São Paulo, 14 de Maio
de 2013
2º Mapeamento Herbert - CEU Agua Azul
Processo em andamento, processos em andamento, múltiplos
processos em andamento. Processos corporais, processos biológicos, processos de
encontro, processos de construção do encontro, processo de construção de si,
processo coletivo, processos com os pequenos coletivos dentro do grande
coletivo, processo de construção de relação com o espaço, processo de autonomia
e emancipação, processo de ação cultural, processo pedagógico, processo(s)
artístico(s).
Eu processo, tu processas, ele processa, nós processamos,
vós processais, eles processam.
...
Processando...
...
Processo de Construção da Relação AO AV ou
Relação entre artistas
Nas turmas que oriento observando a teia de relações e
poderes constituída, lanço nesse momento olhar para uma em especifico, a
relação Artista Orientador Artista Vocacionado. Nessa, percebi que os Artistas
Vocacionados estabelecem comigo a relação professor e aluno. Culturalmente, ao
menos na subjetividade a mim ali apresentada, o professor é visto como o que detem
o conhecimento e o aluno o que não o detem, e deve se manter passivo diante
daquele. Essa subjetividade apaziguava ou freava os múltiplos processos e
imaginários que estavam acontecendo ali naquele momento, dando a mim o poder de
ditar a trajetória a ser traçada. Nesse território eu poderia ensina-los os
meus conhecimentos e guia-los para um grau de compreensão, em um imaginário meu,
eu sou o professor de teatro e tenho a verdade.
Cito um exemplo. Há alguns dias quando fui visitar um grupo
chamado Os Moisézes, constituído na orientação do ano passado. Poucos ali me
conheciam, apenas o Felipe, Geovani, Denis e Anna Lygia.
Felipe me buscou em um
ponto de encontro e me levou até lá onde todos estavam. Chegando ao espaço me
encontrei com pessoas conversando e brincando umas com as outras, vivazes. Um
dos meninos que não me conhecia fez até uma brincadeira com meu nome. Todos
riram. Na roda todos conversavam sobre o processo e davam sua opinião. Passado
algum tempo estávamos em uma roda de apresentação, um a um falando a oque veio.
Ao chegar minha vez me apresentei como Artista Orientador do Programa
Vocacional Teatro. Palavras magicas que transformaram de vez aquele universo
anteriormente instaurado.
Instantaneamente aquele menino que tinha brincado com
meu nome esmoreceu, como se tivesse falado uma besteira com a pessoa errada.
Gerou-se um silêncio por parte daqueles que não me conheciam, um certo
constrangimento, um estado de atenção e seriedade e cuidado com as palavras.
Ali eu comecei a ser olhado como diferente, o professor.
Mas oque se processa quando tentamos tirar do centro essa
figura de poder? Quando não há um único deus, mas múltiplos deuses que em
conjunto constroem múltiplas realidades? Possíveis realidades sui generis dentre
as infinitas e infinitas. Para isso me coloquei em processo de construção dessa
relação, buscando suavizar esse olhar de detentor do conhecimento. Fui
selecionando os passos necessários a serem dados. Tracei estratégias para
trazerem as múltiplas vozes e imaginários ali presentes e fazer com que esses
contribuíssem para a construção desse espaço. Em constantes diálogos busquei
romper a relação de ditador para a de parceria, expondo minhas pretensões e dialogando
para a construção conjunta daquele espaço de troca. Na escrita parece que isso
foi o paraíso e correu tranquilamente. Ledo engano, pois lidar com o doloroso
processo de desconstrução de meus saberes, se abrir para a incerteza aterradora
do que poderia vir, construir passo a passo no aqui agora tendo que escolher um
caminho dentre os vários apresentados sem a certeza de que isso dará certo ou
errado eram tarefas nada fáceis a priori, mas pouco a pouco vou tentando pegar
a mão desse tipo de condução. A todo o momento me colocando na posição de
questionador, perguntas e mais perguntas surgindo e me exigindo à urgência de
uma ação. O dilema Hamiletiano ser ou não ser não da conta, pois os caminhos
apresentados não eram apenas dois, mas vários.
Ainda estou nessa trajetória homérica e as perguntas não
param de surgir. Qual o próximo passo a ser dado? Meus procedimentos não dão
conta de abarcar essa turma, quais novos procedimentos posso inventar? Essa
turma é grande, tem 30 pessoas, como dar conta desses diferentes imaginários?
