Páginas

quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Rede de Sentidos


Ensaio - Programa Vocacional- Dança
Artista Orientadora : Rita Tatiana Cavassana
Coordenadora artístico Pedagógica : Yaskara Manzini
  Equipamento: CEU Jaguaré - Equipe: Centro- Oeste

 Rede de Sentidos
Lembra do tempo que você sentia e sentir era a forma mais sábia de saber e você nem Sabia?
Alice Ruiz
Este ensaio deseja compartilhar como organizo meu pensamento sobre a dança,  a partir das experiências vivenciadas no programa vocacional, junto aos vocacionados e a equipe centro-oeste. O tema de reflexão será como o tempo influencia no processo de criação, que tem como tema os cinco sentidos e a movimentação que eles geram.
É necessário abrir meus poros; como artista orientadora e provocadora dos encontros, para perceber e atender as necessidades do equipamento que me encontro, assim como os desejos e potencialidades dos vocacionados.
Ao voltar a atenção dos encontros para os sentidos, tenho a intenção de despertar a escuta e tomada de consciência do corpo dos vocacionados para o que acontece no e com o corpo. O sujeito não só tem que ocupar o corpo mas, estar presente naquele instante. Trazer o pensamento de pertencimento do corpo pelo individuo e enriquecer sua experiência e reflexões sobre o que acontece em seu corpo. Percebi que estava levando aos encontros pequenas experiências em relação a percepção mas, sem uma reflexão atenta. Esta proposta ainda estava solta e aqui neste ensaio, encontro espaço para debruçar sobre as descobertas realizadas juntos aos vocacionados e as que surgirão neste processo.
 Esta busca pelo sentido nasceu, pois, as relações entre a mente e corpo é uma reflexão que sempre está presente nos encontros das minhas turmas do programa Vocacional. Para alguns vocacionados é como se o cérebro fosse o motor de todo o corpo, eu penso logo faço, não percebem que não é exatamente assim que acontece,  estamos construindo um pensamento com todo o corpo. Todos os sentidos, articulações, músculos e neurônios estão ligados produzindo um pensamento enquanto danço, não posso dissociar o que penso do que faço na dança.
Para provocar este embate entre corpo em mente que passa um entendimento como se nosso corpo fosse somente uma maquina que responde a estímulos vindos do cérebro. O Neurocientista Antonio Damásio será um dos autores levados para provocar as reflexões. Damásio em seu livro “ O Mistério da Consciência’’  de 2005, que a construção de sentidos é através das relações do corpo com o ambiente, já estamos pensando e quando tomamos a consciência, nosso corpo já “processou”, já pensou com os sentidos e esta só  as experiências.
  o organismo está empenhado em relacionar-se com algum objeto, e o objeto nessa relação está causando uma mudança no organismo.” ( Damásio, 2005, pg 175)
O artigo “ Notas sobre a experiência e o saber de experiência” de  Jorge Larrosa é outra importante referência, nos encontros  a  dupla Experiência/Sentido é (será) sempre estimulada. Assim a experiência aqui será entendida como “ o que nos acontece, o que toca. A cada dia se passam muitas coisas, porém ao mesmo tempo, quase nada nos acontece.”
Mesmo com as evasões ou desistência por motivos alheios ou não a vontade do artista vocacionado, o que se pretende é realizar em três horas um “acontecimento”, como uma experiência que toque o vocacionado; e que possa desdobrar-se nos próximos encontros ou se encerrar e deixar um rastro na memoria corporal. O que transforma o encontro em uma ação cultural continuada que vai contaminando todo o percurso até provocar novas percepções dos sentidos e criações relevantes aos vocacionados.
