Páginas

terça-feira, 27 de agosto de 2013

Fazedores de sons, colecionadores de sentidos - Claudia Polastre


Fazedores de sons,  colecionadores de sentidos
Claudia Polastre

Pandeiro, violino, violão, triangulo, flauta, flautim, glockenspiel, cajon, voz e corpo, ganzá, pé, estalo....latinhas, caixinhas, ouvido, ouvir, escutar.  Ouvir em italiano é a palavra “sentire”...
O que eu senti ao entrar em uma sala com quatrocentos releituras, com diferentes tons, texturas e intenções, de um mesmo quadro exposto na Pinacoteca de SP, intitulado Fabiola de Francis Alys, me remeteu ao fazer dos artistas músicos que semanalmente vejo, converso e ouço[i]. O retrato de uma romana que viveu no século IV mostrado em 400 formas diferentes não me poupou a analogia. A sensação naquela sala foi imediata: os artistas orientadores são fazedores de sons com a intenção mais pura e honesta de despertar o som em quem os procura. Músicas relidas, reestudadas, rearranjadas mais de quatrocentas vezes com diferentes tons e texturas na busca de diferentes timbres, como na exposição de Alys. Os músicos colecionam arranjos, colecionam versões e colecionam sentidos...[ii]
O som interno de cada um, o despertar da consciência com a percepção sonora por meio das sequencias harmonicas é a pesquisa realizada por Ricardo Valverde; o som da memória e das identidades resgatadas é diagnosticado por Miranda de Amaralina. Aishá discute a partir  do som da mídia, da critica e da música orgânica na Biblioteca Pedro Nava;  o som das escalas, assobios, ritmos e  o som desafinado  e a interlinguagem desafia o artista do CCJ. A afinação dos 440 hertz que há mais de 3 séculos norteia o ouvido humano para o padrão do equilíbrio temperado do som...hertz, decibéis...  A física, a biologia e a neurociência explica, justifica o som produzido. A música evoca e estimula “uma série de reações fisiológicas que fazem ligação direta entre o cérebro emocional e o cérebro executivo”. [iii]
A frequência angustiante dos graves nos carros das cidades, o pulso do outro com o pulso do artista, com o pulso musical. O pulso quer, a melodia reflete....o “parabéns a você” relido na casa de cultura Salvador Ligabue, entendido na sua forma mais simples do pulso ternário, torna-se binário nas festas em todas as casas da cidade; na Biblioteca Alvares de Azevedo a canção portuguesa na mistura do ritmo brasileiro vira congada...o som é bom!
A mídia musical americana está na vida intima das meninas do Jaçanã, glamour, padrão de vida, estética da beleza mas, e a estética musical? Valor intenso de se fazer representar pelas redes sociais...alguma vergonha? Sim, a de mostrar a criação relida, reinventada no fazer musical que é orientada por Carla Casado, no fazer poético  do som da língua portuguesa: o som das terças menores.
No mapeamento geográfico da Zona Norte equipamentos públicos refletem  o mapeamento sonoro: colecionadores de sentidos trabalham, exaustivamente, para fazer som...para escutar o silencio.  


[i] Exposiçao que ocorreu na Pinacoteca do Estado de São Paulo de abril a julho de 2013 sob a curadoria de Valeria Piccoli.
[ii] Faço aqui a minha referencia ao texto do Miriam Celeste Martins e Geisa Piosque “Professor-pesquisador: escavador de sentidos” . In:,Arte-educação: experiências, questões e possibilidades. Ed.arte e ciência.
[iii] Musztak, Mauro; Correia, CMF; Campos, SM. Música, neurociência e desenvolvimento humano. In: Revista de neurociencias. 2000,8 (2):70-75

Nenhum comentário:

Postar um comentário