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quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Navegando em represas: Nascente de dramaturgias  

“No bojo das ações artísticas o que se salienta é a singularidade da percepção
estética presente na experiência sensível, assim como nos riscos que

 ela necessariamente comporta.
Ao fazer arte se constrói a subjetividade, ao mesmo tempo
 em que simbolicamente se reconstrói um território comum”
Maria Lúcia Pupo



Fragmento de um processo: Dilatando a dramaturgia
                
             De que nascente este rio brota? Da onde parte as águas desse imenso e denso rio? Que margens espremem o rio que desce e sobe em caminhos não lineares?
             CEU Vila Rubi, no extremo Sul da cidade de São Paulo, aqui estamos no meio do cimento, das represas, de pessoas, belezas, pertencimentos e incoerências, descaso, abandono do olhar do poder público. O que me parece é que não estamos no mapa da cidade, estamos nas margens das margens. Margens da represa Guarapiranga, margens da represa Billings; e que água é essa que brota mesmo sendo represada por margens de cimento? Brota vida, brota esperança, brota dias melhores e brota sede. Literalmente morrer de sede em frente à represa. Pois a nossa sede é maior do que as nossas possibilidades, é maior que os nossos acessos.
Onde entra o teatro no meio dessa água toda?  Onde o vocacional ganha corpo e peso em uma corrente que nos leva para lá e para cá?
                São tantas perguntas, e profundas discussões que um ensaio, um encontro, um ano e uma resposta não dá conta da constelação criada pelos vocacionados nesse ano no Ceu Vila Rubi. As cenas foram criadas a partir das angústias, reflexões e a falta que temos de tantas outras coisas. Tem alimento em tudo que é canto geográfico do bairro e da região. O asfalto é discutido, o cimento é discutido, o descontentamento é discutido, as ocupações de moradias são discutidas, o aeroporto em parelheiros é discutido, as manifestações são discutidas, os movimentos sociais do bairro são discutidos, o horóscopo é discutido, o Estado laico é discutido, a Nossa Senhora padroeira do Brasil e de D. Chica (vocacionada) também foi discutida. Mas como a discussão não deu conta das perguntas e das questões, as cenas entram como ponto de partida para um caminho desconhecido. E as forças das águas entram em estado de criação.

Estado de criação: Em Busca de um território comum

        Um parto de um não herói está em cena, o ônibus lotado está em cena, o vazio da sala de aula está em cena, as transições não lineares, as narrativas saídas da própria boca, da própria história do vocacionado criando um ponto de resistência contrapondo tudo aquilo que estamos condicionados. As cenas também não dão conta de responder as perguntas, pois preferimos mergulhar e aprofundar as relações, conhecimento, provocações, dúvidas, o não saber; do que simplesmente responder o que se deve ou não fazer. Afinal, não damos contas de deliberar comportamentos, pelo contrário procuramos uma ruptura, um momento em que se dilata algo e se propaga uma pergunta.
Esse é rio em que navegamos ás vezes em deriva, ás vezes em naufrágio. É sempre uma agonia a mudança de ventos entres os participantes dos encontros, em um mês temos 15, daqueles 15 ficam 4, no outro mês entram mais 5, e assim vamos até novembro. Sempre me pergunto o que acontece, ou quais são os motivos dessa instabilidade. Por muitas vezes, pensei que os encontros não estavam dando conta, ou que eu não estava dando conta, apesar de não descartar essas possibilidades, penso que o problema talvez esteja na forma em que o projeto está inserido. Dentro de um equipamento público de cimento, que não semeia a reflexão e nem o pensamento, tudo está muito estabelecido e bem organizado para que nada aconteça, essa é a minha sensação de chegar muitas vezes para o encontro e não ter um espaço para que ele aconteça, o descaso e a falta que o equipamento estabelece perante a este projeto. Um falso diálogo é me imposto, uma troca falsa de interesses e não interesses. Estamos há muito tempo resistindo dentro desses equipamentos, não somente o programa vocacional, mas como também a própria comunidade, outros projetos, professores, arte educadores, e qualquer um que tente passar pelo portão dos guardas e suas cobranças de carteirinhas e identificações.
Em certo momento perdemos as forças, e parece que aquela estrutura fria de cimento cai sobre nossas cabeças, dentro da dialética e de uma barbárie como traçamos caminhos e processos de emancipação artística? Estamos sempre cortando os ventos e pulando águas, a arte da resistência, aquela que a gente faz pra continuar a pertencer daquilo que sempre foi nosso.
         Será que existe algum porto acolhedor que acalente nossas idéias e pensamentos?Não sei, mas estamos em busca de algo, pesquisando outros caminhos que sejam diferentes dos caminhos estabelecidos e condicionados ou parecidos com os de Pedro Alvarez Cabral, das paredes de cimento, da falta de diálogos verdadeiros, a falta de relações ou qualquer outro tipo de colonização.
      Não podemos esquecer o que nos preenche, e isso é potência em cena, nosso teatro não pode somente ser um encontro de terapia, queremos ir além dessas discussões ou do simples desabafo. No entanto, perdemos as forças e os encontros parecem águas que correm para lá e para cá, levando os vocacionados para caminhos diversos. Onde podemos criar um espaço simbólico, lúdico, poético e reflexivo? Onde as nossas diferenças se tornam potentes?
       Encontramos um ponto de partida, o que nos atravessa? Quais são as nossas perguntas? E assim as cenas disparam toda poética de uma gente que sempre esteve represada. Mesmo no balanço das águas, mesmo na mudança dos ventos, geograficamente, politicamente, economicamente estamos à deriva em uma represa! Estar à deriva em uma represa? Se isso de fato fisicamente é possível!
        E agora olhando para a embarcação como todo, percebemos que criamos materialidades que nos provocam, que nos atravessam e que de certa forma nos acalenta. Chegou o momento de afinar as cenas, pensar nos caminhos, por exemplo: o da continuidade dos encontros, das perguntas e da criação, e de como continuar resistindo.


Esse é um diário de bordo esquizofrênico, confuso, temperamental de uma navegante que se encontra em processo no CEU Vila Rubi!


Artista Orientadora: Tatiana Monte
Equipamento: CEU Vila Rubi
Setembro -2013

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