Celebrações e identidades
AO Miranda de Amaralina /
Biblioteca Álvares de Azevedo
A
trajetória de vida de um indivíduo nunca pode ser encarada como um caminho
reto. Nossa experiência pessoal nos mostra que são muitos os fatores que nos
levam a tomar determinados rumos, a fazer escolhas do que queremos fazer, do
que queremos nos tornar. O que me fez tornar-me músico? O que me levou a optar
por trabalhar como arte-educador? Qual a relação entre minha experiência de
vida e minha forma de trabalho?
Estas questões me levaram a buscar, neste artigo, a
analisar a trajetória de vida da arte-educadora Rosângela de Macedo Santos, sua
formação como artista e arte-educadora, assim como sua atuação dentro do grupo
Sambaqui e as ações desenvolvidas por este grupo no Jd. Guarani, zona Norte de
São Paulo. Muitas vezes este olhar sobre o outro nos permite rever e repensar
nossa própria história e atuação.
Rosangela, em sua entrevista, nos diz ter nascido na
cidade de Rosário do Ivaí, no Paraná. Mas ainda bebê mudou-se para São Paulo
com a família, indo residir na zona Norte da cidade nos bairros de Vila
Brasilândia e depois Jd. Guarani. Ao ser indagada sobre seu contato com a
música ela respondeu:
“Cresci
ouvindo meu avô cantando cocos e emboladas com o acompanhamento dos ganzás de
lata de óleo que ele mesmo confeccionava, meu pai cantava aboios, emboladas,
folias e gostava de contar histórias de trancoso (mistério) e cordéis, minha
mãe passava os dias assobiando
Este contato cotidiano com elementos da cultura popular foi
ressignificado quando ela, aos 26 anos, entrou para o grupo Cachuera em 1996.
Segunda ela: Meu aprendizado é na
prática, necessito de tempo para digerir essas informações.
Minha trajetória de vida, como músico e arte-educador é
muito semelhante. Como Rosangela a música foi algo que esteve presente em meu
cotidiano, assim como meu contato com a cultura popular se deu através de um
saber/fazer e não de um processo formal de estudo.
“O meu interesse
pela cultura popular tradicional brasileira se deve a percepção de que nossa
cultura nos educa para a convivência, o fazer coletivo, o desenvolvimento em
comunidade, a resolução de conflitos pelo consenso, claro que isso só é
possível se estivermos alicerçados nos fundamentos das nossas tradições e não
no aproveitamento superficial, recortado apenas de algumas características. É
preciso que nos reconheçamos como comunidade/aldeia.”,
Dentro
desta perspectiva venho desenvolvendo uma ação com os vocacionados ligada as
festas de São João. Estas festas remetem não apenas a tradição popular cristã,
mas também a um conjunto de símbolos ligados a vida camponesa e em comunidade.
Ao trabalhar com os vocacionados os ritmos ligados a estas festas, como o xote,
o baião e o rastapé procuro, também,
discutir o contexto em que tais formas de expressão musical se desenvolveram,
assim como a sua relação profunda com a festas de São João.
Neste
sentido, as conversas com os vocacionados nas orientações foram muito
importantes para pensarmos a forma como iriamos construir o repertório da
mostra, se deveriam apresentar as composições que o grupo havia trazido e que
não tinham necessariamente relação com os festejos juninos.
Foi aí que
começamos a conversar sobre o significado da festa para cada um, as
experiências de vida com esta manifestação e principalmente, como deveríamos
construir a nossa mostra.
O
vocacionado Wagner contribuiu para a construção do repertório, falou sobre a
importância da música nesta festa, defendeu que deveríamos apresentar tanto as
canções que cada um trouxe para o grupo, quanto o repertório junino e então
poderíamos fazer um coro.Ele está no projeto desde o ano passado, adora a
música popular brasileira, seu instrumento é violão e gosta de cantar samba, se
interessou em participar este ano do projeto, porque quer aprender a tocar os
instrumentos de percussão.
Rosi
Cheque, por exemplo, é formada em jornalista, ficou incumbida de escrever o
roteiro e o texto da apresentação da festa. Há dez anos ela participa do
projeto Vocacional, já fez teatro, dança e agora está no vocacional música,
segundo ela, estou adorando participar
deste grupo de música. Descobri que
posso cantar e tocar percussão, eu não sabia que era capaz de fazer as duas
coisas. É uma descoberta... Eu adorei tocar
triângulo!
Daise Lu,
já era do vocacional teatro desde o ano passado, chegou muito animada para
fazer parte do grupo de música, participa das orientações nas quintas e nos
sábados. Segundo ela, gosta muito das orientações porque é um espaço do encontro entre os amigos,
momento em que ela pode fazer o que mais gosta:
cantar.
Daise Lu
escolheu para cantar na festa a canção - No
dia do meu casório – pois retrata a realidade do casamento de maneira muito
divertida. Têm 80 anos, viúva, mora
sozinha, durante as nossas conversas falou bastante das suas experiências
pessoais, suas alegrias e frustações ao longo da vida e encontrou neste grupo
um espaço para retomar algo que sempre gostou de fazer e também de realização
pessoal.
Neste
sentido, busco não só orientar os aspectos ligados diretamente ao fazer
musical, mas também trabalhar com eles os laços identitários, fundamentais
dentro da cultura popular e sempre presentes nestas formas de celebração.
Nenhum comentário:
Postar um comentário