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domingo, 22 de setembro de 2013

Trajetória do Olhar


TRAJETÓRIA DO OLHAR
artista orientadora teatro ADRIANA DHAM
equipamento CEU Vila Atlântica

 

Caminho por lugares já visitados.

2010 primeiro olhar.

2011 segundo olhar.

2012 terceiro olhar.

2013 de novo no mesmo lugar OLHAR.

E diante dos meus olhos um papel em branco.

E por alguns instantes ele fica olhando pra mim.

Silêncio.

Silêncio e constrangimento.

O diálogo não acontece.

Só o silêncio. Apesar do barulho da quadra de esportes, numa tarde de domingo quente, antes de orientar o grupo PÉ NA JACA.
 

 
 
 
PAPEL – E então?
 

EU – O quê?
 

PAPEL – Você!
 

EU - ????
 

PAPEL – Não precisa olhar assim pra mim, com esta cara de espanto. Pode dizer o que tem a dizer...
 

EU  – O quê?
 
 

PAPEL – (perdendo a paciência) Mais um ano e o que você vai fazer?
 

EU – (depois de uns instantes) Não sei como começar...
 

PAPEL – É só começar! (pausa) E então?!
 
 

Sem entender como e porque as palavras começam a escorrer no papel que aos poucos deixa de ser branco.
 
 

EU - Aqui estou. Busco um novo olhar para o lugar (afinal são quatro anos) e para os vocacionados. Um novo olhar poético para este caminhar. O que me entusiasma? O que me incomoda? Quais são as minhas primeiras impressões da turma? E dos grupos?
 

PAPEL – (interrompendo) Como você se vê neste momento?
 
 

EU – (pensando um pouco) “Faça seu dia valer a pena como se fosse o último.” (em pensamento, pego emprestada a fala da Vanessa, vocacionada que acaba de chegar á turma).
 
 

PAPEL – Quais são as suas inquietações?
 
 

EU - Gostaria de levar possibilidades diferentes para despertar o poético de cada um. (pausa) Como fazer? (pausa) Não sei.
 
 

PAPEL – Sabe, sim!
 

EU – Não.
 

PAPEL – Certeza?
 
 

EU – Não, não sei. (pausa) Bem.... (pensando alto: parece que estou ouvindo a Melissa dizer para equipe) “Eu coloco as minhas palavras para andar”. “Uma tarefa: um vídeo construído, 2 minutos, é preciso materializar essa inquietação do mundo de lá”.
 
 

PAPEL – Construir uma metáfora.
 
 

EU – Bem, vamos lá. Começo a registrar tudo. E as primeiras inquietações da turma aparecem: improvisação e uma sala virtual. A sala multiuso vira um jogo virtual gigante delimitado por cadeiras. A turma se vê no jogo como personagens de games e, fora dele, se relaciona com o seu cotidiano. Cenas de violência. Mas é apenas um esboço, um rascunho. As ideias ainda não estão claras. O vídeo é composto de traços e cores. E também de música. Escolhida por eles. Agora no grupo Os Filhos (pausa) uma reclamação e alguém desabafa: “Falta motivação, entusiasmo!”
 

PAPEL – (irritado) “É preciso olhar de fora, sem lavar as mãos!”
 
EU – Mas eu não sei como. A única coisa que me vem á cabeça é buscar uma ritualização nos nossos encontros, preservar o espaço de criação. Buscar o prazer e evitar a dor.
 
 

PAPEL – (gritando nos meus ouvidos) “É preciso ser radical com esse povo que pensa ser um grupo”.
 
 

EU – Fico preocupada. Será que estou ouvindo de verdade o que eles, vocacionados, turma e grupo, querem?
 
 

PAPEL – Sei (pausa) Mas nem tudo está perdido...
 
 

EU – Ah, tem as meninas do Pé na Jaca! Tudo começou com elas. Um trabalho lindo que foi construído aos poucos, com carinho e que, agora, volta para a comunidade. Um sonho se realizando. (vagando) É o que fica de bom. De trabalho cumprido. Tenho orgulho destas meninas.
 

PAPEL – Sei... (pensativo) Mas tem que continuar andando. Vamos lá! O ano já está! O dia já é! Como dizia Walmir Pavam, o seu coordenador de equipe do ano passado. Vamos, vamos!!
 

EU – Sim... (voltando para as anotações) Então, o esboço, o rascunho deixa de ser apenas contorno. O processo criativo com a turma começa a ter uma forma. Um tatame montado na sala multiuso delimita o espaço da cena e todos em volta começam a improvisar suas inquietações. No lugar da fala, da palavra, uma dupla de violões dialoga na situação criada pelo olhar, pelo objeto, pelo outro. Uma nova experiência. Uma boa e surpreendente experiência para mim e para eles. Aos poucos, outros sons, aparecem. O jogo e a cumplicidade ficam cada vez mais fortes entre eles.
 
