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quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Navegando em represas: Nascente de dramaturgias  

“No bojo das ações artísticas o que se salienta é a singularidade da percepção
estética presente na experiência sensível, assim como nos riscos que

 ela necessariamente comporta.
Ao fazer arte se constrói a subjetividade, ao mesmo tempo
 em que simbolicamente se reconstrói um território comum”
Maria Lúcia Pupo



Fragmento de um processo: Dilatando a dramaturgia
                
             De que nascente este rio brota? Da onde parte as águas desse imenso e denso rio? Que margens espremem o rio que desce e sobe em caminhos não lineares?
             CEU Vila Rubi, no extremo Sul da cidade de São Paulo, aqui estamos no meio do cimento, das represas, de pessoas, belezas, pertencimentos e incoerências, descaso, abandono do olhar do poder público. O que me parece é que não estamos no mapa da cidade, estamos nas margens das margens. Margens da represa Guarapiranga, margens da represa Billings; e que água é essa que brota mesmo sendo represada por margens de cimento? Brota vida, brota esperança, brota dias melhores e brota sede. Literalmente morrer de sede em frente à represa. Pois a nossa sede é maior do que as nossas possibilidades, é maior que os nossos acessos.
Onde entra o teatro no meio dessa água toda?  Onde o vocacional ganha corpo e peso em uma corrente que nos leva para lá e para cá?
                São tantas perguntas, e profundas discussões que um ensaio, um encontro, um ano e uma resposta não dá conta da constelação criada pelos vocacionados nesse ano no Ceu Vila Rubi. As cenas foram criadas a partir das angústias, reflexões e a falta que temos de tantas outras coisas. Tem alimento em tudo que é canto geográfico do bairro e da região. O asfalto é discutido, o cimento é discutido, o descontentamento é discutido, as ocupações de moradias são discutidas, o aeroporto em parelheiros é discutido, as manifestações são discutidas, os movimentos sociais do bairro são discutidos, o horóscopo é discutido, o Estado laico é discutido, a Nossa Senhora padroeira do Brasil e de D. Chica (vocacionada) também foi discutida. Mas como a discussão não deu conta das perguntas e das questões, as cenas entram como ponto de partida para um caminho desconhecido. E as forças das águas entram em estado de criação.

Estado de criação: Em Busca de um território comum

        Um parto de um não herói está em cena, o ônibus lotado está em cena, o vazio da sala de aula está em cena, as transições não lineares, as narrativas saídas da própria boca, da própria história do vocacionado criando um ponto de resistência contrapondo tudo aquilo que estamos condicionados. As cenas também não dão conta de responder as perguntas, pois preferimos mergulhar e aprofundar as relações, conhecimento, provocações, dúvidas, o não saber; do que simplesmente responder o que se deve ou não fazer. Afinal, não damos contas de deliberar comportamentos, pelo contrário procuramos uma ruptura, um momento em que se dilata algo e se propaga uma pergunta.
Esse é rio em que navegamos ás vezes em deriva, ás vezes em naufrágio. É sempre uma agonia a mudança de ventos entres os participantes dos encontros, em um mês temos 15, daqueles 15 ficam 4, no outro mês entram mais 5, e assim vamos até novembro. Sempre me pergunto o que acontece, ou quais são os motivos dessa instabilidade. Por muitas vezes, pensei que os encontros não estavam dando conta, ou que eu não estava dando conta, apesar de não descartar essas possibilidades, penso que o problema talvez esteja na forma em que o projeto está inserido. Dentro de um equipamento público de cimento, que não semeia a reflexão e nem o pensamento, tudo está muito estabelecido e bem organizado para que nada aconteça, essa é a minha sensação de chegar muitas vezes para o encontro e não ter um espaço para que ele aconteça, o descaso e a falta que o equipamento estabelece perante a este projeto. Um falso diálogo é me imposto, uma troca falsa de interesses e não interesses. Estamos há muito tempo resistindo dentro desses equipamentos, não somente o programa vocacional, mas como também a própria comunidade, outros projetos, professores, arte educadores, e qualquer um que tente passar pelo portão dos guardas e suas cobranças de carteirinhas e identificações.
Em certo momento perdemos as forças, e parece que aquela estrutura fria de cimento cai sobre nossas cabeças, dentro da dialética e de uma barbárie como traçamos caminhos e processos de emancipação artística? Estamos sempre cortando os ventos e pulando águas, a arte da resistência, aquela que a gente faz pra continuar a pertencer daquilo que sempre foi nosso.
         Será que existe algum porto acolhedor que acalente nossas idéias e pensamentos?Não sei, mas estamos em busca de algo, pesquisando outros caminhos que sejam diferentes dos caminhos estabelecidos e condicionados ou parecidos com os de Pedro Alvarez Cabral, das paredes de cimento, da falta de diálogos verdadeiros, a falta de relações ou qualquer outro tipo de colonização.
      Não podemos esquecer o que nos preenche, e isso é potência em cena, nosso teatro não pode somente ser um encontro de terapia, queremos ir além dessas discussões ou do simples desabafo. No entanto, perdemos as forças e os encontros parecem águas que correm para lá e para cá, levando os vocacionados para caminhos diversos. Onde podemos criar um espaço simbólico, lúdico, poético e reflexivo? Onde as nossas diferenças se tornam potentes?
       Encontramos um ponto de partida, o que nos atravessa? Quais são as nossas perguntas? E assim as cenas disparam toda poética de uma gente que sempre esteve represada. Mesmo no balanço das águas, mesmo na mudança dos ventos, geograficamente, politicamente, economicamente estamos à deriva em uma represa! Estar à deriva em uma represa? Se isso de fato fisicamente é possível!
        E agora olhando para a embarcação como todo, percebemos que criamos materialidades que nos provocam, que nos atravessam e que de certa forma nos acalenta. Chegou o momento de afinar as cenas, pensar nos caminhos, por exemplo: o da continuidade dos encontros, das perguntas e da criação, e de como continuar resistindo.


