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quarta-feira, 2 de outubro de 2013

Um jardim, um horizonte - AO Fernando Diniz (Musica Vocacional)

Ensaio artístico – mês de referência Agosto
A.O. Fernando Diniz
CEU Vila do Sol - ZS

Audio da canção citada abaixo:
"http://api.soundcloud.com/tracks/113541204%3Fsecret_token%3Ds-7ANGV"


Um jardim, um horizonte. 

“Construção que liga dois pontos separados”, foi a primeira definição para a palavra ponte que o dicionário me apresentou. Na prática “ela (a ponte) serve também para separar”, foi a definição que o pequeno grupo de vocacionados me apresentou. E eu fui pra casa tão abalado quanto uma ponte prestes a cair! Mas vamos do início.

Do Capão Redondo partiu a composição que me levaria até o CEU Vila do Sol, Jd. Horizonte Azul. Sou oriundo da periferia de São Paulo, mais precisamente Vila Nova Cachoeirinha. Pude conhecer de perto as várias possibilidades de se amontoar edificações construídas a partir recursos precários e sempre de maneira bastante engenhosa e criativa, porém muitas vezes perigosas. Morros, vielas, cortiços, barracos de todos os tipos e cores possíveis, sobretudo interligadas por uma trama de fios que conduzem energia elétrica (na maioria das vezes ilegalmente) para cada cômodo e que, por outro lado, dariam verdadeiras obras de arte. Mas naquele dia, a caminho da orientação artística, uma nova experiência iria acometer minha visão: uma pequena ponte que liga (ou separa) dois mundos completamente diferentes. De um lado, o mundo de quem quer ser ouvido, e o do outro, um mundo de quem nada se ouve.

Minha querida mãe certa vez teve uma intuição que mudaria minha vida: alugar uma casa perto do metrô. Na época, a verdade é que ela queria morar perto do trabalho, até aí tudo bem, continuo a atribuir-lhe certa perspicácia. E tudo mudou realmente. Simplesmente porque pude conhecer outras maneiras de se olhar a vida. A principal delas é que eu poderia escolher e trilhar meu próprio caminho, diferente do que os meus colegas até ali sentenciavam: “cara, da maneira que for possível, temos que ganhar dinheiro!” Eu sei da importância do dinheiro, mas algo ali me soava estranho. Esta visão cega desmitifiquei rapidamente: quanto mais se quer dinheiro mais distância ele toma de você. E foi aí que decidi investir em mim mesmo. Comecei a estudar música formalmente.

Agora dando continuidade. Causada por um exercício de reflexão proposto em uma das orientações, aquela definição foi como um soco em minha barriga. Sabendo que a principal referência musical daqueles jovens é o rap (e suas vertentes) decidi apresentar três canções que falavam da ponte, cada qual sob a ótica de sua realidade. A primeira, Lenine e Gog, “A ponte”, que diz principalmente de uma ponte construída em Brasília sob a denúncia de um grande esquema de corrupção. A segunda, Mano Brown (líder dos Racionais MC’s), música “Da ponte pra cá”, que retrata situações vividas no bairro Capão Redondo. E a terceira, Emicida, “Triunfo”, que diz do cara que decidiu usar de sua realidade para triunfar na vida. Primeiramente ouvimos cada canção. Em seguida li em voz alta cada letra e tornamos a ouvir as canções. Agora cada um deles apontava um verso que achou interessante, uma metáfora que lhe chamou atenção, ideias musicais e rimas, e etc. É importante notar que na semana anterior à orientação houve uma audiência pública (a primeira na região!) em que os jovens foram convocados para dizerem das questões importantes de serem solucionadas com prioridade na região, dentre elas a ampliação da tal ponte foi apontada.

Assim, entre muitas colocações e falas pontuais de cada um deles, sugeri que fizessem uma canção para retratar as angústias, desejos, quereres e tudo que achassem pertinente. Nem todos aderiram à proposta, no entanto dois deles deram início ao que futuramente será uma canção (ainda hoje vou orientado-os nessa proposta). O mais importante viria um pouco mais tarde: uma audiência pública agora tendo a presença do subprefeito e um vereador. Não vou discorrer aqui sobre tudo o aconteceu (estive presente nessa audiência) mas destaco a importância de mais de 10 jovens apresentando propostas e que boa parte delas traziam mais clareza do que as prolíxas palestras de cada político ali presente. O auge (dentro de minha percepção) se deu com a fala de um vocacionado: “você tá pensando que vir aqui e dizer que contruir uma nova ponte, mais larga e resistente, é a solução para os nossos problemas!? Pensa mesmo que somos imbecis?” Embora eu possa ter esquecido de uma vírgula ou outra certamente a semente que eu havia plantado ali germinou. E para minha surpresa, germinou da maneira mais autônoma que eu pudesse crer. Vi de fato a importância da orientação artística, vi o vocacionado protagonizando sua própria história, influenciando sua comunidade (a exclamação do jovem foi ovacionada por todos na platéia!). Vi claramente a diferença entre mundos que uma simples ponte pode instaurar.

Dentre todo o aprendizado e experiência que a convivência semanal com esses jovens vem me proporcionando, desejo nunca mais me esquecer daquele dia. A exclamação do jovem, a perplexidade estampada na cara dos adultos, quero tudo vivo em minha memória. Quero mais que história pra contar. Quero mais jardins. E como diz o poeta das ruas, Mano Brown, “Tenha fé porque até no lixão nasce flor”.

Abaixo uma canção que fiz e que ofereco de todo coração à comunidade do Jd. Horizonte Azul.



Horizonte (fernando diniz)
Tanto pra falar mas não chega do lado de lá
Só se atravessar a ponte
E a fonte
Nem sei se água é limpa…
Mas pelo menos tem.
Posso atravessar só que existe pra separar
E se vier polícia eu corro
Socorro!
Eu venho lá do morro
Mas sou de bem.
Nessa cidade, ou cedo vira homem
Ou nunca perde o medo de lobisomem
Necessidade, sorte ou destino?
Mas tempo nunca teve de ser menino
É o meu lugar e aquela ponte dá lá
Tem felicidade de monte
Horizonte
Com o mesmo céu azul
Que o centro tem.
Me deixe gritar para alguém que saiba escutar
E devolva meu sorriso
Preciso
Do céu como limite
Mas atrasou o trem.
Nessa idade, ou cedo vira homem
Ou nunca perde o medo de lobisomem
Necessidade, sorte ou destino?
Mas tempo nunca teve de ser menino


Foi feito upload do audio em um site. Aqui vai o link:

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e um segundo link (caso este acima não dê certo):

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