Existe uma grande heterogeneidade e deferentes parcerias sendo realizadas,
seria interessante fomentar a criação de um único grupo ou a criação de mais de
um grupo? Mas eu que tenho que dizer isso ou seria interessante que esses mesmos
se auto organizassem na busca de realizarem suas próprias parcerias? A roda de
apreciação é redutora e sintetizadora da potência apresentada no encontro e nas
criações, essa é necessária, será necessária a reinvenção dessa apreciação, se
sim qual?...?...?...?...
Observando a configuração atual dessa turma vejo pessoas
bastante propositivas, que se auto organizam e entrando em dialogo, e sedentas
por criação. Possuem um imaginário rico que surpreende criação após criação. É
lógico que sou suspeito para falar e diversas são as características que se
apresentam. Por outro lado existe ainda um imaginário presente em alguns de que
existe uma forma certa e única de se fazer teatro, a do palco plateia, da
personagem, da historinha, e essa de certa forma constrange em dados momentos
as experimentações e descola o olhar do processo como a possibilidade de
descoberta da forma para o processo como as fases de assimilação de uma forma
pré-estabelecida. Percebo que múltiplos processos estão acontecendo, processos
de diferentes naturezas. Um passos que estou tentando constituir é fomentar o
desenvolvimento de um ou vários processo(s) de criação(ões), que possivelmente
possa desembocar em um ou vários produto(s) estético(s).
Processo de construção da relação com a Ação Cultural
Quando cheguei ao equipamento existia um atrito quanto à
utilização do espaço. No primeiro
encontro utilizei uma sala nada favorável, que vazava sons externos, fria, com
condições hostis a um processo artístico. Ao solicitar a coordenação à utilização
do teatro, os mesmos revelaram uma preocupação de edições passadas, onde havia
muita bagunça e depredação do espaço, oque inviabilizou o acontecimento dos
encontros no teatro. Em uma conversa tentando contornar a situação embarquei
novamente em um processo de desconstrução das relações, onde pelo lado do
coordenador se estigmatizou a figura dos vocacionados e pelo lado dos
vocacionados havia de fato alguns momentos de descaso na utilização do espaço.
Em alguns momentos nessas turmas por parte de alguns AVs
percebi a presença de uma relação de descaso com o espaço público, análogo ao
acontecido em escolas públicas. Ensaiei uma reflexão sobre isso e me permitirei
errar um pouco nessa escrita: Culturalmente existe ali uma relação de não
pertencimento e apropriação da coisa pública, talvez por abandono social. Essa
relação com a coisa pública, no caso o espaço público, necessitava ser
construída. Não estou falando que todos zoneavam o espaço, de forma alguma, mas
a maioria desconhecia as possibilidades de utilização de um espaço público.
Juguei necessária à construção dessa relação para fomentar a autonomia, já que
futuramente esses terão que se relacionar com esses espaços sem a presença do
AO.
Consegui conquistar a confiança do coordenador e os
encontros passaram a ser no teatro. Quanto aos vocacionados em alguns momentos
busquei expor minhas preocupações na utilização do espaço e estabeleci uma
relação de parceria no zelo pelo mesmo. Visto que os acordos estavam
acontecendo vi nessa uma oportunidade de aproximar o coordenador ao AV.
Convidei-os para em um encontro se apresentarem, falar sobre o espaço, sua
utilização. Para os coordenadores queria que eles vissem que a turma estava
disposta a cooperar e por outro queria começar uma relação direta de dialogo
entre AV e coordenadores para ações em parceria e o fomento da autonomia quanto
à utilização do espaço. No momento da visita dos coordenadores ao encontro
fiquei surpreso em ver a curiosidade e a participação ativa no dialogo. Os AV
perguntaram sobre como utilizar o espaço, se podiam solicitar para apresentar
alguma coisa, e até se poderiam tirar fotos dos encontros e fazerem uma
apresentação dessas fotos no futuro projetando no telão. Nesse momento vi que a
questão é era a falta de dialogo entre ambas as partes.
