Tipos de Perturbação II – São Paulo, 28 de agosto de 2013.
Relatos das visitas que fiz hoje. A coordenadora estrangeira.
O que vi, com meu olhar
estrangeiro? Mas antes disso algumas subjetividades agora jorrando em desabafo:
Sempre me sinto distante. A visita se faz necessária num desejo de minimizar
as distancias ou torna-las mais evidentes.
Os artistas orientadores desta
equipe são tão autônomos que já nem sei qual a minha utilidade.
Mas fora isso, vocês podem me
demandar, sim? Está bem?
A inutilidade abre espaço para o
devaneio.
Posso dizer tudo que penso?
Posso? Relação tênue entre harmonia e conflito. Quando romper a harmonia no
intuito de gerar atrito reflexivo? Quando instaurar a harmonia? Harmonia e
Conflito. Embates. Conceitos e Experiências. Quando o conceito não dá conta da
experiência? Ou, quando a experiência se esvazia? Há vazios. Eu sei. Há
preenchimentos também. Preenchemos como? Com palavras, com coração, com presença,
silêncio... A simples presença de alguém diz algo? O silencio diz algo? Ou só a
palavra que diz? O que comunico com a minha presença?
E também junto com toda essa
subjetividade humana – a humanidade – estamos vivendo um momento, a meu ver,
muito rico. Os debates nas nossas assembleias de segunda, nossas
reinvindicações, toda essa densidade de coisas que estamos vivendo, é muito
forte.
Uma pergunta, dentre algumas
angústias, gostaria de compartilhar com vocês, pois ficou ressoando dentro de
mim: ‘Para onde caminha o Programa Vocacional?’ ‘Qual seu possível desenvolvimento?’
Essa pergunta me lança para um futuro, lança meu olhar para o futuro, o que
desejo para a cidade, para estes equipamentos, para estes jovens, para nós
artistas, para mim? Não sei. Quero dizer, posso imaginar. Pensar o futuro
me angustia um pouco. Mas talvez este exercício, mesmo que por alguns instantes
possa lançar um olhar para o presente, um olhar crítico, no sentido de pensar o
que precisa ser alterado para que o sonho possa minimamente se tornar real. Meu
desejo maior é que esses coletivos, com os quais trabalhamos, possam se
desenvolver infinitamente. Que nenhum grupo de vocacionados tenha que abandonar
o equipamento por perceber que já não é bem vindo ali. Afinal de quem é o CEU?
Poderes podres poderes. Quanto tempo um grupo pode ficar no CEU? Existe tempo
determinado. Quem pauta as ações dos equipamentos? Até que ponto há diálogo
real? Então imagino assim: um espaço colorido, poucas paredes, muito jardim,
árvores frutíferas e fontes de água limpa, talvez até uma arena ao ar livre
para intervenções, shows, espetáculos, recitais, pista de skate, cozinha
coletiva, sei lá. Que estes vocacionados, e as famílias e seus amigos e eu
também, que nós artistas vocacionados possamos existir nestes equipamentos e que
possamos nos sentir a vontade para criar, intervir, circular, criar, ousar,
dançar ou simplesmente rir e conversar. É muito? Tem a ver com arte? Tem a ver
com educação? Tem a ver com vida? ... Mas... Vamos às visitas...
‘Processo Cabaré’
– Artista Orientadora Fernanda Machado
“Como medir a distância que te separa do que
você diz?”
Pela manhã, depois da minha aula
de yoga diária e obrigatória – não sei o que seria da minha sanidade se não
fizesse yoga - fui visitar as Mocinhas de Pinheiros – na Biblioteca Alceu
Amoroso Lima. O dia estava frio, mas havia sol, o céu estava azul, meu corpo
estava disposto e minha mente curiosa para saber como estava indo o trabalho do
Cabaré.
Logo que cheguei estavam todos em
roda sentados em cadeiras em cima do palco. Pensei: ‘Ainda não vi esse grupo
fazendo nenhuma cena? Elas estão sempre sentadas conversando sobre como
imaginam este Cabaré’. Mas primeiro fui chegando para sentir o que de fato
estava sendo feito. A conversa era sobre produção, cenário, figurino,
divulgação, etc.
A aventura de montar uma peça é
perigosa. Às vezes esquecemo-nos disso. A vida está em jogo. É como se
estivéssemos à beira de um abismo às vezes, não é? Os humores e amores, os
afetos e desafetos ficam latentes. Tudo a flor da pele.
Uma das mesas do cenário sofreu
um acidente, foi comida por cupins. A costureira não irá colocar os babados nas
saias do Can Can. Uma das atrizes faltou por que está com problemas pessoais
revelados na roda, mas não me sinto a vontade de revela-los aqui. Um dos atores
também faltou por problemas de saúde revelados na roda, mas que não revelarei
aqui em respeito a ele. Um jovem ator, que se disse amigo do cantor Chorão, da
banda Charlie Brow Jr., chorava copiosamente enquanto demandas de produção iam
sendo ajustadas. Depois lhe concedem a palavra e ele procura justificar sua
ausência nos ensaios e seu estado emocional, e chora ainda mais. O jovem ator
chora, chora e chora. Ele fala e não fala os motivos. Tudo é misterioso. O ser
humano guarda tantos mistérios. Acho tudo aquilo tão bonito. Aquele jovem,
chorando. E aquelas senhoras idosas sonhando com seu Cabaré. É lindo e bizarro.