Esse é um diário de bordo esquizofrênico, confuso, temperamental de uma navegante que se encontra em processo no CEU Vila Rubi!


Artista Orientadora: Tatiana Monte
Equipamento: CEU Vila Rubi
Setembro -2013

quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Reflexões sobre as práticas de composição dos vocacionados

Ensaio Agosto 2013 - Música Vocacional
Reflexões sobre as práticas de composição dos vocacionados


Equipamento: CEU Quinta do Sol
Artista Orientador: Alejandro López Jericó


No ensaio do mês de julho descrevi alguns exercícios que tinham como intuito instigar a criação dos vocacionados para tentar sair do estagio da imitação ou reprodução de modelos já conhecidos. No mês de agosto continuei com essas práticas, mas de uma maneira mais “livre”, pois percebi que alguns vocacionados têm dificuldades para compreender as “regras” da teoria musical e em outros casos, mesmo tendo assimilado a parte teórica, as tentativas de criação ficam muito restritas aos exercícios feitos nas orientações e, portanto as “criações” apresentadas viram uma espécie de imitação ou reprodução do que já foi feito, tornando o processo um paradoxo. Como tentativa de escape deste paradoxo, sugeri que houvesse mais liberdade no processo criativo e menos preocupação com a teoria, deixando esses processos na mão da intuição e da espontaneidade.
Também foram sugeridos exercícios de criação coletiva onde cada participante poderia aportar uma ideia e a somatória de todos os “fragmentos” geraria um resultado final diferente e inesperado.
O trabalho em grupo fomenta as relações interpessoais e estimula tentativas de composição coletiva. Quando um vocacionado mostra um esboço de criação, seja de música ou de letra, esta instigando os outros integrantes do grupo a mostrarem os seus próprios esboços e em certas ocasiões surgem resultados interessantes produto da junção desses trabalhos.

Devo aclarar que estas opiniões representam o acontecido neste último mês e mesmo que possa parecer contraditório com o ensaio realizado no mês anterior, acredito que é fundamental perceber as mudanças que acontecem no grupo e é necessário registrar as diferentes respostas que vão surgindo. Este aparente “caos de processos pedagógicos” (onde processos são deixados de lado, outros são começados e às vezes sobrepostos aos anteriores) é um procedimento muito rico que gera desafios para o artista orientador e que contribui para o desenvolvimento da tão falada autonomia artística.


Falarei a continuação de uma composição feita em parceria onde uma das vocacionadas aportou uma letra e outra criou a música a partir dessa letra.
Um dos desafios enfrentados foi o de adaptar uma letra a uma melodia já existente tendo que trabalhar ao mesmo tempo sobre o conteúdo que queria ser colocado, mas sem perder de vista o rigor que a métrica das palavras impõe para poder encaixá-las sobre a melodia.
As vocacionadas também tentaram aplicar conceitos que foram trabalhados nas orientações como dinâmica e contraste. Para criar uma parte B que fosse radicalmente diferente da parte A já composta, foi criado uma espécie de rap onde a letra é falada ritmicamente sem uma altura determinada. Depois de analisar o resultado (as vocacionadas foram mostrando em varias orientações os avanços na composição), concluímos que na parte B (o rap) deveria ter um acompanhamento rítmico diferenciado do resto da música. Para isso a compositora adaptou uma levada em estilo “funck abrasileirado” de uma música do Djavan que estávamos tentando tocar e cantar no grupo, valendo-se de uma grande intuição e criatividade.
Também quero ressaltar o fato de que as compositoras tentaram um pequeno “arranjo vocal” fazendo duas vozes no refrão da música.

Faixa 1: “Um só” ( Vitória Elizabeth/ Bárbara Cristina).


O próximo exemplo que comentarei trata-se de uma composição com letra e música próprias. O desafio neste caso era tomar como base uma levada de uma música que a vocacionada já tocava. A partir desta levada a ideia era criar uma harmonia diferente e tentar compor outra melodia. A maior dificuldade aqui consistia em tirar da cabeça a melodia da música que serviu como base. A vocacionada acabou modificando a harmonia e isso a ajudou a criar a nova melodia.

Faixa 2: “Indivisíveis” (Vitória Elizabeth)


O último exemplo que vou comentar é uma composição de uma vocacionada que conseguiu aplicar os recursos básicos aprendidos nas orientações em relação ao violão (dedilhados, levadas e acordes) e misturá-los com os recursos intuitivos de ritmo e criatividade enquanto à letra que a vocacionada naturalmente já possui.

