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quinta-feira, 12 de setembro de 2013

Tipos de Perturbação II – Gabriela Flores


Tipos de Perturbação II – São Paulo, 28 de agosto de 2013.

Relatos das visitas que fiz hoje. A coordenadora estrangeira.

O que vi, com meu olhar estrangeiro? Mas antes disso algumas subjetividades agora jorrando em desabafo:

Sempre me sinto distante.  A visita se faz necessária num desejo de minimizar as distancias ou torna-las mais evidentes.

Os artistas orientadores desta equipe são tão autônomos que já nem sei qual a minha utilidade.

Mas fora isso, vocês podem me demandar, sim? Está bem?

A inutilidade abre espaço para o devaneio.

Posso dizer tudo que penso? Posso? Relação tênue entre harmonia e conflito. Quando romper a harmonia no intuito de gerar atrito reflexivo? Quando instaurar a harmonia? Harmonia e Conflito. Embates. Conceitos e Experiências. Quando o conceito não dá conta da experiência? Ou, quando a experiência se esvazia? Há vazios. Eu sei. Há preenchimentos também. Preenchemos como? Com palavras, com coração, com presença, silêncio... A simples presença de alguém diz algo? O silencio diz algo? Ou só a palavra que diz? O que comunico com a minha presença?

E também junto com toda essa subjetividade humana – a humanidade – estamos vivendo um momento, a meu ver, muito rico. Os debates nas nossas assembleias de segunda, nossas reinvindicações, toda essa densidade de coisas que estamos vivendo, é muito forte.

Uma pergunta, dentre algumas angústias, gostaria de compartilhar com vocês, pois ficou ressoando dentro de mim: ‘Para onde caminha o Programa Vocacional?’ ‘Qual seu possível desenvolvimento?’ Essa pergunta me lança para um futuro, lança meu olhar para o futuro, o que desejo para a cidade, para estes equipamentos, para estes jovens, para nós artistas, para mim?  Não sei.  Quero dizer, posso imaginar. Pensar o futuro me angustia um pouco. Mas talvez este exercício, mesmo que por alguns instantes possa lançar um olhar para o presente, um olhar crítico, no sentido de pensar o que precisa ser alterado para que o sonho possa minimamente se tornar real. Meu desejo maior é que esses coletivos, com os quais trabalhamos, possam se desenvolver infinitamente. Que nenhum grupo de vocacionados tenha que abandonar o equipamento por perceber que já não é bem vindo ali. Afinal de quem é o CEU? Poderes podres poderes. Quanto tempo um grupo pode ficar no CEU? Existe tempo determinado. Quem pauta as ações dos equipamentos? Até que ponto há diálogo real? Então imagino assim: um espaço colorido, poucas paredes, muito jardim, árvores frutíferas e fontes de água limpa, talvez até uma arena ao ar livre para intervenções, shows, espetáculos, recitais, pista de skate, cozinha coletiva, sei lá. Que estes vocacionados, e as famílias e seus amigos e eu também, que nós artistas vocacionados possamos existir nestes equipamentos e que possamos nos sentir a vontade para criar, intervir, circular, criar, ousar, dançar ou simplesmente rir e conversar. É muito? Tem a ver com arte? Tem a ver com educação? Tem a ver com vida? ... Mas... Vamos às visitas...

‘Processo Cabaré’ – Artista Orientadora Fernanda Machado

 “Como medir a distância que te separa do que você diz?”

Pela manhã, depois da minha aula de yoga diária e obrigatória – não sei o que seria da minha sanidade se não fizesse yoga - fui visitar as Mocinhas de Pinheiros – na Biblioteca Alceu Amoroso Lima. O dia estava frio, mas havia sol, o céu estava azul, meu corpo estava disposto e minha mente curiosa para saber como estava indo o trabalho do Cabaré.

Logo que cheguei estavam todos em roda sentados em cadeiras em cima do palco. Pensei: ‘Ainda não vi esse grupo fazendo nenhuma cena? Elas estão sempre sentadas conversando sobre como imaginam este Cabaré’. Mas primeiro fui chegando para sentir o que de fato estava sendo feito. A conversa era sobre produção, cenário, figurino, divulgação, etc.

A aventura de montar uma peça é perigosa. Às vezes esquecemo-nos disso. A vida está em jogo. É como se estivéssemos à beira de um abismo às vezes, não é? Os humores e amores, os afetos e desafetos ficam latentes. Tudo a flor da pele.

Uma das mesas do cenário sofreu um acidente, foi comida por cupins. A costureira não irá colocar os babados nas saias do Can Can. Uma das atrizes faltou por que está com problemas pessoais revelados na roda, mas não me sinto a vontade de revela-los aqui. Um dos atores também faltou por problemas de saúde revelados na roda, mas que não revelarei aqui em respeito a ele. Um jovem ator, que se disse amigo do cantor Chorão, da banda Charlie Brow Jr., chorava copiosamente enquanto demandas de produção iam sendo ajustadas. Depois lhe concedem a palavra e ele procura justificar sua ausência nos ensaios e seu estado emocional, e chora ainda mais. O jovem ator chora, chora e chora. Ele fala e não fala os motivos. Tudo é misterioso. O ser humano guarda tantos mistérios. Acho tudo aquilo tão bonito. Aquele jovem, chorando. E aquelas senhoras idosas sonhando com seu Cabaré. É lindo e bizarro. É louco. E tem um toque de ousadia nelas, ao desejarem o Cabaré. Poderia fazer um filme documentário de toda aquela conversa. Obsessão minha. Tantas obras que fiz, mas só existem na minha cabeça.

