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domingo, 4 de agosto de 2013

TECNICA-ESTILO-PROCEDIMENTO-JOGO. AO: Peticia Carvalho, Leste 4/Dança. CEU Azul da Cor do Mar.



Passo 1: O Estimulo
Minha inquietação-ensaio se inicia com o registro de uma aula-explicação recebida por mim, artista orientadora, e realizada por um vocacionado no primeiro dia de encontro-orientação:
"É muito simples e fácil dançar danças urbanas. É assim ó, eu falo e você traduz:
 - 'magazine'.
 - 'revista'.
- Isso, então como é que se folheia uma revista? (e o vocacionado assume as qualidades de movimento lento, continuo, com pausas realizadas no mesmo intervalo de tempo, leve, em um espaço direto e com movimento isolado dos braços) É assim, não é? Então, você pode brincar com isso (e começou a realizar a mesma movimentação mas variando as direções do braço no espaço). E assim vai... (E continuou)
- 'o que é toy man?'
- 'homem de brinquedo'.
Então, lembra do Toy Story, o filme? Como é que os bonequinhos de brinquedo se movem. É só sacar o nome das danças que você já sabe fazer, já pode improvisar em cima."

Passo 2: As sinapses
Esse relato me fez refletir sobre a palavra técnica, muito utilizada nas "danças acadêmicas" ou cênicas, a palavra estilo, muito utilizada pelas danças sociais/populares, assim como as atividades realizadas em uma aula de dança, chamada pelo Projeto Vocacional de procedimentos.
A técnica de uma arte, ou estilo da mesma, está baseada no mesmo principio daquilo que acompanha a humanidade, e segundo Huizinga (2012) surge antes mesmo da cultura, o jogo. Segundo este filósofo, a definição de jogo permeia regras bem definidas, disposição para jogar, tempo e espaço definidos e afastados da realidade cotidiana. Ele ainda diz que todo ritual e toda manifestação artística são desdobramentos do jogo.
O corpo humano é algo extremamente complexo. O ser humano é um dos animais que possui maior número de articulações. Isso quer dizer que as possibilidades de movimento são infinitas e por isso sua dança e até sua movimentação cotidiana é muito rica em variações. Essas muitas variações  geram a riqueza do que podemos chamar de dança no mundo todo, mas pode também ser perigosa quando se trata de criatividade.
A artista plástica Fayga Ostrower (2007) afirma que a criatividade acontece quando o artista é desafiado por regras e/ou restrições, e não quando ele é deixado livre para a criação. Isso porque quando tenho todas as possibilidades de realizar um trabalho artístico acabo me apoiando no que já é conhecido, no que é meu de costume. No caso da dança, quando posso me utilizar de todas as possibilidades do meu corpo, acabo realizando os mesmos movimentos que realizo com mais facilidade, que já executei muitas vezes... Ampliar o repertório nem sempre é interessante, ás vezes o ato criativo acontece do oposto, de restringir o repertório de movimentos. E é aqui que o jogo entra. O jogo como criação de regras pré-estabelecidas.

Passo 3: O Desproblema
Pergunto-me então, quais as vantagens e desvantagens de se ter um estilo/técnica? E logo também me pergunto, quais as vantagens e desvantagens de se desfazer dos mesmos e se abrir para todas as possibilidades do corpo?

Passo 4: As Danças
Buscando responder essa pergunta volto-me para as diferenças entre as danças cênicas e as sociais/populares. Percebo então que as danças sociais/populares possuem muitos estilos e subdivisões: as danças urbanas e sua infinidade de estilos que não param de se ampliar; as inúmeras danças de salão; as danças brasileiras, que ainda ninguém conseguiu contar quantas são (e talvez nunca consiga, pois elas, como cultura, estão em mutação e transformação) e, em cada dança dramática brasileira os seus momentos específicos, com qualidades e características de movimentos diferentes.
Já as danças cênicas, ou "acadêmicas", não se ramificam em estilos. Mesmo o balé clássico, que se comparado à dança moderna e à dança contemporânea é ainda muito restrito em suas movimentações, se torna muito amplo quando percebemos que o mesmo surge de uma exploração das movimentações de diversas danças populares e da corte européia. Ao menos o balé clássico, a dança moderna e a dança contemporanea não se ramificam com o nome dança - nas danças brasileiras, por exemplo, temos dança do côco, dança samba, dança maracatu, dança catira, dança vanerão, entre muitas outras. Mas possuem diversas técnicas, procedimentos ou formas de se ensinar e de se fazer aquela dança, formas essas decorrentes da ação do educador/orientador.

