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domingo, 4 de agosto de 2013

Orientação - CASA DE CULTURA ITAIM PAULISTA



Ensaio - Aberturas e fissuras na orientação artística-pedagógica do Programa Vocacional Dança

AO Thais Ponzoni
Casa de Cultura Itaim Paulista




“De um lado, um idioma que nos crie raiz e lugar. Do outro, um idioma que nos faça ser asa e viagem. Ao lado de uma língua que nos faça ser humanidade, deve existir uma outra que nos eleve à condição de divindade.” Mia Couto



Aberturas e fissuras

                 Aberturas e fissuras de afetações ao outro, ao mundo e ao ambiente permitem alterações e novas criações de estados em arte, ambientes e relações humanas. Relações de aberturas e afetações ao ambiente disponibilizam encontros entre contrários, seja uma opinião divergente, uma cultura, uma sociedade ou propriamente um estilo de dança. Culturas e povos permitem-se articular através da arte. O novo, o desconhecido não pode ser ocultado quando se podem criar um espaço entre dois estados que se diferem ou dois estilos e modos de fazer, pensar a dança.

               Abrir caminhos: deixar aliviar tensões e liberar fluxos de movimento.  Abrir caminhos para as articulações do corpo significa dar mais espaço para que o movimento possa acontecer. Abrir caminhos significa dar ao corpo articulações livres, ampliar espaços vazios no próprio corpo gerando flexibilidades não apenas nos movimentos, mas também nas ideias, no pensamento, nos estilos de dança, nas infinitas sequências de passos de dança e nos diálogos de fluxos de movimentos corporais, ou seja, na poética.

               Através de uma escuta do corpo pode-se chegar a uma busca pelo estado criativo como treinamento técnico e poético para além-sala de aula apropriando-se de si mesmo através do próprio corpo em atitude em seu cotidiano, dentro de sua casa, seu bairro, sua cidade. Ao criar metáforas das gestualidades possíveis antes de sair de casa numa simples e repetida ação (ao tomar banho, tomar café, arrumar a cama, caminhar) o artista se compromete com estados criativos nesta sociedade mantendo a atenção para a disponibilidade de provocar algo novo no mundo, permitindo-se afetar e afetar-se produzindo diversos tipos de “valores” e “leituras” de escolhas técnicas e artísticas.

A Orientação Artística - pedagógica

          Como orientar processos criativos e colaborativos em dança sem priorizar um único estilo de dança (danças urbanas, danças brasileiras, dança indiana, dança de salão, dança do ventre, ballet clássico, dança contemporânea etc ), considerando repertórios e histórias que cada corpo trás para um ensaio ou aula de dança?

          Aproximando os diálogos entre estes diferentes estilos de dançar e também de pensar a dança e compreendendo na prática a especificidade de cada tipo de dança e treinamento corporal contribui para a construção da história do corpo e do pensamento na dança contemporânea brasileira.

               Com o objetivo de criar novas possibilidades artísticas na cena da dança contemporânea brasileira o trabalho de Klauss Vianna vai trabalhar a escuta do Corpo através da escuta de si mesmo, do outro, do grupo artístico em questão e dos procedimentos criativos nas artes cênicas. Dentro das potencialidades e limites corporais de cada artista.

                  Na minha prática artística-pedagógica através do Programa Vocacional da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo busco em cada encontro a criação de uma dança autoral pautada em princípios de processos lúdicos, de vetorização e criação da cena a partir de diálogos entre educação somática e danças brasileiras onde as fronteiras dos 
estilos de dançar diminuam cada vez mais.

                É importante dar luz a uma escuta atenta do artista-orientador em relação a turma, grupo e realidade do lugar para saber “como” será  conduzido e orientado procedimentos artísticos-pedagógicos que na prática vislumbram esse fluxo de diálogo constante através da linguagem da dança. Tais procedimentos artísticos articulam como estratégias para avançar numa criação artística colaborativa inserida num contexto de interesses e diversidade de pensamentos, corpos, estilos e saberes em corpo; se faz fato a contribuição específica do trabalho do Klauss para os estudos do corpo e da prática artística ao propor outros olhares para a dança, outros saberes e suas relações de diálogo com outras danças e também com o teatro, pois se trata de uma técnica ou sistema profundamente ligado a atuação artística e pedagógica.

               Entendo que tais procedimentos criativos não são criados separadamente, pelo contrário, as metodologias em dança vão sendo desenvolvidas em constantes relações: professor/aluno; criação/pesquisa; artista que orienta/artista que é orientado. As trocas de saberes e diálogos quando colocadas em ações de estados de criação juntas convidam-nos a encontrar novas maneiras de criar que não sempre a mesma. Criando uma identidade própria para um trabalho de criação autoral, adquirindo autonomia de si mesmo não só em relação a dança e a criação, como também à um desenvolvimento de um corpo vivo no cenário social e cultural em que vive.

