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quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Meu Ensaio dos Outros



Meu filho de 20 anos estava me perguntando sobre coisas dos anos 60. Queria entender o que significava eu ter dito a ele que os Beatles, quando surgiram, não nos pareciam algo muito diferente daquilo que Justin Bieber parece a ele e a seus amigos hoje. Essa conversa veio porque ele tinha visto umas fotos em que achou o cabelo de Paul McCartney semelhante ao de Bieber, observação que indignou seu irmão, meu filho de 15 anos. Para este, tudo o que se refere aos Beatles é sagrado e não pode se aproximar da vulgaridade do garoto canadense. Expliquei aos dois que os Beatles de "I wanna hold your hand" tinham para o grupo de pessoas que eu conhecia - tanto na Bahia quanto no Rio - mais ou menos o mesmo significado que Bieber tem para eles agora.
Do Blog de Caetano Veloso


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E as políticas de cultura do País, estão dando o melhor a essa população ou apenas reforçando estereótipos?

Políticas de cultura não devem "dar" nada para a população. Isso se parece com promessa velha de político acostumado ao ar condicionado no disco voador: "Vou levar cultura para as favelas". A imagem tradicional era a favela como vazio cultural que devia ser iluminada com arte de fora. Os próprios favelados já deram a resposta: "Qual é, mané, o que não falta aqui é cultura". As políticas de cultura, então, precisam trabalhar junto com o que já acontece em cada lugar, possibilitando uma melhor circulação de informações e contribuindo para ampliações de horizontes de maneiras de fazer arte, que foram criadas muitas vezes aos trancos e barrancos (ou dentro de barracos). Outro dia vi um censo cultural realizado com jovens de áreas "ex-pobres" - expressão inventada pelo MC Papo, rei do reggaeton mineiro - do Rio revelando uma maioria absoluta que nunca tinha ido a um show musical. Conheço bem as áreas onde a pesquisa foi aplicada e sei que essa rapaziada frequenta baile funk com muitas apresentações ao vivo. Aquilo não é considerado show musical? Por quem, o pesquisador ou o pesquisado? Show musical é o quê? Só o que acontece no Citibank Hall?

O sr. foi um defensor dos CEUs e dos Telecentros da então prefeita Marta Suplicy. O que achou do Vale Cultura, apresentado pela agora ministra?

O Vale Cultura não foi inventado pelo ministério Marta. Tem longa história de formulação e debate, anterior até à data de 2009, quando foi para o Congresso. Na época, o então ministro Juca Ferreira já precisou atacar a opinião de que o dinheiro "não deveria ser usado em baile funk". Juca seguiu o pensamento de Gilberto Gil, que numa de suas melhores frases como ministro disse: "Cultura ruim também é cultura". É isso, não tenho o que acrescentar porque sei que Gil e Juca sabem que funk não é cultura ruim. Gil até já cantou, em declaração de amor para o Rio, "quero ser teu funk". 

Então o sr. concorda com a resposta da ministra aos críticos do Vale Cultura: 'Se quiser comprar revista de quinta categoria, pode' e 'compra porcaria quem quiser'?

É engraçado: quando a política deixa o mercado decidir como o incentivo vai ser usado, é acusada de sustentar cultura de mercado com dinheiro público. Quando quer corrigir "distorções do mercado", como o fato de a região Sudeste acabar com a maior porcentagem do dinheiro da Lei Rouanet, é acusada de dirigismo cultural. Parece que todos preferem o imobilismo - que o ministério não proponha política nenhuma. Não morro de amores pelo Vale Cultura, mas encaro sua implementação como uma experiência. Por que, de antemão, achar que ele vai ser usado só em porcaria? Essa é a imagem que temos do tal "povo", coitadinho, que precisa de nossa orientação para saber o que é bom. E se for assim, por que esses críticos não partem para a porta das fábricas para ensinar ao povo o que é bom, com serviço de van grátis direto para a Sala São Paulo? 
Há quem veja, no entanto, um empobrecimento nas manifestações artísticas de hoje, especialmente se lembrarmos do samba de raiz de Cartola e Pixinguinha, por exemplo. Não há em seu discurso uma certa correção política que impede a crítica?

Cito mais uma vez Gil: raiz para mim só de mandioca. Samba é música moderna, criada no início do século 20, inclusive com a invenção de instrumentos novos, como o surdo, criado a partir de tonéis industriais. Tudo muda, o tempo todo. Ficou mais pobre? A partir de que critério?
(grifo meu). Sei que o relativismo está fora de moda. Nem ligo: sou relativista incorrigível, cada vez mais radical. Constantemente me pego fazendo coro para Hêmon brigando com seu pai Creonte, em Antígona: "Guarda-te, pois, de te apegares a um só modo de pensar, crendo que o que dizes, e por seres tu que o dizes, exclui qualquer outra possibilidade de ver e sentir as coisas". Não tem quem me convença que há um fundamento estético único a partir do qual podemos decretar o empobrecimento ou o enriquecimento das criações humanas. Mas digamos que há: então encontro no funk muitos elementos que o tornam superior a uma sub-MPB que tentam me empurrar como música de qualidade. O tamborzão do funk salvou a música brasileira na virada do século 20 para o 21.
Entrevista do jornal “O Estado de S.Paulo” com Hermano Vianna.

O que Stockhausen deixou claro: a arte pode ser perigosa. A arte é uma coisa perigosa. A arte busca o máximo de vida — arte não vai matar, a arte não procura matar (salvo quando a arte vira vida, caso em que pode matar: o suicídio de Mishima): isso não impede que o máximo de vida, na vida como na arte, seja o oposto da vida, o oposto da arte — mas o oposto da arte ainda é a arte (grifo meu). Há toda uma arte da destruição e uma arte da morte, que os eufemismos designam por termos como “funerária”, “necrológica”, e que é no entanto aquilo que é: uma arte da morte. A arte da morte em momentos excepcionais emerge em eventos de todo fora do usual: Stockhausen a viu. As palavras que usou podem ter sido excessivas, para ouvidos endurecidos (os nossos todos) e o momento, inadequado.Como “arte da morte” pode ser demais, quem sabe se poderia recorrer ao eufemismo complicado “estética negativa”. Há palavras mais ocamente mediáticas: estética da destruição, estética do mórbido. A arte contemporânea abre amplo espaço para vários desses casos, casos de uma arte perturbadora e tão perturbadora que é como negativa: os carros acidentados nas serigrafias de Warhol; as instalações ameaçadoras de Beuys cheias de detrito e entulho, restos de uma destruição e ameaçadores eles mesmos (Último espaço com introspector 1982).E uma ocorrência da arte em especial que, vista em retrospectiva, surge como sinistramente premonitória: a escultura de Tinguely Homenagem a New York que em 1960 foi preparada pelo artista para se autodestruir ao final de uma performance e que assim o fez no jardim de esculturas do MOMA: entrando em funcionamento e desenvolvendo-se em sua ação, a escultura corria rumo a sua própria fenomenal, desastrosa aniquilação. E tantas outras. Não é preciso apoiar Stockhausen mas é necessário compreender o universo a que alude.
Teixeira Coelho, “A Cultura e seu Contrário”
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Notas e fragmentos: redeando os textos acima com o material norteador. Acho que estes textos já falam por mim e pelas minhas questões. Mas vamos exercitar a escrita.Já que utilizei esta linguagem fragmentada, deixo tudo com uma cara “hipster” colocando umas #hastags
Questão primeira, primordial e fundamentadora, vamos lá:

-Justin Bieber já foi, um dia, os Beatles: e todos foram e são produtos de mercado. Mas e aí? Nego o poder de comunicação dos dois (dos quatro)? Prefiro procurar elementos que possam, um dia, tornar o menino Bieber imortal, como hoje são os Beatles. O que ambos falam com (e sobre) os jovens? O que, eu como artista, preciso reconhecer nesta comunicação e que a minha arte pode também usufruir? Brecht dizia que o estranhamento é ver o mundo com olhar histórico. A tão falada coleção de livros “Crepúsculo”: as questões, trazidas pela saga, sobre o amor e a estética romântica podem ser encontradas facilmente em “Os Sofrimentos do Jovem Werther”. (e o fato de eu preferir os versos de Goethe a prosa de Moyer, revela meu gosto pessoal, apenas). Prefiro refletir como o romantismo permaneceu e/ou se transformou nestes 200 anos do que ficar bradando um “esvaziamento” cultural (mesmo porque, não acredito que a cultura possa se esvaziar). É comum colocarmos esses produtos de mercado como o oposto do que seria algo artístico. O que há de tão perigoso nestes elementos para a arte? Ao meu ver, nada. Para arte, nada. Mas refaço a pergunta: o que tem de tão perigoso nestes produtos de mercado para o artista? Se concordo com o texto de Teixeira- o contrário da arte também é arte- então eu não quero reconhecer que, pelo fato de colocar este universo mercadológico na contramão da arte, eu ratifico esses elementos como arte? #pesquisadoartistaorientador  #formaeconteúdo #meiosemodosdeprodução

- Uma ação cultural que trabalha com a cultura do local: leia-se local como desde o espaço da sala de ensaio, passando pelo equipamento, até a comunidade. Buscar interferir como outro, como alteridade. Artista-Orientador: artista como ser da alteridade, apresentando o meu “estranho”, minha forma de ver o mundo.Orientador como o responsável pela busca do diálogo: e se essa alteridade não reverbera no espaço?Quais procedimentos, quais estratégias? Começar do zero, por que não? O que da minha arte é tão magnífica que eu não posso deixá-la de lado em nome do teatro? As palavras de Hermanno me fazem eco: a população não é uma coitada esperando o “bom colonizador-artista-orientador” que vai deixar o “cachorro com a cara do dono”. #emancipação #mestreignorante #esvaziamentoculturaléumabobagem

A emancipação do teatro: a única coisa que posso emancipar o vocacionado é na linguagem teatral. Nisso eu posso: apresentar seus princípios, seus caminhos e sua comunicação particular com o mundo. O teatro, em si, é emancipador, dentro da definição dada pelo M.N. (já não tenho a mesma opinião sobre a dança, a música e as artes plásticas, nesta ordem crescente de desconfiança). Eu apresento as letras, as palavras, as frases, e vai do vocacionado escolher se faz uma poesia, uma carta, ou um manifesto.A ação do vocacional funcionando como o “Vale-Cultura” (mas preciso expressar: Meu Deus, que nome horroroso!) : uma experiência – e compartilho do pensamento de H. Vianna que políticas culturais deveriam se pautar mais pela experiência (tentativa e erro) do que pelo imobilismo. Apresentamos os modos e meios de produção do teatro, apresento como eu utilizo os modos e meios #pesquisadoartistaorientador, como eu faço uso da materialidade criada. E proporciono a liberdade do vocacionado de utilizá-la da sua maneira #éencontroenãoauladeteatro

Rafael Truffaut - AO Teatro- CEU Sapopemba



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