Faixa 3: “Amalgamados”



Para finalizar quero destacar a importância de incentivar a criatividade nas orientações, seja através de exercícios direcionados à aplicação dos procedimentos da teoria musical, seja incentivando a criação através da intuição, com maior “liberdade” em relação às “regras” da música. Devemos ter a amplitude suficiente para aceitar que através da intuição pode se obter resultados interessantes embora não tenha sido seguido o caminho da aplicação dos recursos teóricos.
Muitas vezes sinto que entramos no caminho da formação e surgem preocupações sobre “passar informações” e deixamos de lado elementos como a vontade e a intuição com os que também podemos obter resultados surpreendentes.
Os exercícios propostos nas orientações funcionam como desafio para os vocacionados, são geradores de dúvidas e não têm a intenção de servir como exemplos. Acredito que mostrar possibilidades e estimular a prática é fundamental, como disse o poeta: “Navegar é preciso, viver não é preciso”.


Obs: Músicas estão em cd com a coordenação do programa Música Vocacional

Alejandro López Jericó

domingo, 22 de setembro de 2013

Trajetória do Olhar


TRAJETÓRIA DO OLHAR
artista orientadora teatro ADRIANA DHAM
equipamento CEU Vila Atlântica

 

Caminho por lugares já visitados.

2010 primeiro olhar.

2011 segundo olhar.

2012 terceiro olhar.

2013 de novo no mesmo lugar OLHAR.

E diante dos meus olhos um papel em branco.

E por alguns instantes ele fica olhando pra mim.

Silêncio.

Silêncio e constrangimento.

O diálogo não acontece.

Só o silêncio. Apesar do barulho da quadra de esportes, numa tarde de domingo quente, antes de orientar o grupo PÉ NA JACA.
 

 
 
 
PAPEL – E então?
 

EU – O quê?
 

PAPEL – Você!
 

EU - ????
 

PAPEL – Não precisa olhar assim pra mim, com esta cara de espanto. Pode dizer o que tem a dizer...
 

EU  – O quê?
 
 

PAPEL – (perdendo a paciência) Mais um ano e o que você vai fazer?
 

EU – (depois de uns instantes) Não sei como começar...
 

PAPEL – É só começar! (pausa) E então?!
 
 

Sem entender como e porque as palavras começam a escorrer no papel que aos poucos deixa de ser branco.
 
 

EU - Aqui estou. Busco um novo olhar para o lugar (afinal são quatro anos) e para os vocacionados. Um novo olhar poético para este caminhar. O que me entusiasma? O que me incomoda? Quais são as minhas primeiras impressões da turma? E dos grupos?
 

PAPEL – (interrompendo) Como você se vê neste momento?
 
 

EU – (pensando um pouco) “Faça seu dia valer a pena como se fosse o último.” (em pensamento, pego emprestada a fala da Vanessa, vocacionada que acaba de chegar á turma).
 
 

PAPEL – Quais são as suas inquietações?
 
 

EU - Gostaria de levar possibilidades diferentes para despertar o poético de cada um. (pausa) Como fazer? (pausa) Não sei.
 
 

PAPEL – Sabe, sim!
 

EU – Não.
 

PAPEL – Certeza?
 
 

EU – Não, não sei. (pausa) Bem.... (pensando alto: parece que estou ouvindo a Melissa dizer para equipe) “Eu coloco as minhas palavras para andar”. “Uma tarefa: um vídeo construído, 2 minutos, é preciso materializar essa inquietação do mundo de lá”.
 
 

PAPEL – Construir uma metáfora.
 
 

EU – Bem, vamos lá. Começo a registrar tudo. E as primeiras inquietações da turma aparecem: improvisação e uma sala virtual. A sala multiuso vira um jogo virtual gigante delimitado por cadeiras. A turma se vê no jogo como personagens de games e, fora dele, se relaciona com o seu cotidiano. Cenas de violência. Mas é apenas um esboço, um rascunho. As ideias ainda não estão claras. O vídeo é composto de traços e cores. E também de música. Escolhida por eles. Agora no grupo Os Filhos (pausa) uma reclamação e alguém desabafa: “Falta motivação, entusiasmo!”
 

PAPEL – (irritado) “É preciso olhar de fora, sem lavar as mãos!”
 
EU – Mas eu não sei como. A única coisa que me vem á cabeça é buscar uma ritualização nos nossos encontros, preservar o espaço de criação. Buscar o prazer e evitar a dor.
 
 

PAPEL – (gritando nos meus ouvidos) “É preciso ser radical com esse povo que pensa ser um grupo”.
 
 

EU – Fico preocupada. Será que estou ouvindo de verdade o que eles, vocacionados, turma e grupo, querem?
 
 

PAPEL – Sei (pausa) Mas nem tudo está perdido...
 
 

EU – Ah, tem as meninas do Pé na Jaca! Tudo começou com elas. Um trabalho lindo que foi construído aos poucos, com carinho e que, agora, volta para a comunidade. Um sonho se realizando. (vagando) É o que fica de bom. De trabalho cumprido. Tenho orgulho destas meninas.
 

PAPEL – Sei... (pensativo) Mas tem que continuar andando. Vamos lá! O ano já está! O dia já é! Como dizia Walmir Pavam, o seu coordenador de equipe do ano passado. Vamos, vamos!!
 