 

PAPEL – (interrompendo) É. Só falar não dá conta.
 

EU – Sim... PRESENTES para a equipe. A Melissa pediu que a gente levasse UM PRESENTE para o OUTRO. Uma citação. Um livro para nutrir a equipe... Vem do Danilo: a trajetória do projeto vocacional para a Ana; um texto sobre performance e teatro para todos; provocações estéticas para os meninos que querem montar Nelson para mim; uma música da Banda dos Velhinhos da Lapa para o Marcelo. Vem do Marcelo: café e biscoito. Biscoito e café. Café e biscoito para aquecer, acolher todos. Vem da Ana: um poema cuidadosamente enrolado e amarrado com fita: ESPEREMOS... “Amor, um dia farei um poema como tu queres dicionário ao lado... não falarei de negros de revolução de nada que fale do povo serei totalmente apolítico...”
 

PAPEL – E de você?
 
 

EU – Doce de infância, jujubas. E no ouvido de cada um o texto de uma vocacionada do ano de 2008: “O HUMANIZADOR AZUL – os artistas só existem para presentear o ser humano. Se eles não existissem o mundo seria ainda mais negro e sem graça, uma utopia negativa, as pessoas estariam concentradas em si e fechadas para possibilidades futuras – COMO TOMAR SORVETE DE ROXO-PÚRPURA COM COBERTURA DE ROSA-CINTILANTE, por que não?... os presentes são fontes de vida inspiradora, a graça de viver humanamente, pois eu digo, como imatura que sou se há um pouquinho de azul em nossas vidas é culpa dos ARTISTAS”.
 
 

PAPEL – (interrompendo) Como você se vê neste momento?
 
 

EU – Ah, já ouvi isto antes... (pensando um pouco) “Se sabemos exatamente o que vamos fazer, para quê fazê-lo?” (em pensamento pego a fala de Pablo Picasso emprestada) Ela me diz tanto neste momento! Na verdade, desde algum tempo, esta frase não sai da minha cabeça: quero me deixar levar, sem tirar os pés do chão, sentir mais o encontro (pausa) deixar o encontro conduzir o encontro (pausa) arriscar mais (pausa) preservar e aprofundar o lugar da criação (pausa) ouvir o chamado do coração (pausa)... Eu odeio Nelson, e você? (pausa) Quero ser o que desejo ser (pausa)...
 

PAPEL – (interrompendo) Qual o desafio que alimentaria os artistas vocacionados no caminho da teatralidade?
 

EU – A Melissa nos orienta: “É preciso imprimir no papel uma foto do processo com eles. Do agora, do antes e do futuro e, a partir daí traçar os desafios”.
 
 

PAPEL – Comece com o ANTES....
 

EU – (revirando as minhas anotações) Começo a desenhar alguns pontos importantes pra mim neste começo de trajeto do olhar: Em algum momento, sinto insegurança em realizar um processo de criação com a turma de iniciação. Será que consigo compreender o que eles querem? Os desejos aparecerem de forma caótica. Parece que eles querem dizer tudo ao mesmo tempo. Como organizar este material com eles e instaurar um ambiente criativo onde o olhar poético seja significativo e revelador pra mim e pra eles? No desenho aparece também a minha preocupação em estimular os grupos. Eles precisam ter consciência do trabalho desenvolvido até o momento e como dar continuidade, sem perder o fôlego.
 

PAPEL – (pensando alto) É, parece que já vi isto antes.
 

EU – (sem ouvi-lo) No mesmo papel o desenho do AGORA: os passos desta minha trajetória dizem que é preciso integrar os novos vocacionados com quem já está sem perder ou abandonar o que já foi conquistado. Com os grupos: aprofundar a pesquisa de cada um e criar estratégias novas de aproximação com a comunidade.
 
 

PAPEL – (interrompendo) Já estamos no final do mês de junho!!! O que você consegue ver no seu processo com os vocacionados?
 
 

EU – (caindo em si) Puxa como o tempo passa rápido. Parece que foi ontem que começamos os trabalhos....
 
 

PAPEL – (olhando para o relógio) Tempo. Falta tempo. Falta. Tempo. Falta mesmo?
 
 

EU – Nos meus pensamentos vejo a Melissa dizendo: “No agora, qual o processo artístico de cada um de vocês? Como recriar o espaço da reunião de equipe para contribuir com que está sendo criado no mundo de lá? Como despertar o poético nos vocacionados? O que me atravessa poeticamente?”
 
 

PAPEL – (no ritmo do relógio) O tem-po es-tá pas-san-do...
 

