATES começa a sentir calafrios. MARCIO
FOUCAULT observa temeroso. Baixa um santo em SÓCRATES que rodopia no mesmo
lugar e estala os dedos. SÓCRATES começa a tatear o caminho em torno de si.
Parece estar cego. MÁRCIO se afasta.
SÓCRATES/TIRESIAS
– Ai, Mizifi. Sai pra lá, belzebú! Eu
vejo um caminho longo e árduo para você, meu fio. Nessa busca incessante pela
verdade tem muitas pedras no caminho. Vejo que é necessária uma mudança de
olhar da sua parte. OLHE!
MÁRCIO
(olhando em volta, procurando algo) –
O quê? Olhar o quê?
SÓCRATES/TIRESIAS
– Como o quê? Você é cego?
MARCIO (hesitando) – E-eu?
SÓCRATES/TIRESIAS
– Pare de pensar no processo como orientador e passe a pensar nele como
aprendiz. E... CUIDADO!
CENA 4.
EXT. – VIELA ESCURA DA VILA CÍSPER – DIA
Vemos uma
viela muito estreita, escura. Uma ponte caindo aos pedaços dá passagem para um
lugar solar, cheio de lixo, perto de um esgoto. Em cima da ponte, um menino
passa correndo soltando pipa.
CARTELAS, LETRAS BRANCAS GRANDES, SOB FUNDO PRETO:
“FOUCAULT VAI ÀS RUAS”
CORTA PARA:
CENA 5 -
EXT. – RUA VILA CISPER – DIA
O menino
continua correndo com a sua pipa e some atrás de uma casa. Vemos uma menina
AMANDA, 14 anos, usando óculos de aros grossos, atravessar a ponte caindo aos
pedaços. Anota algo em seu bloco de notas.
AMANDA
– Um rato!
Dentro do
esgoto, além de muito lixo, vemos um travesseiro, um liquidificador, um rato e
um gato. A menina assobia olhando para o outro lado da ponte e aparecem vários
VOCACIONADOS na faixa dos 15, 16 anos. Todos atravessam a ponte tirando fotos
com seus celulares.
CENA 6 -
INT – SALA DA MULTI-USO CEU QUINTA DO SOL – DIA
O mesmo
grupo de jovens está sentado em roda. A MESTRA, 35 anos, vestindo moleton e
regata está toda suada e descabelada. Ela bebe água com voracidade. Se contorce
no chão tentando relaxar a coluna. Os jovens conversam alegremente. Uma luz de
fim de tarde entra pela janela iluminando o ambiente.
AMANDA
SANTOS – Tirei várias fotos antes de me perder de vocês.
Essas ruas parecem um labirinto.
WILLIS
MENEZES – Você que é perdida, Amanda. Mora na Vila Císper
desde que nasceu e ainda se perde.
AMANDA
SANTOS – Eu não sou perdida! Eu fiquei perdida, seu
trouxa!
PEDRO
HENRIQUE – Eu também tirei fotos, nem sei qual vou
escolher.
MESTRA
– Quem vai começar?
Silêncio. Todos se entreolham. LUISA ALICE levanta
o dedo timidamente.
LUISA
ALICE – Eu escolhi uma menina de cinco anos. A menina
correu, pulou, saltou obstáculos e foi parar numa aldeia de índios do outro
lado do rio.
MESTRA
– Você foi parar numa aldeia de índios? Como assim?
WILLIS
MENEZES – Íiiiii.... Essa daí viaja. Delira!
LUISA
ALICE – Não é viagem nenhuma. Eu até trouxe um cocar.
Olha aqui.
LUISA ALICE tira o cocar da mochila e põe na cabeça.
LUISA
ALICE – Pegamos ônibus, trem e charrete. Depois um burro
nos deu uma carona...
MESTRA–
Meu Deus, acho que não estou me sentindo muito bem. Deve ser o cansaço.
