Ensaio - Programa Vocacional- Dança
Artista Orientadora : Rita Tatiana
Cavassana
Coordenadora artístico Pedagógica :
Yaskara Manzini
Equipamento: CEU
Jaguaré - Equipe: Centro- Oeste
Rede de Sentidos
Lembra do tempo que você sentia e sentir
era a forma mais sábia de saber e você nem Sabia?
Alice Ruiz
Este
ensaio deseja compartilhar como organizo meu pensamento sobre a dança, a partir das experiências vivenciadas
no programa vocacional, junto aos vocacionados e a equipe centro-oeste. O tema de reflexão será como o tempo
influencia no processo de criação, que tem como tema os cinco sentidos e a
movimentação que eles geram.
É necessário abrir
meus poros; como artista orientadora e provocadora dos encontros, para perceber
e atender as necessidades do equipamento que me encontro, assim como os desejos
e potencialidades dos vocacionados.
Ao voltar a atenção dos encontros para os
sentidos, tenho a intenção de despertar a escuta e tomada de consciência do
corpo dos vocacionados para o que acontece no e com o corpo. O sujeito não só
tem que ocupar o corpo mas, estar presente naquele instante. Trazer o
pensamento de pertencimento do corpo pelo individuo e enriquecer sua
experiência e reflexões sobre o que acontece em seu corpo. Percebi que estava
levando aos encontros pequenas experiências em relação a percepção mas, sem uma
reflexão atenta. Esta proposta ainda estava solta e aqui neste ensaio, encontro
espaço para debruçar sobre as descobertas realizadas juntos aos
vocacionados e as que surgirão neste processo.
Esta busca pelo sentido nasceu, pois, as relações entre a
mente e corpo é uma reflexão que sempre está presente nos encontros das minhas
turmas do programa Vocacional. Para alguns vocacionados é como se o cérebro fosse
o motor de todo o corpo, eu penso logo faço, não percebem que não é exatamente
assim que acontece, estamos
construindo um pensamento com todo o corpo. Todos os sentidos, articulações,
músculos e neurônios estão ligados produzindo um pensamento enquanto danço, não
posso dissociar o que penso do que faço na
dança.
Para provocar este embate entre corpo
em mente que passa um entendimento como se nosso corpo fosse somente uma
maquina que responde a estímulos vindos do cérebro. O Neurocientista Antonio
Damásio será um dos autores levados para provocar as reflexões. Damásio em seu
livro “ O Mistério da Consciência’’ de 2005, que a construção de sentidos é
através das relações do corpo com o ambiente, já estamos pensando e quando
tomamos a consciência, nosso corpo já “processou”, já pensou com os sentidos e
esta só as experiências.
“ o organismo
está empenhado em relacionar-se com algum objeto, e o objeto nessa relação está
causando uma mudança no organismo.” ( Damásio, 2005,
pg 175)
O
artigo “ Notas sobre a experiência e o
saber de experiência” de Jorge
Larrosa é outra importante referência, nos encontros a dupla Experiência/Sentido é (será) sempre
estimulada. Assim a experiência aqui será entendida como “ o que nos acontece, o que toca. A cada dia se passam muitas coisas,
porém ao mesmo tempo, quase nada nos acontece.”
Mesmo com as evasões
ou desistência por motivos alheios ou não a vontade do artista vocacionado, o
que se pretende é realizar em três horas um “acontecimento”, como uma
experiência que toque o vocacionado; e que possa desdobrar-se nos próximos
encontros ou se encerrar e deixar um rastro na memoria corporal. O que
transforma o encontro em uma ação cultural continuada que vai contaminando todo
o percurso até provocar novas percepções dos sentidos e criações relevantes aos
vocacionados.
