EM BUSCA DE UM ENTE FABULAR.
Agora.
Sentado em frente ao computador. Retorno ao inicio do texto quando penso que já
havia terminado. Uma vontade de fumar um cigarro enquanto o cheiro do tabaco
fumado anteriormente ainda está no meu paladar. Retorno para fabular este
momento de escrever e me lançar sobre o passado de forma a recriá-lo em imagens
do agora... A escrita tenta dar conta das primeiras experiências vividas até o
momento. As primeiras impressões. As primeiras palavras. Sento aqui em frente
ao computador para endereçar palavras impressões sobre o vivido. Como me
colocar presente no ato de escrever? Como trazer uma dimensão estética sobre
este exercício? São perguntas que me lanço agora, meio que tardiamente, para
poder refletir o encontro com o outro. O outro que está lá e que nesse momento
se faz presente nas lembranças destas palavras.
Aqui,
começando a esmiuçar as memórias, me coloco em ato de lembrança. As lembranças
de encontros com o grupo de jovens, nesse contexto, chamados de artistas vocacionados.
O equipamento público que está sendo ocupado por este território é o lugar de
abrigo destes encontros. Então, começo a mapear o espaço institucional
encontrado. A palavra que encontro para este primeiro esboço é o VAZIO. O
espaço vazio que contorna as relações entre os praticantes deste equipamento
constituídos pelos moradores, no caso, os artistas vocacionados, e o
equipamento. Aqui não se tem diálogo, pois este necessita de presença e
participação. O programa AQUI, ou lá, pois agora estou em casa escrevendo, tem
um contorno burocrático. Qual o lugar do artista orientador diante desta
relação? Para este questionamento acredito que a resposta encontrada nestes
três anos de experiência como artista orientador é que o campo de atuação
também está junto às esferas burocráticas do equipamento. É preciso agir na
máquina institucional e sobre ela. É preciso chamar para o dialogo. É preciso
fazer com que o corpo que move este maquinário esteja a par dos acontecimentos
poéticos criados por esta relação Programa Vocacional e Equipamento público.
Nesse momento, sinto a necessidade urgente de diálogo, de compartilhamento, de
reverberação daquilo que é vivido fora da torre burocrática da gestão. Os
espaços ocupados pela orientação são os que sobram durante os dias de
encontro. As orientações acontecem em
lugares distintos não pela escolha, mas pela condição oferecida. É preciso,
nesse momento, escolher definir o território de interlocução poética com o
equipamento. Saber, de fato, que este território está sendo construído ou
reconstruído a cada ano.
Nesse
momento, viro o olhar para o outro que tem carne e movimento junto à minha
carne. Os encontros começaram a acontecer sem nenhum tipo de pretensão. Os
vocacionados sabiam que o Vocacional iria começar, pois eles buscaram esta
informação. Eles se articularam entre si para o inicio. Assim, também penso que
esta ausência de monitoramento das atividades tem o seu lado positivo, visto
que isso gera uma ocupação do equipamento que se dá de forma invisível. A cada
encontro uma nova cara. A cada encontro um antigo companheiro se faz presente.
E a presença se faz palavra de ordem aqui dentro da relação particular que eu,
artista orientador, estou buscando manter com o Programa neste ano.
A
presença do olhar, da relação diante do outro, da palavra proferida em
conversas que ainda não eclodem as vozes vocacionadas. O terreno está se
arando. O corpo é visitado a cada encontro através de caminhadas silenciosas
pelo entorno, do levantamento de um repertório de jogos e procedimentos que
acessem um estado de presença destes corpos para o encontro. O olhar sobre o
espaço cotidiano está sendo dilatado para que se faça presente um processo de
fabulação diante da vida, buscando repensá-la pelo viés da teatralidade. A
teatralidade do real. O real aqui não é definido a partir de nenhum olhar
estilístico, mas sim, pelo real presente no encontro, no jogo físico dos corpos
no espaço, no movimento da rua. Como fazer eclodir processos de teatralidade a
partir do olhar? Esta é uma pergunta lançada nesse momento para que uma relação
de poesia se apresente dentro de cada um. Nesse sentido, encara-se a
teatralidade como um aspecto cognitivo do individuo. Dessa capacidade, inerente
do individuo ser assaltado por uma experiência estética, de emoldurar recortes
do cotidiano sob uma perspectiva estética. Nesse sentido, penso que ver é
fabular.
A
fabulação para Deleuze num desdobramento do conceito bergsoniano que está
relacionada à memória, está inserida no tempo, numa temporalidade que nos faz
ver uma imagem de forma fabular, uma imagem-fábula que nos faz ver estados de
mudança no presente. Aqui, nesse momento, encontro um sentido entre a ideia de
teatralidade e fabulação que vem se apresentando nos encontros. A busca que me
coloco por fabular os procedimentos, a relação, o espaço público, os conflitos
que se apresentam. Os encontros tem provocado tanto para mim, artista
orientador, quanto para o outro, artistas vocacionados, a criação dessa força
de pulsão que se relaciona com o real não através da ação sobre ele, mas
buscando essa capacidade de projetar sobre o real as imagens que conseguimos
emergir dentro de cada um. Penso que, assim, apostando aí, podemos manter uma
relação entre artistas, buscando minimizar as distâncias históricas,
contextuais e funcionais que nos separam.
João Júnior.
20:53 hs.
05/05/2013.
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