EU – Sim... (voltando para as anotações) Então, o esboço, o rascunho deixa de ser apenas contorno. O processo criativo com a turma começa a ter uma forma. Um tatame montado na sala multiuso delimita o espaço da cena e todos em volta começam a improvisar suas inquietações. No lugar da fala, da palavra, uma dupla de violões dialoga na situação criada pelo olhar, pelo objeto, pelo outro. Uma nova experiência. Uma boa e surpreendente experiência para mim e para eles. Aos poucos, outros sons, aparecem. O jogo e a cumplicidade ficam cada vez mais fortes entre eles.
 
 

PAPEL – (interrompendo) É. Só falar não dá conta.
 

EU – Sim... PRESENTES para a equipe. A Melissa pediu que a gente levasse UM PRESENTE para o OUTRO. Uma citação. Um livro para nutrir a equipe... Vem do Danilo: a trajetória do projeto vocacional para a Ana; um texto sobre performance e teatro para todos; provocações estéticas para os meninos que querem montar Nelson para mim; uma música da Banda dos Velhinhos da Lapa para o Marcelo. Vem do Marcelo: café e biscoito. Biscoito e café. Café e biscoito para aquecer, acolher todos. Vem da Ana: um poema cuidadosamente enrolado e amarrado com fita: ESPEREMOS... “Amor, um dia farei um poema como tu queres dicionário ao lado... não falarei de negros de revolução de nada que fale do povo serei totalmente apolítico...”
 

PAPEL – E de você?
 
 

EU – Doce de infância, jujubas. E no ouvido de cada um o texto de uma vocacionada do ano de 2008: “O HUMANIZADOR AZUL – os artistas só existem para presentear o ser humano. Se eles não existissem o mundo seria ainda mais negro e sem graça, uma utopia negativa, as pessoas estariam concentradas em si e fechadas para possibilidades futuras – COMO TOMAR SORVETE DE ROXO-PÚRPURA COM COBERTURA DE ROSA-CINTILANTE, por que não?... os presentes são fontes de vida inspiradora, a graça de viver humanamente, pois eu digo, como imatura que sou se há um pouquinho de azul em nossas vidas é culpa dos ARTISTAS”.
 
 

PAPEL – (interrompendo) Como você se vê neste momento?
 
 

EU – Ah, já ouvi isto antes... (pensando um pouco) “Se sabemos exatamente o que vamos fazer, para quê fazê-lo?” (em pensamento pego a fala de Pablo Picasso emprestada) Ela me diz tanto neste momento! Na verdade, desde algum tempo, esta frase não sai da minha cabeça: quero me deixar levar, sem tirar os pés do chão, sentir mais o encontro (pausa) deixar o encontro conduzir o encontro (pausa) arriscar mais (pausa) preservar e aprofundar o lugar da criação (pausa) ouvir o chamado do coração (pausa)... Eu odeio Nelson, e você? (pausa) Quero ser o que desejo ser (pausa)...
 

PAPEL – (interrompendo) Qual o desafio que alimentaria os artistas vocacionados no caminho da teatralidade?
 

EU – A Melissa nos orienta: “É preciso imprimir no papel uma foto do processo com eles. Do agora, do antes e do futuro e, a partir daí traçar os desafios”.
 
 

PAPEL – Comece com o ANTES....
 

EU – (revirando as minhas anotações) Começo a desenhar alguns pontos importantes pra mim neste começo de trajeto do olhar: Em algum momento, sinto insegurança em realizar um processo de criação com a turma de iniciação. Será que consigo compreender o que eles querem? Os desejos aparecerem de forma caótica. Parece que eles querem dizer tudo ao mesmo tempo. Como organizar este material com eles e instaurar um ambiente criativo onde o olhar poético seja significativo e revelador pra mim e pra eles? No desenho aparece também a minha preocupação em estimular os grupos. Eles precisam ter consciência do trabalho desenvolvido até o momento e como dar continuidade, sem perder o fôlego.
 

PAPEL – (pensando alto) É, parece que já vi isto antes.
 

EU – (sem ouvi-lo) No mesmo papel o desenho do AGORA: os passos desta minha trajetória dizem que é preciso integrar os novos vocacionados com quem já está sem perder ou abandonar o que já foi conquistado. Com os grupos: aprofundar a pesquisa de cada um e criar estratégias novas de aproximação com a comunidade.
 
 

PAPEL – (interrompendo) Já estamos no final do mês de junho!!! O que você consegue ver no seu processo com os vocacionados?
 
 

EU – (caindo em si) Puxa como o tempo passa rápido. Parece que foi ontem que começamos os trabalhos....
 
 

PAPEL – (olhando para o relógio) Tempo. Falta tempo. Falta. Tempo. Falta mesmo?
 
 

EU – Nos meus pensamentos vejo a Melissa dizendo: “No agora, qual o processo artístico de cada um de vocês? Como recriar o espaço da reunião de equipe para contribuir com que está sendo criado no mundo de lá? Como despertar o poético nos vocacionados? O que me atravessa poeticamente?”
 
 

PAPEL – (no ritmo do relógio) O tem-po es-tá pas-san-do...
 

EU – Chega! Assim você me confunde!
 

PAPEL – (dando risadas) O tempo está passando...
 
