Páginas

sexta-feira, 2 de agosto de 2013

Primeiro movimento (?). Ensaiando-me: ensaio mapeamento, ensaio dúvidas, ensaio visões. Coord. equipe Luiz Claudio Cândido/ Vocacional Teatro/leste 3

(...)
Primeiro movimento (?). Ensaiando-me: ensaio mapeamento, ensaio dúvidas, ensaio visões.

O que mapear? Qual é a pergunta que me faço? Quais as visões que tenho?

Uma de minhas chaves de entrada: “O ensaio não é a articulação de um pensamento apenas, mas de um pensamento como ponta de lança de uma existência empenhada. O ensaio vibra com a tensão daquela luta entre pensamento e vida, e entre vida e morte que Unamuno chamava de 'agonia'. Por isso, o ensaio não resolve, como o faz o tratado, o seu assunto. Não explica o seu assunto, e neste sentido não informa aos seus leitores. Pelo contrário, transforma o seu assunto em enigma. Implica-se no assunto, e implica nele seus leitores. Este é o seu atrativo.” (FLUSSER, Vilém. Ficções filosóficas. São Paulo: EDUSP, 1998, p. 96).

Ensaiando. Ensaiando-me. Nada certo. Um breve olhar, uma certa percepção, estou tateante/tateando, à espreita, envolto em uma passividade ativa, em uma atenção flutuante. Neste momento, agarro-me em um título (que não se pretendia título) do meu primeiro ensaio do ano passado, “ (...) Terei eu a coragem de compartilhar meus rascunhos, inacabados, frágeis, inconclusos, cheios de brechas, lacunas, hiatos ou soçobrarei sobre o peso da escrita bem feita, eficaz e altiva, limpa e certeira? Eu quero correr o risco de uma escrita de múltiplas entradas, que compartilha as intensidades do meu processo de mapear e (me) convida/convoca ao movimento ininterrupto de reinvenção, de atribuição de sentidos não definitivos, absolutos, mas necessários e indissociáveis às singularidades de um tempo-espaço. (?) Lançar-me-ei. (?)”
 O risco dos primeiros escritos que adentram as nebulosas, que buscam mapear (cegamente – e ser cego aqui não tem uma conotação negativa) as relações que ainda não estão delineadas, que ainda estão regidas pelo assalto dos primeiros encontros, que não tem os contornos claros, iluminados, previsíveis, ditados e reproduzidos rotineiramente pelo apaziguamento do convívio, das tipologizações esculpidas, demarcatórias. Relações de contornos enevoados, borrados, desfocados, amorfos, estranhados, acentralizados. O risco dos primeiros escritos que buscam mapear antes do assossego, antes da ordenação, antes da instauração do discurso ‘agora eu sei falar sobre esta coletividade’, antes de saber onde é que estamos, rompendo com a segurança do ‘mais à frente eu saberei falar melhor sobre este coletivo’. Primeiros escritos que buscam mapear pelo avesso, que buscam mapear o não saber/a ignorância sobre a coletividade a qual estou inserido, o não saber suas regras, o não saber quais são seus deuses, seus monumentos erguidos. Mapear sem certezas, vacilante, gaguejante, hesitante, trêmulo, ineficiente. Um mapear que não se esgota, que é sempre inconcluso, sempre desejante de conseguir mapear aquilo que lhe escapa e que lhe escapa de novo e de novo e de novo e novamente. Mapear os desvios, as rotas de fuga, aquilo que foge da institucionalização – a cena dos artistas vocacionados do CEU Azul da cor do mar que não pode ser apresentada no sacro/solene recinto do palco/teatro mas que eclode na rua, numa organização clandestina, marginal. Mapear ensaindo(-me), atribuindo sentidos, que não estão dados a priori, sentidos transitórios, não fixos, voláteis.

Tateando pistas: algumas afirmações/problematizações que perpassaram pelo tempo-espaço de nossa equipe que me afeta/afetou de alguma maneira, me contaminou – o que ficou em mim e o que fiz com isso.

  • Os princípios do material norteador já estão claros. A experimentação dele é que ainda está para ser feita.
Ao contrário dos parâmetros da pedagogia tradicional, baseada no desenvolvimento progressivo e linear de seus alunos a partir de conhecimentos administrados pelo professor, o Programa Vocacional pretende adotar como metodologia a instauração de processos criativos. Sob tal pedagogia, o artista vocacionado não necessita da aquisição prévia de conhecimentos, técnicas ou habilidades. Através da experiência criativa, baseada na pesquisa cotidiana, ou seja, na formulação constante de perguntas ao ver-se diante das questões, lacunas, vazios instaurados pelos próprios processos de criação coletiva, ele poderá construir o conhecimento e expressar-se artisticamente, em diálogo com o artista orientador” (Revista Voccare, 2012, p. 23).

  • Como um indivíduo interfere na coletividade? Como viver juntos, com as diferenças, a heterogeneidade? Buscamos homogeneizar as coletividades?
“Como lidar com as diferenças e fazer delas uma situação favorável para a criação de algo, para a instauração de um processo criativo emancipatório? Buscou-se olhar as diferenças como diferenças de naturezas, pretendendo com isso resistir, ao menos, a uma hierarquização moralizante valorativa (bom, mal, melhor, pior, feio, bonito etc). Dito isso, poderíamos entender cada coletivo (Equipe, turma ou grupo) como portadores de uma dinâmica singular, na qual seus integrantes estabelecem relações entre si, em constante movimento. Sem sucumbir à tentação de eleger, de legitimar um modelo de coletivo a ser seguido, podemos, talvez, criar uma analogia entre as ilimitadas possibilidades de coletivos e os ecossistemas: “O ecossistema possui mecanismos relacionais que podem ser designados como intrínsecos ou extrínsecos. Os intrínsecos realizam as relações com a rede local, formando o seu microssistema, em contrapartida os extrínsecos, se inter-relacionam com outros territórios, trocam, importam e exportam informações e têm como pressupostos os meso e macrossistemas. Neste sentido, importa definir o espaço/território/ambiente que compõe o microssistema. Esse pode variar de forma considerável e contemplar desde o conjunto limitado de elementos, até uma múltipla e complexa rede de organismos. Entretanto, todo espaço/ambiente se caracteriza pela inter-relação, interdependência e influência que os elementos integrantes exercem entre si”[1]. Quais as regras de funcionamento de cada um destes ecossistemas? Como eles se mantêm? O que eles produzem? Como eles produzem o que eles produzem? Quais são as relações que se estabelecem nestes ecossistemas para manutenção e desenvolvimento deles? Como entender os coletivos e seus modos de produção como um sistema vivo e aberto?”. (Revista Voccare, 2011, p.)