Jorge Larrosa no
artigo citado acima diz “a informação não
é experiência. E mais a informação não deixa lugar para a experiência”, portanto
com tantos estímulos vindos das mídias, nas ruas, na internet, com todo o
volume de informação que hoje circula na sociedade, o corpo fica refém de
padrões instituídos pelo capital. Ter um novo dispositivo eletrônico, comer
naquele fast food ou o corpo sonhado
das modelos ou academias. Um corpo produto e não criador de significados,
talvez algumas pessoas ao se inscreverem no Programa Vocacional Dança, pensem
que irá encontrar este corpo
desejado do veiculo de massa. E por isso mesmo precisamos a partir das
experiências não responder perguntas, mas escutar as perguntas que surgem da
prática. A pergunta que faço a turma é neste momento: Será que estarei
construindo um corpo criador? Contudo há outras perguntas sendo escutadas e
sentidas pelo corpo como:
O que é o rastro da memória corporal?
Quais são as experiências que criaram este rastro?
Como podemos deste rastro construir um corpo criador?
O quanto nossa (minha como artista orientadora) prática esta
conversando com o meu “discurso”
ou com nossas teoria (Material norteador)?
Neste ensaio/reflexão o desejo é
construir uma rede de sentidos que provoque a memória corporal dos
vocacionados, que descubram os desejos através do prazer que a dança desperta
em cada corpo, que podem ser memórias de toques guardadas entre o osso e o músculo,
cheiros e sabores da infância, imagens de viagens, musicas internalizadas.
Assim o tempo terá que ser sentido nas suas cinco formar: tocar, saborear,
cheirar, ver e escutar o há eco do tempo no corpo.
TOCAR O
TEMPO
Na educação somática, (aqui tenho um foco
na Eutonia de Gerda Alexander) o toque massagear as partes do corpo do outro e
o seu próprio é uma das maneiras de trazer a consciência óssea e muscular. Contudo,
ao tocar meu corpo à procura do reconhecimento dos meus ossos e identificar
como é minha estrutura óssea, mais fina mais larga, possibilita entender também minha formação
genética, a historia de minha família e minhas relembrar vivencias da infância.
Neste viés estou também tateando minha historia ao compreender melhor como o
meu corpo se formou encontrando novas emoções e resgate de memórias corporais
perdidas, movimentos e danças esquecidas.
Os procedimentos de massagens levanta a
questão do toque, o quanto estamos distante dele e do cuidar do outro. Neste
tatear os músculos podemos perceber quantas couraças e sentimentos foram
marcando com o tempo o corpo. E como estas tensões podem gerar imobilidade do
corpo e das atitudes.
DO PALADAR AO OLFATO
No dia 27 de junho realizamos
uma ação de mostra processo interna, propus a turma uma troca de procedimentos
junto a comunidade. Nesta ação os sentidos do paladar e olfato foram
estimulados através de alguns procedimentos. O jogo que ficou conhecido como o “jogo
do cego” foi um dos realizados com os participantes da comunidade, no qual os
vocacionados levaram os convidados para passear no CEU de olhos vendados, este
procedimento podemos explorar a maioria dos sentidos pois, retirando a visão
podemos escutar melhor, os outros sentidos estão sempre ali ativos, já que o
corpo pode perceber .
Uma outra proposta para
trabalhar com os sentidos, foi fazer uma degustação de chá que todos
experimentavam sem saber qual era o sabor, depois de tentara adivinhar, eles
dançavam aquele sabor.
Pra finalizar lavamos as mãos
pra a partilha final que era uma mesa com café da tarde, a água tinha cheiros
diversos, alfazema, cravo e alecrim. Neste memento foi muito interessante a
reação dos participantes pois para eles os cheiros trouxeram lembranças.
Nesta ação foi importante para
turma identificar a relação do espaço do CEU e os sentidos, ocupando o espaço
dessa forma puderam perceber melhor o que é o CEU e mesmo ir a lugares que são
pouco habitados no equipamento. E talvez nesta tarde o sentido de pertencimento
do equipamento possa ter começado a florescer em alguns vocacionados. As
necessidades e possibilidades de ocupar um espaço que já pertence à comunidade, vai nasce das relações entre a descoberta
da arquitetura e o corpo.