É louco. E tem um toque de ousadia nelas, ao desejarem o Cabaré. Poderia fazer
um filme documentário de toda aquela conversa. Obsessão minha. Tantas obras que
fiz, mas só existem na minha cabeça.
Nossa humanidade frágil e débil.
A humanidade. Todas essas
idiossincrasias entram em choque com meus conceitos abstratos ou nem tão
abstratos do que é teatro. O que é um ensaio de teatro? Mas o perigo desta
aventura não pode nos matar. Às vezes mata. A poética é o que transforma todo
esse mar de subjetividades em sonho (ou pesadelo). Em arte?
Sim, então se levantaram e
começaram a ensaiar. Todos com texto na mão. Sim, eles já têm um roteiro, um
texto. Criado coletivamente e organizado e redigido pela artista orientadora. Caminharam
de um lado para o outro se ambientando no espaço. A cena acontece no palco e
fora dele. Falam seus textos, improvisam, sonham, deliram. Há interação com a
plateia, há humor, e há o que eu não vi e também o devir. Estão amadurecendo e
concretizando o Sweet Cabaré. Evoé.
A pergunta do educativo da Bienal
é uma sugestão de reflexão para este processo. Fernanda pode ou não utilizá-la.
Sim?
‘Processo Coralidades’–
Artista Orientador Péricles Martins
“O que acontece cada vez que você
festeja?”
Na tarde deste mesmo dia, almoço
em casa o que gera satisfação em mim. Não uma satisfação plena, pois minha
filha está resfriada. E é essa parte a mais difícil de ser mãe. Ver seu filho
doente. Uma sensação única de impotência e necessidade de potência. Somos tão
frágeis, tão débeis, somos poeira. E então sigo para o Jardim João XXIII, CEU
Uirapuru. Mas querendo ficar em casa com minha filha. Mas sigo. Uma tarde
linda. Céu azul com sol e um vento frio. Frio. Gosto desta mistura. Frio com
sol e céu azul. Céu Azul. Azul. Frio.
Ali no Jardim João XXIII um sarau
ao sol, em volta do violão, eles começam. Eu vou chegando. Mas na verdade não
queria estar ali. Queria estar em casa com minha filha. Resolvi suspender por
hora meus pensamentos nela, minha filha, pois iria me exaurir. E então mais uma
vez neste ano de 2013 escolhi relaxar. Fiquei ali, ao sol, com violão,
vocacionados, todos juntos. Eu estava sozinha. Não faço parte, não pertenço.
Olho. Observo de fora. E também resolvo sentir prazer em observá-los. E me
pergunto se, nesta convivência gostosa, estes meninos e meninas estão
‘artistando’?
Depois de alguns minutos resolvem
entrar para o teatro. A música continua. Burburinho. Pequenos grupinhos aqui e
ali. Péricles chama para a roda e vão aos poucos se organizando. Segue a
comanda de alguns exercícios corporais de percepção da nossa base, nosso apoio,
primeiro individual e depois em duplas. O encontro segue sempre com um contínuo
burburinho, dão risadas, se divertem, acham graça do exercício, sentem
dificuldade, sentem dor, mas estão ali realizando, querem estar ali, o clima
geral é de alegria. E penso com meus botões: ‘Como é difícil criar um filho.
Como é difícil ser. Lembro-me das dores do parto e penso eles estão sentindo
dor ao fazer o alongamento. E penso mais uma vez qual o grau de auto percepção
deles? Qual é o nível de exigência que eles têm com eles mesmos? O que estão
experimentando? Estão experimentando? Qual o grau de autonomia desta turma em
relação ao artista orientador? Várias perguntas invadem minha mente, mas não
quero responder. Meu exercício individual é estar ali e observar. As perguntas
ficam orbitando por ali, mas ninguém vê, eu também não as vejo, mas as ouço
dentro de mim. Decidi também, neste ano de 2013, confiar. E confio em tudo
aquilo que está acontecendo. Confio que aquele artista está ali de verdade. Em
busca.
A brincadeira continua com ritmos,
percussões corporais e fim. Eles estão exaustos. Fiquei pensando em qual seria
um desafio para esta turma, algo que os colocasse em situação de risco e não de
conforto, algo que de alguma maneira desestabilizasse aquele harmonia aparente.
Para ver novas configurações, novas subjetividades, novas formas de conviver e
artistar. E então uma nova comanda. Sair caminhando em silencio pelo Bec, havia
ali exposições diversas, cartazes, desenhos, esculturas, etc. E lá foram os
artistas vocacionados em silencio absoluto pesquisar o ver. Ver simplesmente.
Ver. Este foi um desafio para eles. Saí de lá antes do fim, os pensamentos na
minha filha me assaltaram novamente e corri para casa.
A pergunta do educativo da Bienal
é uma sugestão de reflexão para este processo. Péricles pode ou não utilizá-la.
Sim?
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