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domingo, 1 de setembro de 2013

Primeiros Encontros

ENSAIO VOCACIONAL MÚSICA – AGOSTO DE 2013
ARTÍSTA ORIENTADOR: SEBASTIÃO BAZOTTI
EQUIPAMENTO: CENTRO CULTURAL DA PENHA

Primeiros encontros.
Uma sala, pouco mais de 20 cadeiras ocupadas. Pares de olhos tímidos entreolhando-se. Silencio total. Três horas pela frente a serem preenchidas com palavras que encontre eco nos anseios de cada coração ali presente. O que dizer? Venha-me inspiração, me faça entender através destes olhares a perspectiva de cada um. O silencio é continuo. Além do próprio nome quase que sussurrado, só ouço o ruído da respiração. A timidez prevalece e todas as respostas ás minhas perguntas são praticamente monossilábicas. Toca algum instrumento? Canta? Já estudou música? Escuta música? O que o trouxe até aqui? Conhece o programa? Uma série de sins e nãos são os únicos sons. Sinto que esperam que eu lhes diga algo, que eu traga a mágica que faça todos tocarem ou cantarem bem. O silêncio parece um sinal de que irão aproveitar cada palavra e todo o conteúdo. Ou então estão me analisando para decidir se voltarão na próxima semana. É um momento crítico para mim, onde repenso o que sei e me questiono sobre como dizer e ser entendido. Como estimular o retorno da turma na próxima semana, como ser simpático, como tornar este encontro agradável, como criar a expectativa dê que há muito a ser dito, porém muito pouco para o momento? Não há cochichos, não há conversas paralelas. Não tenho alternativa a não ser começar a falar. E lembro-me que terei 3 horas pela frente para entender e preencher as expectativas. Nesse momento, minha experiência em “Interlinguagem” adquirida nos meus quatro anos de Artista Educador no PIA (Programa de Iniciação Artística) também da Secretaria Municipal de Cultura, me é muito bem vinda. O que aprendi com as outras linguagens, principalmente com o teatro, me auxilia no deslocamento pela sala e me dão certa desenvoltura para falar. Visto a máscara de mestre e me convenço de que realmente sei muito sobre o assunto que inicio. Deixo a fluência da fala e algum grau de emoção serem a mensagem subliminar mostrando que no mínimo gosto muito do que estou dizendo; admiro; respeito e amo a linguagem musical. O retorno é um voto de confiança e a esperança deles de que farei tudo para auxiliar cada um em seus anseios musicais. Ainda tímidos e em silêncio experimentamos uma série de atividades que visam antes de tudo, um inicio de compreensão pelo corpo, dos elementos básicos da música: ritmo, tempos, compassos, alturas das notas, percepção do primeiro tempo que define os compassos com 4, 3 e 2 tempos cantarolando exemplos de músicas compostas com esses respectivos compassos. Introduzo exercícios iniciais do método “O Passo” do carioca Lucas Ciavatta, possibilitando a sensação do tempo dentro do compasso com o corpo e possível de ser praticado por qualquer pessoa.  Uma unanimidade de objetivos vai se formando. Alguns sorrisos com as dificuldades enfrentadas nos primeiros estudos do “Passo”. E as primeiras frases rítmicas vão surgindo. Divisão em grupos que se contrapõe com frases rítmicas feitas com os pés e mãos traz a sensação que estamos fazendo música. E mais que isso, estamos desenvolvendo a compreensão da linguagem musical. Mais e mais sorrisos mostram a descontração e certa satisfação paira no ar. Assim vou conquistando a confiança da turma. Produzimos o ritmo e agora vamos produzir notas musicais com suas alturas diversas. E o que temos de imediato para fazer essas notas? Nossa voz! Toda uma investigação se inicia desde a respiração natural até a otimização da mesma pela consciência do diafragma e músculos da região do plexo solar. Vou propondo alguns exercícios para perceberem o diafragma que soam engraçados. Brincamos ritmicamente com os exercícios que dessa forma são inseridos dentro do contexto da linguagem musical. Passamos para a garganta e as cordas vocais. Uso um violão para mostrar a alteração de frequências das notas. Experimentamos isso com a voz por meio de glissandos indo do agudo para o grave e do grave para o agudo imitando uma sirene. Não tem como não rir dos sons resultantes, soam engraçados mesmo. O clima fica mais gostoso, as pessoas já falam um pouco entre si. E nesse andamento chegamos a cantarolar juntos algumas canções. A projetar o som para reverberação nas cavidades cranianas. A preencher a sala com sons. A timidez aos poucos desaparece. Cada um tem um tipo de dificuldade e então todos vão se equiparando. Peço para pensarem em uma música que gostam e traze-la para o próximo encontro. Como atividade para semana, repetir o que fizemos em sala um pouco todos os dias. Arrisco-me agora numa explicação quase filosófica da forma como penso a música para justificar as atividades dos encontros. Enfim, tento fazê-los entender que a linguagem musical, a música em si tem que estar antes de tudo na cabeça, no pensamento, e ser ao menos minimamente expressada com nosso primeiro e principal instrumento que é o próprio corpo. E que quando conseguimos entender e expressar o pensamento musical pelo corpo, a vida como estudante de um instrumento se tornará muito mais fácil e fluída. Com esse discurso, esteja o aspirante a músico interessado em qualquer que seja o instrumento ou canto, e mesmo eu não tendo domínio de outros que não o violão e trompete, ele pressente que terá muita informação nos encontros e sente um estímulo para retornar e continuar no programa. Qualquer conteúdo, se pensado como elemento da linguagem, pode e acredito que deve ser, trabalhado e compreendido corporalmente antes da sua aplicação prática no instrumento. Muitas vezes o esforço físico repetido rotineiramente para o domínio técnico do instrumento musical, nos afasta do pensamento e compreensão intelectual daquela prática. Acabamos usando nossa energia apenas como uma ginastica e não para pensar sobre o que está sendo praticado. Depois de anos, tocamos muito rápido, não temos dificuldades com as notas, somos fluentes tecnicamente, porém não conseguimos usar a música como forma satisfatória de expressão das nossas ideias. Nos conformamos em sermos  digitadores, reprodutores, imitadores etc. E não aprendemos a criar, a desenvolver a criação e um pensamento criativo dentro da linguagem. Está é minha preocupação hoje nas orientações e também minha pesquisa pessoal. Partindo da ideia que a música tem que estar antes de tudo na cabeça e ser minimamente expressada pelo corpo, todos que participam das orientações podem ter  aproveitamento do conteúdo. Mesmo que não venha a estudar efetivamente um instrumento musical. Obviamente essa prática tem um sentido geral de dar hegemonia ao grupo e de atender ao grupo como um todo. Porém, à medida que vamos nos conhecendo musicalmente, cada vocacionado vai sendo orientado dentro de suas necessidades. Estimulado a fazer música em grupo e a praticar e entender o repertório que gosta e ser exposto a novas músicas, novas ideias e formas diferentes de interpretar e criar música.

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