 
 

EU – Eu estou diante de você e uma ideia para a turma surge depois de assistirmos o espetáculo “O Coro dos Maus Alunos” de Tiago Rodrigues: buscar com a turma de iniciação, na sua maioria adolescente, uma forma de expressar os seus dilemas muito próprios desta fase de descobertas e muitos conflitos.
 
 

PAPEL – Uma nova forma de deixar suas impressões em mim.
 
 

EU – Isto! Um poema coletivo. Palavras soltas que se transformam em imagens e que se transformam em frases e que colocadas uma a uma aleatoriamente no papel vão criando um poema...
 
PAPEL – (feliz) Começo a ficar colorido! É divertido!
 
EU - (pegando o papel colorido) Vou ler um trechinho para você:

Queriam que eu morresse

Sempre tem morte no meio

Tem sempre pessoas novas

O que teve? Por que teve?

Sentir um sentimento que jamais pensei em sentir

O que teve?

Por que teve?

Fizemos o improviso

Que nos fez pensar

Mesmo na beira do precipício

Existia alguém

Para salvá-la da morte

E lhe mostrar a beleza da vida

O que aconteceu?

Apareceu gente nova no pedaço

Risadas

Talvez eu precise tomar uma decisão

Vir ou não vir, eis a questão!

Nem sempre o abismo tem escuridão

Tentando salvar sua amada

Ele caiu, mas não desistiu!

Fizemos uma cena a partir de uma estória

Meu Deus do Céu!!! Será inventada?

Todos deram ideia para o improviso

Fala isso agora! Fala

Levantou e continuou

Repetir a cena para melhorar

Para aprofundar

Para perceber os detalhes de cada coisa criada

Eu sinto o movimento do vento

Nossa, foi fundo!

Você lembra?

O medo está apenas em nossas mentes

O tempo todo

O tempo todo

É

O tempo todo

Acabou?
 

 
 
PAPEL – (visualizando) E o espaço cênico se transforma.
 
EU – O tatame delimita a área da cena e todos em volta começam a improvisar a partir dos poemas coletivos construídos nos encontros. A turma escolheu os versos que mais curtiram de todo o processo e, a partir, destes versos eles criaram três cenas. Agora nosso desafio é construir uma obra única.

PAPEL – Ufa!

EU – Um experimento, mas acho que encontrei o caminho criativo para a turma. Ufa!!

PAPEL – Você falou, falou, falou da turma e os grupos? A que pé anda?

EU – As inquietações são muitas. Estamos em agosto e os grupos caminharam pouco. Bem pouco.

PAPEL – Quase parando...

EU – O Grupo Os Filhos, depois da desistência de alguns integrantes...

PAPEL – (interrompendo) Que afetou o grupo...

EU – É (pausa). Então... Mesmo fragilizado, o grupo revisitou todo o processo e deixou o Nelson Rodrigues de lado e começou a questionar o que queriam fazer juntos. O Ricardo, líder do grupo, trouxe algumas propostas...

PAPEL – (lendo as minhas anotações) .... o texto “Entre Quatro Paredes”. O texto “Esperando Godot”. O texto “Zona Contaminada”....

EU – Textos que, de alguma maneira, poderiam traduzir o que o grupo estava sentindo no momento.

PAPEL – (continua lendo) .... O Igor trouxe um roteiro que ele tinha escrito para o grupo á um tempo atrás....

EU – SICÁRIO (assassino de aluguel).

PAPEL – (comentando) Ele adora este tipo de assunto!!!

EU – Relendo o texto percebi que tinha muitos elementos de melodrama e comecei a levar alguns procedimentos de investigação do tema. Trechos de filmes que pudessem inspirar a construção deste roteiro.

PAPEL – (continua lendo) “Sin City” e “Nosferatu” atravessaram os encontros e inspiraram a releitura do roteiro.

EU – Um novo olhar para o trabalho.

PAPEL – E as meninas? Do Pé na Jaca?

EU – Acho que elas se perderam um pouco da trajetória imaginada para este ano. Os problemas pessoais das integrantes afetaram o que vinha sendo construído. Estão num momento de transição. Desejam concluir o processo do espetáculo “Quero Ser o que Desejo Ser” com a comunidade e ....

PAPEL – (interrompendo) Afinal foram 03 anos trabalhando juntas.

EU – ... e o desejo de continuar um novo processo para o grupo.

PAPEL – E o que fazer agora?

EU – Olhar a trajetória destes três coletivos até aqui. Olhar com carinho. Trajetória construída no seu tempo. No tempo de cada um.
 







 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

quinta-feira, 12 de setembro de 2013

Tipos de Perturbação II – Gabriela Flores


Tipos de Perturbação II – São Paulo, 28 de agosto de 2013.

Relatos das visitas que fiz hoje. A coordenadora estrangeira.

O que vi, com meu olhar estrangeiro? Mas antes disso algumas subjetividades agora jorrando em desabafo:

Sempre me sinto distante.  A visita se faz necessária num desejo de minimizar as distancias ou torna-las mais evidentes.

Os artistas orientadores desta equipe são tão autônomos que já nem sei qual a minha utilidade.

Mas fora isso, vocês podem me demandar, sim? Está bem?

A inutilidade abre espaço para o devaneio.

