Fazedores de sons,
colecionadores de sentidos
Claudia Polastre
Pandeiro, violino, violão,
triangulo, flauta, flautim, glockenspiel, cajon, voz e corpo, ganzá, pé,
estalo....latinhas, caixinhas, ouvido, ouvir, escutar. Ouvir em italiano é a palavra “sentire”...
O que eu senti ao entrar em uma
sala com quatrocentos releituras, com diferentes tons, texturas e intenções, de
um mesmo quadro exposto na Pinacoteca de SP, intitulado Fabiola de Francis Alys, me remeteu ao fazer dos artistas músicos
que semanalmente vejo, converso e ouço[i].
O retrato de uma romana que viveu no século IV mostrado em 400 formas
diferentes não me poupou a analogia. A sensação naquela sala foi imediata: os
artistas orientadores são fazedores de sons com a intenção mais pura e honesta
de despertar o som em quem os procura. Músicas relidas, reestudadas,
rearranjadas mais de quatrocentas vezes com diferentes tons e texturas na busca
de diferentes timbres, como na exposição de Alys. Os músicos colecionam arranjos,
colecionam versões e colecionam sentidos...[ii]
O som interno de cada um, o despertar
da consciência com a percepção sonora por meio das sequencias harmonicas é a
pesquisa realizada por Ricardo Valverde; o som da memória e das identidades
resgatadas é diagnosticado por Miranda de Amaralina. Aishá discute a
partir do som da mídia, da critica e da
música orgânica na Biblioteca Pedro Nava; o som das escalas, assobios, ritmos e o som desafinado e a interlinguagem desafia o artista do CCJ. A
afinação dos 440 hertz que há mais de 3 séculos norteia o ouvido humano para o
padrão do equilíbrio temperado do som...hertz, decibéis... A física, a biologia e a neurociência
explica, justifica o som produzido. A música evoca e estimula “uma série de
reações fisiológicas que fazem ligação direta entre o cérebro emocional e o
cérebro executivo”. [iii]
A frequência angustiante dos
graves nos carros das cidades, o pulso do outro com o pulso do artista, com o
pulso musical. O pulso quer, a melodia reflete....o “parabéns a você” relido na
casa de cultura Salvador Ligabue, entendido na sua forma mais simples do pulso
ternário, torna-se binário nas festas em todas as casas da cidade; na Biblioteca
Alvares de Azevedo a canção portuguesa na mistura do ritmo brasileiro vira
congada...o som é bom!
A mídia musical americana está
na vida intima das meninas do Jaçanã, glamour, padrão de vida, estética da
beleza mas, e a estética musical? Valor intenso de se fazer representar pelas
redes sociais...alguma vergonha? Sim, a de mostrar a criação relida,
reinventada no fazer musical que é orientada por Carla Casado, no fazer poético do som da língua portuguesa: o som das terças
menores.
No mapeamento geográfico da Zona
Norte equipamentos públicos refletem o
mapeamento sonoro: colecionadores de sentidos trabalham, exaustivamente, para
fazer som...para escutar o silencio.
[i] Exposiçao que ocorreu na Pinacoteca do Estado de São
Paulo de abril a julho de 2013 sob a curadoria de Valeria Piccoli.
[ii] Faço aqui a minha referencia ao texto do Miriam
Celeste Martins e Geisa Piosque “Professor-pesquisador: escavador de sentidos”
. In:,Arte-educação: experiências, questões e possibilidades. Ed.arte e
ciência.
[iii] Musztak, Mauro; Correia, CMF; Campos, SM. Música,
neurociência e desenvolvimento humano. In: Revista
de neurociencias. 2000,8 (2):70-75
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