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terça-feira, 27 de agosto de 2013

Perceber pelas sensações - Carla Casado


Perceber pelas sensações
AO: Carla Casado/ CEU JAçanã 

            Ao iniciar um processo com um novo grupo a percepção sobre cada um sobre as suas expectativas, suas necessidades e vontades, torna-se um desafio a cada encontro. Num primeiro momento, existe o reconhecer-se no lugar, nos seus objetivos e no seu papel junto ao grupo. Essa reflexão entre os objetivos e a realidade encontrada permeia esses encontros que são feitos na busca de um equilíbrio entre a construção de um processo de promover a expressão artística e os desafios de muitos que chegam sem ter tido um contato mais ativo com o fazer artístico, até uma passividade as vezes que o bloqueia no inicio de qualquer manifestação.
Ao me deparar com o texto “Educação Musical: O experienciar antes do compreender – A criatividade e o exercício da imaginação” de Leda Osório Mársico percebi a relação da sua reflexão com a minha prática com os vocacionados, ainda que ela fale em relação a criança.[i]
  A autora declara que o sentir é anterior ao pensar e compreende aspectos perceptivos e emocionais e nisso relaciona a importância da criança vivenciar a música começando por aquilo que chega através do sentido para depois entrar num período ativo de estímulo da manipulação dos sons. Ainda afirma que a experiência musical necessita estar ligada ao corpo, pois contribui para multiplicar as sensações e ligar o som à pessoa assimilando pelo corpo conceitos de espaço e tempo que incorpora porque os vivenciou. Assim, nos coloca que pelos gestos a criança concretiza suas percepções, traduzindo os sons e o ritmo corporalmente o que aguça sua audição, bem como ajuda para sua evolução geral. Por fim, destaca que a criança precisa ter a oportunidade de viver plenamente a música para expressar suas sensações e sentimentos.
            Não encontramos crianças no Programa Vocacional, mas encontramos adolescentes e adultos que não tiveram a oportunidade de vivenciar a música como expressão. Também encontramos adultos que trazem o corpo marcado, tenso, rígido pelas obrigações cotidianas e desconhecido nas suas inúmeras possibilidades. Por fim, encontramos também adolescentes e adultos que nunca experimentaram se movimentar para se descobrir, para sentir os sons e exercitar o fazer musical ligado aos sentidos e a comunicação de sua emoção. Percebe-se que essa falta se traduz no bloqueio em criar, na dificuldade de perceber o ritmo do próprio andar.
            Nesse sentido, o que Leda Osório Mársico afirma em relação a educação musical da criança, observo a importância de muitos aspectos no fazer artístico dos vocacionados. Por exemplo, em explorar os sons, movimentar o corpo e fazer música, pois nesse fazer vai se aprendendo para além de técnicas, a comunicação da emoção que é o diferencial da linguagem artística.
            É na perspectiva de aguçar os sentidos que ao falar de pulso, propus em roda a procura do próprio pulso e a tentativa de demonstrar o seu pulso batendo o pé. Depois batemos revezando os pés dentro de um pulso e num jogo em roda, lançamos uma “flecha” batendo as mãos na frente do corpo e direcionando a um participante da roda no momento em que batemos um dos pés no chão e assim o desafio vai aumentando, como lançar a “flecha” no “contratempo” entre as batidas dos pés. E a partir desse pulso, inventamos sons com outras partes do corpo, inventamos sons com a voz e conversamos sobre o que é fazer música.
            Além de explorar sons, nos permitimos a criar melodias para uma letra de uma música desconhecida e depois ouvimos a música que agora passa a ser conhecida, além de ajudar na percepção de outros caminhos possíveis de melodia.
Concordamos com o desafio de compor músicas coletivamente a partir de uma atividade de questões a serem respondidas por todos, a partir dos sorrisos dos participantes no momento de fazer e de cantar, foi demonstrado na prática que é possível compor sua própria canção, que se expressa pelo corpo que toca, que pensa, que canta, que se torna presente em suas ações e escolhas.
            Esse corpo precisa escutar e não somente ouvir e para isso torna-se importante atividades de escuta, romper com a sobreposição da visão em relação aos nossos inúmeros sentidos. Para isso, dinâmicas como fechar os olhos e se locomover seguindo um som como comando no meio de outros sons, bem como ouvir os sons do ambiente, identificar, falar de suas características, contribuem para ampliar a percepção sonora e com isso a leitura do ambiente em que se vive.
            Nas práticas percebemos que é preciso um ambiente descontraído, ampliar os sentidos com dinâmicas coletivas, explorar sons e organizá-los exercitando a criatividade. Promover a curiosidade sempre, bem como a ligação do corpo com o fazer musical ao compreendermos que o corpo não é separado da mente e que se esse corpo não se permite a sentir, terá dificuldades em compreender, em fazer e se expressar musicalmente.


[i] MÁRSICO, Leda Osório. “Educação Musical: O experienciar antes de compreender. A criatividade e o exercício da imaginação”. In: OPUS I – Revista da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em música – ANPOOM. Dez. 1989

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