Nossa humanidade frágil e débil.

A humanidade. Todas essas idiossincrasias entram em choque com meus conceitos abstratos ou nem tão abstratos do que é teatro. O que é um ensaio de teatro? Mas o perigo desta aventura não pode nos matar. Às vezes mata. A poética é o que transforma todo esse mar de subjetividades em sonho (ou pesadelo). Em arte?

Sim, então se levantaram e começaram a ensaiar. Todos com texto na mão. Sim, eles já têm um roteiro, um texto. Criado coletivamente e organizado e redigido pela artista orientadora. Caminharam de um lado para o outro se ambientando no espaço. A cena acontece no palco e fora dele. Falam seus textos, improvisam, sonham, deliram. Há interação com a plateia, há humor, e há o que eu não vi e também o devir. Estão amadurecendo e concretizando o Sweet Cabaré. Evoé.

A pergunta do educativo da Bienal é uma sugestão de reflexão para este processo. Fernanda pode ou não utilizá-la. Sim?

‘Processo Coralidades’– Artista Orientador Péricles Martins

“O que acontece cada vez que você festeja?”

Na tarde deste mesmo dia, almoço em casa o que gera satisfação em mim. Não uma satisfação plena, pois minha filha está resfriada. E é essa parte a mais difícil de ser mãe. Ver seu filho doente. Uma sensação única de impotência e necessidade de potência. Somos tão frágeis, tão débeis, somos poeira. E então sigo para o Jardim João XXIII, CEU Uirapuru. Mas querendo ficar em casa com minha filha. Mas sigo. Uma tarde linda. Céu azul com sol e um vento frio. Frio. Gosto desta mistura. Frio com sol e céu azul. Céu Azul. Azul. Frio.

Ali no Jardim João XXIII um sarau ao sol, em volta do violão, eles começam. Eu vou chegando. Mas na verdade não queria estar ali. Queria estar em casa com minha filha. Resolvi suspender por hora meus pensamentos nela, minha filha, pois iria me exaurir. E então mais uma vez neste ano de 2013 escolhi relaxar. Fiquei ali, ao sol, com violão, vocacionados, todos juntos. Eu estava sozinha. Não faço parte, não pertenço. Olho. Observo de fora. E também resolvo sentir prazer em observá-los. E me pergunto se, nesta convivência gostosa, estes meninos e meninas estão ‘artistando’?

Depois de alguns minutos resolvem entrar para o teatro. A música continua. Burburinho. Pequenos grupinhos aqui e ali. Péricles chama para a roda e vão aos poucos se organizando. Segue a comanda de alguns exercícios corporais de percepção da nossa base, nosso apoio, primeiro individual e depois em duplas. O encontro segue sempre com um contínuo burburinho, dão risadas, se divertem, acham graça do exercício, sentem dificuldade, sentem dor, mas estão ali realizando, querem estar ali, o clima geral é de alegria. E penso com meus botões: ‘Como é difícil criar um filho. Como é difícil ser. Lembro-me das dores do parto e penso eles estão sentindo dor ao fazer o alongamento. E penso mais uma vez qual o grau de auto percepção deles? Qual é o nível de exigência que eles têm com eles mesmos? O que estão experimentando? Estão experimentando? Qual o grau de autonomia desta turma em relação ao artista orientador? Várias perguntas invadem minha mente, mas não quero responder. Meu exercício individual é estar ali e observar. As perguntas ficam orbitando por ali, mas ninguém vê, eu também não as vejo, mas as ouço dentro de mim. Decidi também, neste ano de 2013, confiar. E confio em tudo aquilo que está acontecendo. Confio que aquele artista está ali de verdade. Em busca.

A brincadeira continua com ritmos, percussões corporais e fim. Eles estão exaustos. Fiquei pensando em qual seria um desafio para esta turma, algo que os colocasse em situação de risco e não de conforto, algo que de alguma maneira desestabilizasse aquele harmonia aparente. Para ver novas configurações, novas subjetividades, novas formas de conviver e artistar. E então uma nova comanda. Sair caminhando em silencio pelo Bec, havia ali exposições diversas, cartazes, desenhos, esculturas, etc. E lá foram os artistas vocacionados em silencio absoluto pesquisar o ver. Ver simplesmente. Ver. Este foi um desafio para eles. Saí de lá antes do fim, os pensamentos na minha filha me assaltaram novamente e corri para casa.

A pergunta do educativo da Bienal é uma sugestão de reflexão para este processo. Péricles pode ou não utilizá-la. Sim?

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