EU – Chega! Assim você me confunde!
 

PAPEL – (dando risadas) O tempo está passando...
 
 
 

EU – Eu estou diante de você e uma ideia para a turma surge depois de assistirmos o espetáculo “O Coro dos Maus Alunos” de Tiago Rodrigues: buscar com a turma de iniciação, na sua maioria adolescente, uma forma de expressar os seus dilemas muito próprios desta fase de descobertas e muitos conflitos.
 
 

PAPEL – Uma nova forma de deixar suas impressões em mim.
 
 

EU – Isto! Um poema coletivo. Palavras soltas que se transformam em imagens e que se transformam em frases e que colocadas uma a uma aleatoriamente no papel vão criando um poema...
 
PAPEL – (feliz) Começo a ficar colorido! É divertido!
 
EU - (pegando o papel colorido) Vou ler um trechinho para você:

Queriam que eu morresse

Sempre tem morte no meio

Tem sempre pessoas novas

O que teve? Por que teve?

Sentir um sentimento que jamais pensei em sentir

O que teve?

Por que teve?

Fizemos o improviso

Que nos fez pensar

Mesmo na beira do precipício

Existia alguém

Para salvá-la da morte

E lhe mostrar a beleza da vida

O que aconteceu?

Apareceu gente nova no pedaço

Risadas

Talvez eu precise tomar uma decisão

Vir ou não vir, eis a questão!

Nem sempre o abismo tem escuridão

Tentando salvar sua amada

Ele caiu, mas não desistiu!

Fizemos uma cena a partir de uma estória

Meu Deus do Céu!!! Será inventada?

Todos deram ideia para o improviso

Fala isso agora! Fala

Levantou e continuou

Repetir a cena para melhorar

Para aprofundar

Para perceber os detalhes de cada coisa criada

Eu sinto o movimento do vento

Nossa, foi fundo!

Você lembra?

O medo está apenas em nossas mentes

O tempo todo

O tempo todo

É

O tempo todo

Acabou?
 

 
 
PAPEL – (visualizando) E o espaço cênico se transforma.
 
EU – O tatame delimita a área da cena e todos em volta começam a improvisar a partir dos poemas coletivos construídos nos encontros. A turma escolheu os versos que mais curtiram de todo o processo e, a partir, destes versos eles criaram três cenas. Agora nosso desafio é construir uma obra única.

PAPEL – Ufa!

EU – Um experimento, mas acho que encontrei o caminho criativo para a turma. Ufa!!

PAPEL – Você falou, falou, falou da turma e os grupos? A que pé anda?

EU – As inquietações são muitas. Estamos em agosto e os grupos caminharam pouco. Bem pouco.

PAPEL – Quase parando...

EU – O Grupo Os Filhos, depois da desistência de alguns integrantes...

PAPEL – (interrompendo) Que afetou o grupo...

EU – É (pausa). Então... Mesmo fragilizado, o grupo revisitou todo o processo e deixou o Nelson Rodrigues de lado e começou a questionar o que queriam fazer juntos. O Ricardo, líder do grupo, trouxe algumas propostas...

PAPEL – (lendo as minhas anotações) .... o texto “Entre Quatro Paredes”. O texto “Esperando Godot”. O texto “Zona Contaminada”....

EU – Textos que, de alguma maneira, poderiam traduzir o que o grupo estava sentindo no momento.

PAPEL – (continua lendo) .... O Igor trouxe um roteiro que ele tinha escrito para o grupo á um tempo atrás....

EU – SICÁRIO (assassino de aluguel).

PAPEL – (comentando) Ele adora este tipo de assunto!!!

EU – Relendo o texto percebi que tinha muitos elementos de melodrama e comecei a levar alguns procedimentos de investigação do tema. Trechos de filmes que pudessem inspirar a construção deste roteiro.

PAPEL – (continua lendo) “Sin City” e “Nosferatu” atravessaram os encontros e inspiraram a releitura do roteiro.

EU – Um novo olhar para o trabalho.

PAPEL – E as meninas? Do Pé na Jaca?

EU – Acho que elas se perderam um pouco da trajetória imaginada para este ano. Os problemas pessoais das integrantes afetaram o que vinha sendo construído. Estão num momento de transição. Desejam concluir o processo do espetáculo “Quero Ser o que Desejo Ser” com a comunidade e ....

PAPEL – (interrompendo) Afinal foram 03 anos trabalhando juntas.

EU – ... e o desejo de continuar um novo processo para o grupo.

PAPEL – E o que fazer agora?

EU – Olhar a trajetória destes três coletivos até aqui. Olhar com carinho. Trajetória construída no seu tempo. No tempo de cada um.
 







 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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