               Encontrar pessoas, grupos, turmas, artistas, performers para dançarem juntos, pensar e fazer artes no contexto do projeto e programa do Vocacional, cada região, bairro da cidade reunidos à um mesmo propósito: dançar.  Dançar a vida, a realidade, a cidade, dançar hoje. Dançar com o que se tem, o que se acredita, o que te move. Dançar com o corpo que possui abrindo caminhos de passagens poéticas nas estradas da vida.

               A cada encontro/aula busco por estados de atenção e escuta; um estado de presença para o “aqui e agora” através do contato e percepção entre pessoas, entre jogo, para habitar um espaço de comunhão consigo próprio, com o outro e com o espaço.

               Criando um ambiente com atenções dilatadas possibilita maior prontidão e disponibilidade criativa para o ensaio/encontro. É papel do artista-orientador, assim como de cada integrante participar ativamente dessa construção de um ambiente favorecedor de estados poéticos. Mas, como orientar procedimentos criativos que facilitam esse encontro arte-corpo-cultura-dança-técnica-poética-ambiente?

               Movimentar a coluna por um tempo específico produz alterações de padrões mentais e também comportamentais, modificando o estado “natural” de chegada à aula, abrindo espaço no respirar, no sentir, no perceber, nas articulações, deixando-se afetar, interagir mais consigo mesmo, com os outros e com o ambiente pode ser um procedimento que torna o corpo mais disponível para o trabalho, assim como também trocas de energias com o ambiente, alunos, professores, temperaturas, olhares, toques, texturas, sons, enfim diversas provocações que compõem com qualidades de percepções e estímulos de presença e criação.
                Também é possível propor algo externo para dialogar com a realidade e com os códigos de dança presentes numa turma. Exemplo: um texto, uma poesia, uma canção, um vídeo. Trocando códigos para que reflexões surjam dentro da especificidade do grupo. Exemplo: dança moderna e axé.

               O foco é na integração. Agregando saberes dentro de um mesmo coletivo. No entanto, leva-se um tempo para a apreensão de uma técnica, a técnica é a experiência biomecânica e poética que acontece a cada encontro. Muitas vezes é necessária a iniciação da experiência no corpo para compreensão clara de caminhos técnicos criativos no corpo. O trabalho de Klauss vianna compõe-se na sua essência de procedimentos investigativos corporais que não separam a criação da técnica, ou seja, o poético está junto da informação e treinamento corporal, por isso, ela facilita um processo criativo em dança.

               Para isso se faz necessário debruçar-se nas motivações artísticas-pedagógicas que estimulam o artista durante a investigação técnica e anatômica para um processo criativo estimulando o sujeito a buscar durante o próprio cotidiano uma atitude mais criativa e integrada com o mundo.

             Vivemos uma vida mais tecnológica, ágil e muitas vezes corremos o risco de permanecer num campo mais confortável onde não temos mais que caminhar longas distâncias para conseguir alimento, subir em árvores para ver a vida por outro ângulo, andar descalço na terra, subir em muros, atravessar rio, mergulhar, nadar, enfim, nossa vida fica mais automatizada, sedentária, limitada entre as possibilidades corporais. 

               É possível buscar mais complexidade nas ações criativas dos encontros e ensaios de grupo ampliando essa busca para uma vida mais criativa, adaptando-se às mudanças de ambiente para manter a constância de um estado criativo em diversos lugares tornando poroso o diálogo do corpo com o mundo de modo transformador alterando certos modos de produção, de pensar e fazer arte.

Referências bibliográficas:
Couto, Mia. E se Obama fosse africano? Companhia das Letras
Fernandes, Ciane. Pina Bausch e o Wuppertal Dança-Teatro. Repetição e Transformação. São Paulo: AnnaBlume.
Greiner, Christine . O Corpo - Estudos Interdisciplinares
Katzs, Helena. Um, Dois, Três, a dança é o pensamento do corpo. São Paulo: FLD Editorial.
Miller, Jussara. A Escuta do Corpo: Sistematização da Técnica Klauss Vianna. São Paulo: Summus 2007
Miller, Jussara. Qual é o Corpo que dança? São Paulo. Summus 2012.
Neves, Neide. Klauss Vianna, Estudos para uma dramaturgia corporal. São Paulo: Editora Cortez.

Rangel, Lenira. Dicionário Laban. São Paulo: AnnaBlume 2003

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