LUISA
ALICE – Eu também estou exausta, professora. Cantamos,
fizemos vários rituais indígenas. Até fumei um troço lá. Depois me consultei
com um xamã. Ele fumou um charuto. Soprou a fumaça em mim e depois me deu um
abraço. O xamã disse que tenho o dom da cura.
WILLIS
MENEZES – Gente, a professora está passando mal de tanto
ouvir absurdos.
A MESTRA se abana com um livro. Todos observam
as fotos que tiraram em seus celulares. DETALHE de uma das fotos. Um senhor, 70
anos, sozinho, olhando um bueiro, vestido com
roupa social.
AMANDA
SANTOS – Mestra, sabe o que eu percebi nesse trajeto? Que
todo mundo tem um carro. Olha aqui, essa rua tá toda suja, muito esgoto, muito
lixo, dois ratos, as casas caindo aos pedaços, mas todo mundo tem carro.
WILLIS
MENEZES – E televisão. De plasma. Com mais de quarenta
polegadas. Eu vi.
VITÓRIA
ELISABETHE – O que mais me impressionou foi o escarro. Um
homem escarrou com uma violência que me assustou. Foi bem na minha frente, eu
vi todo o processo, o som, e então uma coisa monstruosa saiu dali de dentro.
Por que os homens fazem isso?
ELLEN
ALVES – Mulher também escarra.
CENA 8 – INT. – SALA DE REUNIÃO
ARTÍSTICO-PEDAGÓGICA – DIA
MESTRA
chega atrasada para a reunião. Ao invés de sua equipe, ela dá de cara com
RISCO, bela mulher, 30 anos, de cabeça raspada parecendo uma HARE KRISNAH.
MESTRA esfrega os olhos, dá um tapa na cara. Ainda acha que está sonhando.
RISCO - De onde vens?
MESTRA - A pergunta é para onde vou!
RISCO - Bem, para onde você quer ir?
MESTRA - Digamos que eu quero somente chegar.
Risco dá de ombros. Silêncio. Risco, com ar
de investigador, chupa o dedo, coloca-o para cima para descobrir o lado para
onde o vento está soprando, agacha-se recolhe pequenas amostras de solo
buscando vestígios.
MESTRA (observa e diz): Qual o
caminho mais rápido?
RISCO: Você tem certeza de que quer o caminho mais rápido?
MESTRA (em dúvida): Não sei, sei lá,
por quê? Então, pode ser o mais longo mesmo.
RISCO: Ah! Claro, o mais longo...sei.
MESTRA: Que tal o mais bonito?
RISCO (rindo muito): Ui, tá
querendo o caminho mais bonito!! Você é muito engraçada!
Mestra se levanta irritada. Risco empurra
Mestra no buraco.
MESTRA (gritando): Você é louca? Me tira daqui já. Tá me
ouvindo? Me tira daqui.
CENA 9 - INT – GABINETE DE SÓCRATES E
MÁRCIO FOUCAULT – NOITE
SÓCRATES – Tem certeza que a sua cena não está um pouco inverossímel? Uma
menina que vai parar numa tribo indígena em plena zona leste?
MÁRCIO
FOUCAULT – E a sua cena? Uma HARE KRISNAH chamada
Risco, que coisa mais Strindberg! Você adora um personagem simbólico. Sócrates,
você precisa ler mais Beckett pra ajudar na criação da nossa peça.
SÓCRATES – Isso é um filme e não uma peça.
MÁRCIO FOUCAULT – Um filme sobre uma peça sobre um ensaio/peça dentro de um
teatro dança.
SÓCRATES – Eu acho que
precisamos focar mais, Foucault...
MÁRCIO FOUCAULT – Focar? Escolher um único caminho, é isso? Essa é uma viela
estreita sem céu, sem mar, sem rio. O processo de iniciação artística precisa
seguir leis? Normas? (pausa, Márcio encara Sócrates) Sócrates, você já
leu Mia Couto?
FIM / FADE OUT
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