Posso dizer tudo que penso? Posso? Relação tênue entre harmonia e conflito. Quando romper a harmonia no intuito de gerar atrito reflexivo? Quando instaurar a harmonia? Harmonia e Conflito. Embates. Conceitos e Experiências. Quando o conceito não dá conta da experiência? Ou, quando a experiência se esvazia? Há vazios. Eu sei. Há preenchimentos também. Preenchemos como? Com palavras, com coração, com presença, silêncio... A simples presença de alguém diz algo? O silencio diz algo? Ou só a palavra que diz? O que comunico com a minha presença?

E também junto com toda essa subjetividade humana – a humanidade – estamos vivendo um momento, a meu ver, muito rico. Os debates nas nossas assembleias de segunda, nossas reinvindicações, toda essa densidade de coisas que estamos vivendo, é muito forte.

Uma pergunta, dentre algumas angústias, gostaria de compartilhar com vocês, pois ficou ressoando dentro de mim: ‘Para onde caminha o Programa Vocacional?’ ‘Qual seu possível desenvolvimento?’ Essa pergunta me lança para um futuro, lança meu olhar para o futuro, o que desejo para a cidade, para estes equipamentos, para estes jovens, para nós artistas, para mim?  Não sei.  Quero dizer, posso imaginar. Pensar o futuro me angustia um pouco. Mas talvez este exercício, mesmo que por alguns instantes possa lançar um olhar para o presente, um olhar crítico, no sentido de pensar o que precisa ser alterado para que o sonho possa minimamente se tornar real. Meu desejo maior é que esses coletivos, com os quais trabalhamos, possam se desenvolver infinitamente. Que nenhum grupo de vocacionados tenha que abandonar o equipamento por perceber que já não é bem vindo ali. Afinal de quem é o CEU? Poderes podres poderes. Quanto tempo um grupo pode ficar no CEU? Existe tempo determinado. Quem pauta as ações dos equipamentos? Até que ponto há diálogo real? Então imagino assim: um espaço colorido, poucas paredes, muito jardim, árvores frutíferas e fontes de água limpa, talvez até uma arena ao ar livre para intervenções, shows, espetáculos, recitais, pista de skate, cozinha coletiva, sei lá. Que estes vocacionados, e as famílias e seus amigos e eu também, que nós artistas vocacionados possamos existir nestes equipamentos e que possamos nos sentir a vontade para criar, intervir, circular, criar, ousar, dançar ou simplesmente rir e conversar. É muito? Tem a ver com arte? Tem a ver com educação? Tem a ver com vida? ... Mas... Vamos às visitas...

‘Processo Cabaré’ – Artista Orientadora Fernanda Machado

 “Como medir a distância que te separa do que você diz?”

Pela manhã, depois da minha aula de yoga diária e obrigatória – não sei o que seria da minha sanidade se não fizesse yoga - fui visitar as Mocinhas de Pinheiros – na Biblioteca Alceu Amoroso Lima. O dia estava frio, mas havia sol, o céu estava azul, meu corpo estava disposto e minha mente curiosa para saber como estava indo o trabalho do Cabaré.

Logo que cheguei estavam todos em roda sentados em cadeiras em cima do palco. Pensei: ‘Ainda não vi esse grupo fazendo nenhuma cena? Elas estão sempre sentadas conversando sobre como imaginam este Cabaré’. Mas primeiro fui chegando para sentir o que de fato estava sendo feito. A conversa era sobre produção, cenário, figurino, divulgação, etc.

A aventura de montar uma peça é perigosa. Às vezes esquecemo-nos disso. A vida está em jogo. É como se estivéssemos à beira de um abismo às vezes, não é? Os humores e amores, os afetos e desafetos ficam latentes. Tudo a flor da pele.

Uma das mesas do cenário sofreu um acidente, foi comida por cupins. A costureira não irá colocar os babados nas saias do Can Can. Uma das atrizes faltou por que está com problemas pessoais revelados na roda, mas não me sinto a vontade de revela-los aqui. Um dos atores também faltou por problemas de saúde revelados na roda, mas que não revelarei aqui em respeito a ele. Um jovem ator, que se disse amigo do cantor Chorão, da banda Charlie Brow Jr., chorava copiosamente enquanto demandas de produção iam sendo ajustadas. Depois lhe concedem a palavra e ele procura justificar sua ausência nos ensaios e seu estado emocional, e chora ainda mais. O jovem ator chora, chora e chora. Ele fala e não fala os motivos. Tudo é misterioso. O ser humano guarda tantos mistérios. Acho tudo aquilo tão bonito. Aquele jovem, chorando. E aquelas senhoras idosas sonhando com seu Cabaré. É lindo e bizarro. É louco. E tem um toque de ousadia nelas, ao desejarem o Cabaré. Poderia fazer um filme documentário de toda aquela conversa. Obsessão minha. Tantas obras que fiz, mas só existem na minha cabeça.

Nossa humanidade frágil e débil.

A humanidade. Todas essas idiossincrasias entram em choque com meus conceitos abstratos ou nem tão abstratos do que é teatro. O que é um ensaio de teatro? Mas o perigo desta aventura não pode nos matar. Às vezes mata. A poética é o que transforma todo esse mar de subjetividades em sonho (ou pesadelo). Em arte?