OCUPAR MINHA VISÃO DO
ESPAÇO QUE OCUPO
Está pergunta sempre
me volta: Porque há muitas desistências e muita flutuação? Penso talvez que os
espaços dos encontros fazem com que o artista vocacionado sinta que o espaço
não é dele. Já que o todo, o CEU a
comunidade não ocupa, por achar
ele estranho, não entender qual e como ele é gerido. Neste caso, acho que a
falta de pertencimento da comunidade afeta muito o comprometimento, pois o
vocacionado ao ter a consciência de que tem que ocupar o espaço, para
interferir na estrutura a serviço dele e construindo um espaço junto a gestão,
poderá contribuir para o fortalecimento de ações culturais.
O uso de imagens da 29 bienal
de São Paulo provocaram perguntas e foi um procedimento ligado ao sentido da visão. Após uma
leitura das imagens realizamos alguns vídeos e perguntas
para usar como procedimento de composição coreográfica. A cada pergunta que
seria respondida estava associada a um dos sentidos. Assim para responder teria que usar este sentido
como estimulo.
A ESCUTA
Ao abri minhas percepções
sentidos estou escutando, aqui entendo que escuta não é somente no sentido
sonoro mas, nas observações e construções de relação que temos com o espaço e o
outro. Entendemos os limites nossos e do outro e assim passamos a perceber
melhor como agimos no mundo.
“ ... a vida do organismo é definida pela manutenção dos
estados internos à fronteiras. E a individualidade singular depende dessa
fronteira” ( Damásio,2005, Pg 178)
O trabalho que iniciei de
improvisação com as vocacionadas partiu de uma pequena célula que começamos a
criar desde o primeiro encontro. Nela cada um começou a identificar quais eram
as suas dificuldades e potencialidades. Ao abrir a partitura para transformação
de tempo, espaço, outros limites vieram a tona: o quanto estavam presas a uma
forma ou a relação com o fluxo do
movimento, as necessidades da pausas. Aos poucos não conseguiam sentir nos movimentos com mais fluidez.
A ideia do fluxo foi colocada
muito em relação a escuta do corpo, com a pergunta qual é o caminho que meu
corpo deseja trilhar? E aos poucos elas foram identificando quais eram os caminhos possíveis.
Este trabalho foi apenas um apontamento para buscar outras formas de composição
coreográfica.
OUTROS CAMINHOS
O processo iniciou com uma
turma com diferentes interesses e corpos de diferentes idades e limites
físicos, desde a senhora com osteoporose até pessoas com experiência com
estilos diversos de experiências corporais de capoeira ao samba rock. A demanda
da turma era outra também trabalhei durante um tempo a pedido dos vocacionados
o estilo de dança samba rock foi estudado, mas, deixei claro que não era uma
aula de dança de salão, sim uma troca de experiência com quem já dançava e um
lugar para a prática para quem tinha interesse em continuar se aprimorando.
No entanto, houve um
esvaziamento dessa demandas e foi criado um grupo com interesses parecidos,
explorar o corpo e a minha forma de expressão era o interesse da maioria. Neste
processo apareceram mais questões em nossas apreciações: o brega, o exagero de
situações e as relações humanas ligadas a este universo que tem um outro modo
de olhar para os sentimentos, das relações afetivas, muito diferente do modo
com que as pessoas interagem hoje com estas situações sentimentais.
Parece que este é um tema
apontado pelas artistas vocacionadas Camila Souza e Thais Pereira que estão
desenvolvendo o processo desde o mês de maio. Como Artistas orientadora e
articulando meu pensamento artístico junto ao material norteador, o trabalho de
percepção envolve todos os sentidos neste espaços junto aos vocacionados. É
minha função escutar com todo o corpo e fomentar, a articulação de situações para que as questões pinçadas realizaram-se no processo criativo emancipatório,
que permita a reflexão sobre o espaço que ocupamos e como ocupamos este espaço
começa no micro, o próprio corpo.
Referências:
António
DAMÁSIO, O Mistério da Consciência: Do corpo e das emoções do conhecimento
de si. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.
BONDIA, Jorge Larrosa. Notas sobre a experiência e o saber de experiência. Rev. Bras. Educ. [online]. 2002, n.19,
pp. 20-28. ISSN
1413-2478. http://dx.doi.org/10.1590/S1413-24782002000100003.
Nenhum comentário:
Postar um comentário