Passo 5: O Desretorno do Desproblema
A dança contemporanea sofre hoje com as vantagens e desvantagens de se abrir para todas as possibilidades, ela se torna: "a dança do pode tudo", "a dança da mistura", "a dança que não tem cara de nada".
Foi preciso muita transformação na arte-educação para o sucesso do ensino da arte contemporanea, pois se não tivéssemos vivido a crise da livre expressão, não saberíamos hoje que, como educadores/orientadores, temos que conduzir o processo, colocar regras, criar procedimentos, criar jogos. Porém, o movimento da arte contemporãnea tem também essa caracteristicas de continuidade da arte moderna, de arte pós moderna, quer dizer, uma arte que valoriza a liberdade e a expressão. É a arte do abrir e fechar, construir e desconstruir, estabilizar e desestabilizar...
Agora voltemos para as danças sociais/populares que muitas vezes - em nossa ação como Educador da Dança, sem outra palavra que complemente o substantivo - se transformam em cardápios infinitos: "quero dançar isso", "vim aqui para aprender aquilo" e percebamos as vantagens do restringir. As danças sociais/populares em sua origem não possuem escola, professores ou orientadores, muitas delas são aprendidas no momento da manifestação. O papel do mestre é de guiar a manifestação e não necessariamente de dar aulas ou ensaiar os brincantes. Com a ausência do ensino formal, os procedimentos, as atividades, os jogos são criados e acabam se agregando aquela dança e dividindo aquela manifestação em momentos ou estilos. Como não se tem o professor ou muito tempo de estudo antes da apresentação, a dança é dividida em partes, organizadas em momentos e em jogos/repertórios com regras claras e simples.
Nas danças populares as regras devem ser claras e expostas a todos os participantes, isso gera sua multiplicidade de danças, que, entendendo a cultura como algo em constante transformação, também é em si é um ato de abrir e fechar, construir e desconstruir, zelar e trair a tradição.

Passo 6: De Volta ao Estimulo
O comentário-aula-explicação realizado pelo vocacionado expõe os processos de aprendizagem das Danças Urbanas que tem por características serem realizados de maneira informal e popular. Para se restringir e assim ter mais possibilidades de criação, os bailarinos de rua se utilizam de palavras que tragam a memória movimentos. As características e qualidades desta movimentação cotidiana servem de estimulo para a explicação e criação de diferentes "estilos" dentro de uma mesma linguagem que em seu nome já é plural, a Danças Urbanas e que em si já possui suas restrições "gramaticais" se compreendermos que a mesma faz parte de uma grande linguagem artística: a Dança.

Todos os passos: A Busca por uma Dança-educação Popular
Este ensaio não se trata de erros ou de acertos, ou se trata de todos os erros e acertos já cometidos e que ainda virão. Este ensaio é o desresultado de alguém que acaba de se tornar Artista Orientadora e está inquietada com a identidade construida pelo Projeto Vocacional.
Assumir que todo ser humano, por se movimentar desde sua gestação, é capaz de criar em dança desde o primeiro dia de aula-orientação; assumir que o que fazemos é dança e que esta não depende de rótulos para se afirmar; assumir que eu como artista orientadora devo deixar de lado meu domínio para me juntar a um coletivo, me tornando mais mestre que professor; e finalmente desvelar todas as regras do jogo, expôr procedimentos, permitir que o outro compartilhe dos processos e da liderança; é o que faz desta grande empreitada uma educação popular. Seja a dança que for, ela se transforma em uma dança popular através do como ela é pesquisada/aprendida. Desvelar os procedimentos para assim gerar futuramente a chamada autonomia dos coletivos. Insight pronto. Ideias organizadas. Vamos agora a realidade, esta que tem o (des)prazer de des-re-organizar as idéias...
Bibliografia:
HUIZINGA, Johan. Homo Ludens - O jogo como elemento da cultura. Editora Perspectiva, 7° edição. São Paulo-SP, 2012.
OSTROWER, Fayga. Criatividade e processos de criação. 21ª.ed. Petrópolis: Vozes, 2007.

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