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sexta-feira, 2 de agosto de 2013

EM BUSCA DE UM ENTE FABULAR - AO João Jr - Vocacional Teatro/Leste 3

EM BUSCA DE UM ENTE FABULAR.
               
                Agora. Sentado em frente ao computador. Retorno ao inicio do texto quando penso que já havia terminado. Uma vontade de fumar um cigarro enquanto o cheiro do tabaco fumado anteriormente ainda está no meu paladar. Retorno para fabular este momento de escrever e me lançar sobre o passado de forma a recriá-lo em imagens do agora... A escrita tenta dar conta das primeiras experiências vividas até o momento. As primeiras impressões. As primeiras palavras. Sento aqui em frente ao computador para endereçar palavras impressões sobre o vivido. Como me colocar presente no ato de escrever? Como trazer uma dimensão estética sobre este exercício? São perguntas que me lanço agora, meio que tardiamente, para poder refletir o encontro com o outro. O outro que está lá e que nesse momento se faz presente nas lembranças destas palavras.
                Aqui, começando a esmiuçar as memórias, me coloco em ato de lembrança. As lembranças de encontros com o grupo de jovens, nesse contexto, chamados de artistas vocacionados. O equipamento público que está sendo ocupado por este território é o lugar de abrigo destes encontros. Então, começo a mapear o espaço institucional encontrado. A palavra que encontro para este primeiro esboço é o VAZIO. O espaço vazio que contorna as relações entre os praticantes deste equipamento constituídos pelos moradores, no caso, os artistas vocacionados, e o equipamento. Aqui não se tem diálogo, pois este necessita de presença e participação. O programa AQUI, ou lá, pois agora estou em casa escrevendo, tem um contorno burocrático. Qual o lugar do artista orientador diante desta relação? Para este questionamento acredito que a resposta encontrada nestes três anos de experiência como artista orientador é que o campo de atuação também está junto às esferas burocráticas do equipamento. É preciso agir na máquina institucional e sobre ela. É preciso chamar para o dialogo. É preciso fazer com que o corpo que move este maquinário esteja a par dos acontecimentos poéticos criados por esta relação Programa Vocacional e Equipamento público. Nesse momento, sinto a necessidade urgente de diálogo, de compartilhamento, de reverberação daquilo que é vivido fora da torre burocrática da gestão. Os espaços ocupados pela orientação são os que sobram durante os dias de encontro.  As orientações acontecem em lugares distintos não pela escolha, mas pela condição oferecida. É preciso, nesse momento, escolher definir o território de interlocução poética com o equipamento. Saber, de fato, que este território está sendo construído ou reconstruído a cada ano.
                Nesse momento, viro o olhar para o outro que tem carne e movimento junto à minha carne. Os encontros começaram a acontecer sem nenhum tipo de pretensão. Os vocacionados sabiam que o Vocacional iria começar, pois eles buscaram esta informação. Eles se articularam entre si para o inicio. Assim, também penso que esta ausência de monitoramento das atividades tem o seu lado positivo, visto que isso gera uma ocupação do equipamento que se dá de forma invisível. A cada encontro uma nova cara. A cada encontro um antigo companheiro se faz presente. E a presença se faz palavra de ordem aqui dentro da relação particular que eu, artista orientador, estou buscando manter com o Programa neste ano.
                A presença do olhar, da relação diante do outro, da palavra proferida em conversas que ainda não eclodem as vozes vocacionadas. O terreno está se arando. O corpo é visitado a cada encontro através de caminhadas silenciosas pelo entorno, do levantamento de um repertório de jogos e procedimentos que acessem um estado de presença destes corpos para o encontro. O olhar sobre o espaço cotidiano está sendo dilatado para que se faça presente um processo de fabulação diante da vida, buscando repensá-la pelo viés da teatralidade. A teatralidade do real. O real aqui não é definido a partir de nenhum olhar estilístico, mas sim, pelo real presente no encontro, no jogo físico dos corpos no espaço, no movimento da rua. Como fazer eclodir processos de teatralidade a partir do olhar? Esta é uma pergunta lançada nesse momento para que uma relação de poesia se apresente dentro de cada um. Nesse sentido, encara-se a teatralidade como um aspecto cognitivo do individuo. Dessa capacidade, inerente do individuo ser assaltado por uma experiência estética, de emoldurar recortes do cotidiano sob uma perspectiva estética. Nesse sentido, penso que ver é fabular.
                A fabulação para Deleuze num desdobramento do conceito bergsoniano que está relacionada à memória, está inserida no tempo, numa temporalidade que nos faz ver uma imagem de forma fabular, uma imagem-fábula que nos faz ver estados de mudança no presente. Aqui, nesse momento, encontro um sentido entre a ideia de teatralidade e fabulação que vem se apresentando nos encontros. A busca que me coloco por fabular os procedimentos, a relação, o espaço público, os conflitos que se apresentam. Os encontros tem provocado tanto para mim, artista orientador, quanto para o outro, artistas vocacionados, a criação dessa força de pulsão que se relaciona com o real não através da ação sobre ele, mas buscando essa capacidade de projetar sobre o real as imagens que conseguimos emergir dentro de cada um. Penso que, assim, apostando aí, podemos manter uma relação entre artistas, buscando minimizar as distâncias históricas, contextuais e funcionais que nos separam.

João Júnior.
20:53 hs.

05/05/2013.

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