Sim, então se levantaram e começaram a ensaiar. Todos com texto na mão. Sim, eles já têm um roteiro, um texto. Criado coletivamente e organizado e redigido pela artista orientadora. Caminharam de um lado para o outro se ambientando no espaço. A cena acontece no palco e fora dele. Falam seus textos, improvisam, sonham, deliram. Há interação com a plateia, há humor, e há o que eu não vi e também o devir. Estão amadurecendo e concretizando o Sweet Cabaré. Evoé.

A pergunta do educativo da Bienal é uma sugestão de reflexão para este processo. Fernanda pode ou não utilizá-la. Sim?

‘Processo Coralidades’– Artista Orientador Péricles Martins

“O que acontece cada vez que você festeja?”

Na tarde deste mesmo dia, almoço em casa o que gera satisfação em mim. Não uma satisfação plena, pois minha filha está resfriada. E é essa parte a mais difícil de ser mãe. Ver seu filho doente. Uma sensação única de impotência e necessidade de potência. Somos tão frágeis, tão débeis, somos poeira. E então sigo para o Jardim João XXIII, CEU Uirapuru. Mas querendo ficar em casa com minha filha. Mas sigo. Uma tarde linda. Céu azul com sol e um vento frio. Frio. Gosto desta mistura. Frio com sol e céu azul. Céu Azul. Azul. Frio.

Ali no Jardim João XXIII um sarau ao sol, em volta do violão, eles começam. Eu vou chegando. Mas na verdade não queria estar ali. Queria estar em casa com minha filha. Resolvi suspender por hora meus pensamentos nela, minha filha, pois iria me exaurir. E então mais uma vez neste ano de 2013 escolhi relaxar. Fiquei ali, ao sol, com violão, vocacionados, todos juntos. Eu estava sozinha. Não faço parte, não pertenço. Olho. Observo de fora. E também resolvo sentir prazer em observá-los. E me pergunto se, nesta convivência gostosa, estes meninos e meninas estão ‘artistando’?

Depois de alguns minutos resolvem entrar para o teatro. A música continua. Burburinho. Pequenos grupinhos aqui e ali. Péricles chama para a roda e vão aos poucos se organizando. Segue a comanda de alguns exercícios corporais de percepção da nossa base, nosso apoio, primeiro individual e depois em duplas. O encontro segue sempre com um contínuo burburinho, dão risadas, se divertem, acham graça do exercício, sentem dificuldade, sentem dor, mas estão ali realizando, querem estar ali, o clima geral é de alegria. E penso com meus botões: ‘Como é difícil criar um filho. Como é difícil ser. Lembro-me das dores do parto e penso eles estão sentindo dor ao fazer o alongamento. E penso mais uma vez qual o grau de auto percepção deles? Qual é o nível de exigência que eles têm com eles mesmos? O que estão experimentando? Estão experimentando? Qual o grau de autonomia desta turma em relação ao artista orientador? Várias perguntas invadem minha mente, mas não quero responder. Meu exercício individual é estar ali e observar. As perguntas ficam orbitando por ali, mas ninguém vê, eu também não as vejo, mas as ouço dentro de mim. Decidi também, neste ano de 2013, confiar. E confio em tudo aquilo que está acontecendo. Confio que aquele artista está ali de verdade. Em busca.

A brincadeira continua com ritmos, percussões corporais e fim. Eles estão exaustos. Fiquei pensando em qual seria um desafio para esta turma, algo que os colocasse em situação de risco e não de conforto, algo que de alguma maneira desestabilizasse aquele harmonia aparente. Para ver novas configurações, novas subjetividades, novas formas de conviver e artistar. E então uma nova comanda. Sair caminhando em silencio pelo Bec, havia ali exposições diversas, cartazes, desenhos, esculturas, etc. E lá foram os artistas vocacionados em silencio absoluto pesquisar o ver. Ver simplesmente. Ver. Este foi um desafio para eles. Saí de lá antes do fim, os pensamentos na minha filha me assaltaram novamente e corri para casa.

A pergunta do educativo da Bienal é uma sugestão de reflexão para este processo. Péricles pode ou não utilizá-la. Sim?

Tipos de Perturbação – Gabriela Flores - Boca Textual



Tipos de Perturbação – Gabriela Flores – maio de 2013 – teatro vocacional – centro-oeste


Tipos de Perturbação – Gabriela Flores – maio de 2013 – teatro vocacional – centro-oeste

(ensaio/procedimento/início da aventura/dispositivos para o encontro de pesquisação com os aós)

23:40

Muita

Coisa por onde

Começar seria bom

Enquanto escrevo aqui, a ponta do passado cola ao futuro,

Vem vindo a onda... Eu vou ela vem... O antes do abraço.

 

Pausa

 

O teatro é forte!  - eu digo a mim mesma.

Sim! Respondo a mim mesma! Mas o que isso significa?

Seremos felizes se chegarmos ao Teatro! Ele é forte! Sim, ele é forte!

 

23:43

Assisti a um espetáculo ontem; e noutra curva de tempo atuei numa montagem deste mesmo texto! Que texto lindo! Reencontrei o texto, a palavra do texto texto que dança no espaço, texto ‘lá parolé lá parolé’. A palavra. Fez-me vir até aqui e escrever. Agora, tudo gira em torno desta PALAVRA-tema-mantra-anzol:OBSCESSÃO.SSSSSilêncio. Não não , não pensa nada não, não tire conclusões precipitadas, eu juro que estou tentando, eu juro que estou tentando, estou tentando, estou. Mesmo! Não é?