Jorge Larrosa no artigo citado acima diz “a informação não é experiência. E mais a informação não deixa lugar para a experiência”, portanto com tantos estímulos vindos das mídias, nas ruas, na internet, com todo o volume de informação que hoje circula na sociedade, o corpo fica refém de padrões instituídos pelo capital. Ter um novo dispositivo eletrônico, comer naquele fast food ou o corpo sonhado das modelos ou academias. Um corpo produto e não criador de significados, talvez algumas pessoas ao se inscreverem no Programa Vocacional Dança, pensem que irá  encontrar este corpo desejado do veiculo de massa. E por isso mesmo precisamos a partir das experiências não responder perguntas, mas escutar as perguntas que surgem da prática. A pergunta que faço a turma é neste momento: Será que estarei construindo um corpo criador? Contudo há outras perguntas sendo escutadas e sentidas pelo corpo como:
O que é o rastro da memória corporal?
Quais são as experiências que criaram este rastro?
Como podemos deste rastro construir um corpo criador?
O quanto nossa (minha como artista orientadora) prática esta conversando com o meu  “discurso” ou com nossas teoria (Material norteador)?
 Neste ensaio/reflexão o desejo é construir uma rede de sentidos que provoque a memória corporal dos vocacionados, que descubram os desejos através do prazer que a dança desperta em cada corpo, que podem ser memórias de toques guardadas entre o osso e o músculo, cheiros e sabores da infância, imagens de viagens, musicas internalizadas. Assim o tempo terá que ser sentido nas suas cinco formar: tocar, saborear, cheirar, ver e escutar o há eco do tempo no corpo.
 TOCAR O TEMPO
Na educação somática, (aqui tenho um foco na Eutonia de Gerda Alexander) o toque massagear as partes do corpo do outro e o seu próprio é uma das maneiras de trazer a consciência óssea e muscular. Contudo, ao tocar meu corpo à procura do reconhecimento dos meus ossos e identificar como é minha estrutura óssea, mais fina mais larga, possibilita  entender também minha formação genética, a historia de minha família e minhas relembrar vivencias da infância. Neste viés estou também tateando minha historia ao compreender melhor como o meu corpo se formou encontrando novas emoções e resgate de memórias corporais perdidas, movimentos e danças esquecidas.
Os procedimentos de massagens levanta a questão do toque, o quanto estamos distante dele e do cuidar do outro. Neste tatear os músculos podemos perceber quantas couraças e sentimentos foram marcando com o tempo o corpo. E como estas tensões podem gerar imobilidade do corpo e das atitudes.
DO PALADAR AO OLFATO
No dia 27 de junho realizamos uma ação de mostra processo interna, propus a turma uma troca de procedimentos junto a comunidade. Nesta ação os sentidos do paladar e olfato foram estimulados através de alguns procedimentos. O jogo que ficou conhecido como o “jogo do cego” foi um dos realizados com os participantes da comunidade, no qual os vocacionados levaram os convidados para passear no CEU de olhos vendados, este procedimento podemos explorar a maioria dos sentidos pois, retirando a visão podemos escutar melhor, os outros sentidos estão sempre ali ativos, já que o corpo pode perceber .
Uma outra proposta para trabalhar com os sentidos, foi fazer uma degustação de chá que todos experimentavam sem saber qual era o sabor, depois de tentara adivinhar, eles dançavam aquele sabor.
Pra finalizar lavamos as mãos pra a partilha final que era uma mesa com café da tarde, a água tinha cheiros diversos, alfazema, cravo e alecrim. Neste memento foi muito interessante a reação dos participantes pois para eles os cheiros trouxeram lembranças.
Nesta ação foi importante para turma identificar a relação do espaço do CEU e os sentidos, ocupando o espaço dessa forma puderam perceber melhor o que é o CEU e mesmo ir a lugares que são pouco habitados no equipamento. E talvez nesta tarde o sentido de pertencimento do equipamento possa ter começado a florescer em alguns vocacionados. As necessidades e possibilidades de ocupar um espaço que já pertence  à comunidade, vai  nasce das relações entre a descoberta da arquitetura e o corpo.

OCUPAR MINHA VISÃO DO ESPAÇO QUE OCUPO
Está pergunta sempre me volta: Porque há muitas desistências e muita flutuação? Penso talvez que os espaços dos encontros fazem com que o artista vocacionado sinta que o espaço não é dele.  Já que o todo, o CEU a comunidade não  ocupa, por achar ele estranho, não entender qual e como ele é gerido. Neste caso, acho que a falta de pertencimento da comunidade afeta muito o comprometimento, pois o vocacionado ao ter a consciência de que tem que ocupar o espaço, para interferir na estrutura a serviço dele e construindo um espaço junto a gestão, poderá contribuir para o fortalecimento de ações culturais.
O uso de imagens da 29 bienal de São Paulo provocaram perguntas e  foi um procedimento ligado ao sentido da visão. Após uma leitura das imagens realizamos alguns vídeos e perguntas para usar como procedimento de composição coreográfica. A cada pergunta que seria respondida estava associada a um dos sentidos. Assim para  responder teria que usar este sentido como estimulo.

A ESCUTA
Ao abri minhas percepções sentidos estou escutando, aqui entendo que escuta não é somente no sentido sonoro mas, nas observações e construções de relação que temos com o espaço e o outro. Entendemos os limites nossos e do outro e assim passamos a perceber melhor como agimos no mundo.
“ ... a vida do organismo é definida pela manutenção dos estados internos à fronteiras. E a individualidade singular depende dessa fronteira” ( Damásio,2005, Pg 178)
O trabalho que iniciei de improvisação com as vocacionadas partiu de uma pequena célula que começamos a criar desde o primeiro encontro. Nela cada um começou a identificar quais eram as suas dificuldades e potencialidades. Ao abrir a partitura para transformação de tempo, espaço, outros limites vieram a tona: o quanto estavam presas a uma forma ou  a relação com o fluxo do movimento, as necessidades da pausas. Aos poucos não conseguiam  sentir nos movimentos com mais fluidez.
A ideia do fluxo foi colocada muito em relação a escuta do corpo, com a pergunta qual é o caminho que meu corpo deseja trilhar? E aos poucos  elas foram identificando quais eram os caminhos possíveis. Este trabalho foi apenas um apontamento para buscar outras formas de composição coreográfica.



OUTROS CAMINHOS
O processo iniciou com uma turma com diferentes interesses e corpos de diferentes idades e limites físicos, desde a senhora com osteoporose até pessoas com experiência com estilos diversos de experiências corporais de capoeira ao samba rock. A demanda da turma era outra também trabalhei durante um tempo a pedido dos vocacionados o estilo de dança samba rock foi estudado, mas, deixei claro que não era uma aula de dança de salão, sim uma troca de experiência com quem já dançava e um lugar para a prática para quem tinha interesse em continuar se aprimorando.
No entanto, houve um esvaziamento dessa demandas e foi criado um grupo com interesses parecidos, explorar o corpo e a minha forma de expressão era o interesse da maioria. Neste processo apareceram mais questões em nossas apreciações: o brega, o exagero de situações e as relações humanas ligadas a este universo que tem um outro modo de olhar para os sentimentos, das relações afetivas, muito diferente do modo com que as pessoas interagem hoje com estas situações sentimentais.
Parece que este é um tema apontado pelas artistas vocacionadas Camila Souza e Thais Pereira que estão desenvolvendo o processo desde o mês de maio. Como Artistas orientadora e articulando meu pensamento artístico junto ao material norteador, o trabalho de percepção envolve todos os sentidos neste espaços junto aos vocacionados. É minha função escutar com todo o corpo e fomentar,  a articulação de situações para que as questões   pinçadas realizaram-se no processo criativo emancipatório, que permita a reflexão sobre o espaço que ocupamos e como ocupamos este espaço começa no micro, o próprio corpo.   

Referências:

António DAMÁSIO, O Mistério da Consciência: Do corpo e das emoções do conhecimento de si. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.
BONDIA, Jorge Larrosa. Notas sobre a experiência e o saber de experiência. Rev. Bras. Educ. [online]. 2002, n.19, pp. 20-28. ISSN 1413-2478.  http://dx.doi.org/10.1590/S1413-24782002000100003.











Nenhum comentário:

Postar um comentário