  • O principal foco das orientações/coordenação é criar uma rotina de trabalho? É seduzir os artistas vocacionados/AOs para que eles gostem, que eles voltem? Há espaço para instauração/percepção de crise (entendida aqui não no seu sentido reativo, niilista, negativo)? Somos reféns da ‘alegria banal’? De que maneira a manutenção do ‘gostoso’ interfere na instauração dos processos criativos emancipatórios?

  • O encontro como ação cultural, como materialidade estética. Tensões entre política “velha” e micropolíticas. Coexistência do macro e micro.
“...incrível como toda aquela força reativa, toda a objetividade daquela política incubadora, daquele discurso instrumentalizante e produtor de pequenos poderes, ao se misturar com meus anticorpos, feitos no azeite dendê, produziram em mim uma vontade ainda maior de refletir sobre o silêncio. Sobre os diversos silêncios que encasulamos cuidadosamente à espera de uma brecha micropoliticamente ativa, viva! e que tenha ouvidos para ouvir a discordância, as dissonâncias, a opinião diversa, uma política da diferença e não do igual, única capaz de curar-nos da cegueira de uma unanimidade amorfa, perversa e histórica”. 

  • Quais são os valores que nos regem ao afirmarmos que tal material de estímulo (por exemplo, o Harlem Shake) é de “conteúdo duvidoso” ou “sem conteúdo”?
  • A forma democracia é inquestionável, ela é somente um espetáculo (falacioso)?
  • Como me posiciono nas orientações/coordenação? Eu assumo posição/estatuto/representação de Estado? Eu instauro uma relação de poder?
  • Se o foco é a instauração de processos criativos emancipatórios qual a pertinência da reunião geral?
  • Quando há o vazio, mantém-se o vazio ou/e este suscita um movimento de ‘galgar espaço de poder’? Há vazios em nossas orientações/coordenação? Como lidamos com eles? E quando (não) há uma liderança o que fazer?
  • Por que o artista vocacionado ‘saqueia’ o Harlem Shake, torna-o seu, profana-o, e o teatro não? O AO é a ‘entidade/instituição que legitima o que é teatro e, portanto, o detentor de suas leis’? Quais as possibilidades de se fazer teatro? O que é preciso para se fazer teatro? Onde está a teatralidade? Problematizamos a nossa concepção de teatralidade ou a enfiamos goela abaixo?
  • Artista vocacionado comparando o Programa Vocacional com uma oficina de teatro: “Aqui (Programa Vocacional) se faz outras coisas”. Pergunto-me: Quais são estas outras coisas?
  • Até que ponto a fala ‘bem articulada’ do artista vocacionado é reprodução do discurso do AO?
  • Quais são os procedimentos para cada turma/grupo? São os mesmos procedimentos? Qual a relação entre os procedimentos e as materialidades produzidas pelos artistas vocacionados? Os procedimentos adotados nas orientações delimitam uma estética?
  • Será que tudo a gente vai saber o que é?
  • O espaço da reunião de equipe: discussão de questões artístico-pedagógicas. O que são questões artístico-pedagógicas? Quais são as questões artístico-pedagógicas que cada um traz/seleciona para nossos encontros de equipe?
  • A gente tem algumas respostas (vacilantes, temporárias, em trânsito).

Algumas perguntas que me faço diante de nosso coletivo/equipe:
  • Como fomentar um espaço no qual as complexidades do ato de orientação possam vir à tona, tornando-se um material de reflexão coletiva (escapando dos fantasmagóricos esconderijos/calabouços privados, íntimos)?
  • Como fomentar um espaço no qual não haja a necessidade de (somente) afirmar as certezas, mas que possamos nos permitir ao encontro com a fala desconcertante/desconcertada do pensamento em formação, em ebulição, em ensaio, em processo?
  • Como fomentar um espaço no qual haja a exposição de nossas práticas artístico-pedagógicas e que, feito isso, possamos lançar olhares sobre ela, indo para além dos meneios das pessoalidades?
  • Como fomentar a percepção do complexo campo de força de cada coletividade a qual participamos durante a nossa estada/passagem pelo Programa Vocacional (turmas e grupos, Equipe, Projetos, Geral)?
  • A Equipe tem autonomia?

Visões:
Um ethos ensaístico, uma atitude ensaística. Um encontro ensaio, uma reunião ensaio, uma orientação/coordenação ensaio. O ensaio enquanto experiência existencial, enquanto forma de guerrilha.



[1] Zamberlan, C., Calvetti, A., Deisvaldi, J.,De Siqueira, HCH. Qualidade de vida, saúde e enfermagem na perspectiva ecossistêmica. Revista eletrônica Enfermaria Global. n.20, Outubro/2010. http://scielo.isciii.es/pdf/eg/n20/pt_reflexion2.pdf

Nenhum comentário:

Postar um comentário