Agora

Ficaremos em roda, juntos, olhando para nossas próprias mãos, durante algum tempo em seguida iremos lentamente passar uma das mãos na palma da outra mão e passar a outra mão na palma lentamente depois podemos bater as palmas das mãos provocando sons aplausos tapas aplausos carinhos chocalhos percussão e digo estou aqui presente sim estou presente eu digo você me vê? Quando olha para mim o que você vê? Eu digo eu te vejo! Eu te observo! Posso até te amar! Eu digo estou aqui e vejo você! Eu vejo você! Eu digo posso ficar aqui e te ajudar a preparar algo! Posso? Posso ficar?

Som de aplausos

Rá, semana que vem começaremos o encontro nos aplaudindo.

Por que agora as peças sugerem o não aplauso? Outro dia, na saída do teatro, em direção ao metrô, não resisti, precisava daquilo, comecei a aplaudir! Eu e minhas palmas, e a rua. Foi bom, deixei a água escorrer! Sim, eles ainda serviram cerveja serviram cerveja serviram cerveja e e e e fiquei morrendo de vontade de fazer xixi a peça inteira. O som da palma é tão bonito! Vamos aplaudir! Eu gostei da peça, eu gostei muito da peça, caralho eu gosto de ir ao teatro. É sério, eu não sofro! Eu sinto prazer! (som de aplausos) o som do xixi também! É um som contínuo bonito, e as palmas? Vamos aplaudir? É bonito, sim! Som contínuo! Som cortado! Eu sinto assim bonito e forte! Sim todo esse trabalho! Esse nosso trabalho! Para mim é forte! Forte como percussão! Pele estirada! Pele para soar! Soar! Forte como riacho, fonte, cachoeira, som de água no mato que não para, sabe? Contínuo. Não cessa!

Chega disso?

00:00

Zero hora. Zero pensamento. Zero intenção.  Zero expectativa. Zero.

Meu peito se enche de ar. O zero é cheio de ar?                      

E para cantar e ter uma boa sustentação é preciso pouco ar. Quanto mais vazio de ar, mais extensão tem meu som. Olha:

aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa

A letra minúscula quer aqui indicar suavidade. Você sente, escuta, vê a suavidade do som contínuo?

aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa

O músico, o maestro também, dá o tom, a nota inicial, por onde dançará toda a melodia, o compasso, a harmonia. Entende? Você escutou a música que entoou?  A tua música? Então agora te pregunto: qual foi tua nota inicial, teu tom? Qual o tom? Do passo, do compasso, da voz, o tom da marca, da mancha, da pegada, qual o tom? Entende? É papo reto?

O som cortado é ritmo, é pulsação. É o que acorda! O contínuo diz estou aqui, te vejo, estou aqui com você.  Assim contínuo e cortado! Xixi e palma! Necessidade e desejo.

 

A letra pode ir assim da esquerda para direita, mas meu pensamento não vai assim da esquerda para direita, então? O pensamento quer dançar no papel! Como? O pensamento dança?

 

Vou tentar fazer o pensamento dançar num som contínuo bem bonito quer ver?

 Letras míudas que exigem debruçar do corpo atento

Letra de música uma música para cantar junto é ler junto cantar junto comer e beber algo junto e juntos cada um escrever um pouco de algo sobre aquilo que estamos querendo fazer dançar em nossos pensamentos.

Me vejo no que vejo
Como entrar por meus olhos
Em um olho mais límpido
Me olha o que eu olho
É minha criação
Isto que vejo
Perceber é conceber
Águas de pensamentos                                                                                                                                                                                             Sou a criatura do que vejo

Silêncio

 

Sim eu vou organizar a aventura

Aventura leitura

Ana Hatherly não esqueça

A aventura do desenho da escrita numa dança do pensamento no papel num som contínuo bem bonito

Você vê você lê você escuta

Talvez encontre Teatro. Talvez não. Mas teatro nem sempre resulta teatro. Faz-se com xixi e palmas, com ritmo e presença, com necessidade e desejo. Com estar aqui. Estou aqui. Te vejo.

00:18

Paro por aqui por agora

Para não esquecer: selecionar trechos da escrita de si, Foucault e digitar em pedacinhos de papel com letras bem miúdas. Poemas de Ana Hatherly para inspiração. Leitura atenta. Depois leitura visual dos poemas. Som contínuo. Som cortado. Registro de autoria. Enunciado: trata-se, não de perseguir o indizível, não de revelar o que está oculto, mas, pelo contrário, de captar o já dito; reunir aquilo que se pôde ouvir ou ler, e isto com uma finalidade que não é nada menos que a constituição de si.

Eles escrevem. Música. Por fim, exposição dos poemas inventados. Bem bonito! Aplausos. Parece que o teatro vem! Ele vem, ele é forte!

 

Pedir para postarem o texto inicial a partir de palavras que lhe vieram a mente depois do primeiro encontro, lembra?

 

Cada ensaio tem sua visualidade e sua sonoridade

Ensaio visual, ensaio da palavra, ensaio sonoro.

 

Parece que o teatro vem! Ele vem, ele é forte!

E hoje é dia do trabalho.

01:02

Ensaio sonoro/visual acesse: