Perceber pelas sensações
AO: Carla
Casado/ CEU JAçanã
Ao iniciar um processo com um novo grupo a percepção
sobre cada um sobre as suas expectativas, suas necessidades e vontades,
torna-se um desafio a cada encontro. Num primeiro momento, existe o
reconhecer-se no lugar, nos seus objetivos e no seu papel junto ao grupo. Essa
reflexão entre os objetivos e a realidade encontrada permeia esses encontros
que são feitos na busca de um equilíbrio entre a construção de um processo de
promover a expressão artística e os desafios de muitos que chegam sem ter tido
um contato mais ativo com o fazer artístico, até uma passividade as vezes que o
bloqueia no inicio de qualquer manifestação.
Ao me deparar com o texto “Educação
Musical: O experienciar antes do compreender – A criatividade e o exercício da
imaginação” de Leda Osório Mársico percebi a relação da sua reflexão com a
minha prática com os vocacionados, ainda que ela fale em relação a criança.[i]
A autora declara que o sentir é anterior ao
pensar e compreende aspectos perceptivos e emocionais e nisso relaciona a importância
da criança vivenciar a música começando por aquilo que chega através do sentido
para depois entrar num período ativo de estímulo da manipulação dos sons. Ainda
afirma que a experiência musical necessita estar ligada ao corpo, pois
contribui para multiplicar as sensações e ligar o som à pessoa assimilando pelo
corpo conceitos de espaço e tempo que incorpora porque os vivenciou. Assim, nos
coloca que pelos gestos a criança concretiza suas percepções, traduzindo os
sons e o ritmo corporalmente o que aguça sua audição, bem como ajuda para sua
evolução geral. Por fim, destaca que a criança precisa ter a oportunidade de
viver plenamente a música para expressar suas sensações e sentimentos.
Não encontramos crianças no Programa Vocacional, mas
encontramos adolescentes e adultos que não tiveram a oportunidade de vivenciar
a música como expressão. Também encontramos adultos que trazem o corpo marcado,
tenso, rígido pelas obrigações cotidianas e desconhecido nas suas inúmeras
possibilidades. Por fim, encontramos também adolescentes e adultos que nunca
experimentaram se movimentar para se descobrir, para sentir os sons e exercitar
o fazer musical ligado aos sentidos e a comunicação de sua emoção. Percebe-se
que essa falta se traduz no bloqueio em criar, na dificuldade de perceber o
ritmo do próprio andar.
Nesse sentido, o que Leda Osório Mársico afirma em
relação a educação musical da criança, observo a importância de muitos aspectos
no fazer artístico dos vocacionados. Por exemplo, em explorar os sons, movimentar
o corpo e fazer música, pois nesse fazer vai se aprendendo para além de
técnicas, a comunicação da emoção que é o diferencial da linguagem artística.
É na perspectiva de aguçar os sentidos que ao falar de
pulso, propus em roda a procura do próprio pulso e a tentativa de demonstrar o
seu pulso batendo o pé. Depois batemos revezando os pés dentro de um pulso e
num jogo em roda, lançamos uma “flecha” batendo as mãos na frente do corpo e
direcionando a um participante da roda no momento em que batemos um dos pés no
chão e assim o desafio vai aumentando, como lançar a “flecha” no “contratempo”
entre as batidas dos pés. E a partir desse pulso, inventamos sons com outras
partes do corpo, inventamos sons com a voz e conversamos sobre o que é fazer
música.
Além de explorar sons, nos permitimos a criar melodias
para uma letra de uma música desconhecida e depois ouvimos a música que agora
passa a ser conhecida, além de ajudar na percepção de outros caminhos possíveis
de melodia.
Concordamos
com o desafio de compor músicas coletivamente a partir de uma atividade de
questões a serem respondidas por todos, a partir dos sorrisos dos participantes
no momento de fazer e de cantar, foi demonstrado na prática que é possível
compor sua própria canção, que se expressa pelo corpo que toca, que pensa, que
canta, que se torna presente em suas ações e escolhas.
Esse corpo precisa escutar e não somente ouvir e para
isso torna-se importante atividades de escuta, romper com a sobreposição da
visão em relação aos nossos inúmeros sentidos. Para isso, dinâmicas como fechar
os olhos e se locomover seguindo um som como comando no meio de outros sons,
bem como ouvir os sons do ambiente, identificar, falar de suas características,
contribuem para ampliar a percepção sonora e com isso a leitura do ambiente em
que se vive.
Nas práticas percebemos que é preciso um ambiente
descontraído, ampliar os sentidos com dinâmicas coletivas, explorar sons e
organizá-los exercitando a criatividade. Promover a curiosidade sempre, bem
como a ligação do corpo com o fazer musical ao compreendermos que o corpo não é
separado da mente e que se esse corpo não se permite a sentir, terá
dificuldades em compreender, em fazer e se expressar musicalmente.
[i] MÁRSICO, Leda Osório. “Educação
Musical: O experienciar antes de compreender. A criatividade e o exercício da
imaginação”. In: OPUS I – Revista da Associação Nacional de Pesquisa e
Pós-Graduação em música – ANPOOM. Dez. 1989
Nenhum comentário:
Postar um comentário