Natanael, um AV,
buscava em vários momentos zonear e em um momento deu um puxam na corda que
manipulava a cortina. Nesse momento conversei diretamente com o Natanael sobre
como ele tinha quebrado o acordo feito anteriormente. Foi disciplinador? Não
vejo dessa forma, foi uma conversa e busquei expor para ele que aquele ato
poderia prejudicar não só a ele, mas também o coletivo e o levei a perceber a
responsabilidade que todos coletivamente estávamos partilhando naquele espaço.
Posteriormente a isso em um exercício de confiança, percebi nele uma
dificuldade de ser responsável pelo outro. Percebi que ele não havia praticado
essa habilidade e seria fundamental que exercitasse isso para perceber como ter
essa corresponsabilidade coletiva. Alguns dias se passaram e me surpreendi com
duas atitudes dele, uma foi no final do encontro trazer a mim alguns objetos
esquecidos por outra pessoa e nesse mesmo dia ele me ajudou sem eu pedir a
apagar as luzes do espaço. Foram gestos banais, mas que para mim evidencia o
processo que Natanael passou e a diferente relação que foi criada com o espaço.
A questão sobre a liberdade fomentada em momentos nas
reuniões pedagógicas fez-me lançar reflexões em relação a essas situações.
Fiz-me as seguintes perguntas. Natanael e outros que participavam dessa turma
eram de fato livres para zonear, mas será que eles tinham consciência o quanto
os atos deles interferiam coletivamente? Será que esse estado de liberdade não
requer também a responsabilidade com o outro por parte do individuo? Em relação
à autonomia, caso eu escolhesse não chamar a atenção de Natanael e de outros
quanto a suas ações e refleti-las, não estaria nesse movimento de certa
“solidariedade” não possibilitando que ele perceba a responsabilidade que
tinha? Pior, não estaria sustentando uma relação assistencialista a qual eu
vejo o outro como coitado e incapaz de perceber seus atos? Vejo nesse momento
de reflexão a possibilidade de exercício de autonomia, esses construindo a
possibilidade de utilização do espaço sem a necessidade do AO.
Nesse quesito da ação cultural percebo nesse momento
reverberações desse movimento. Em vários momentos surgem novas pessoas e
algumas dessas ainda vem nesse espirito de zonear. Mas as relações que foram
construídas da turma com o espaço acabam por sufocar essas ações, me parece que
ali se construiu uma cultura de corresponsabilidade quanto a isso. Também
surgiu a necessidade de alguns de participarem mais ativamente no dialogo com a
coordenação e a gestão do espaço, surgindo proposições de tentar aproximar a
comunidade do CEU, construir a relação do CEU como um espaço onde se desenvolve
cultura e arte e não, como na fala de Felipe, o CEU visto como uma escola
grande, e até a proposição de um evento onde a turma compartilharia seu
processo com a comunidade e a convidaria a criar conjuntamente. Pensamentos que
atualmente estão sendo gestados.
Resíduos
Como Artista Orientador possuo uma vantagem dentro de uma
realidade estabelecida a qual o professor é aquele que detem o conhecimento e o
aluno é aquele que não o detem, sendo passível de aprender com o seu professor,
o deus do conhecimento. Poderia então me utilizar desse discurso e dos poderes
a mim conferido por convenções sociais, apaziguando os múltiplos processos dos
Artistas Vocacionados, que se tornam passivos, e, através de uma voz ativa e
ditadora, engendrar no coletivo aquilo que me convém. Dessa forma constituo um
processo linear, progressivo, que visa um fim. Nessa
situação também existe um processo, mas ele é meu ou é conjunto?
Nas turmas que oriento turma em que estou na função de
Artista Orientador minha figura possui um poder, sou o professor, e como tal o
detentor do conhecimento. É essa a relação que os Artistas Vocacionados
estabelecem inicialmente comigo, por questões culturais, se colocando na
posição passiva a aquele que possui o conhecimento e que o recebera
gradativamente. Nessa realidade, sou então o deus do conhecimento que dita os
caminhos para se alcançar um certo grau de compreensão por mim estabelecido.
Mas e se eu me arriscar na desconstrução desse discurso e
fomentar no coletivo que as suas múltiplas vozes surjam e atuem também sobre a
condução? Nessa situação me dispo dos discursos já constituídos e me coloco na
posição daquele que também esta em processo, oque me leva a pensar, qual a
relação eu construo conjuntamente com esse coletivo?
No processo que
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