Programa Vocacional dança –
2013
rAONI gARCIA
CEU SÃO RAFAEL
O mesmo lugar, mas é outro lugar. Aí é que está!
Segundo
ano de equipamento, nova gestão, nova coordenação, os mesmos especialistas e
equipe de concursados, o mesmo artista-orientador, na tentativa de ter alguns
mesmos jovens vocacionados. Nesse segundo ano, formou-se uma nova turma de
novos, mas não tão jovens, vocacionados, na faixa etária da ‘a melhor idade’.
Reflito
sobre parte de minha experiência criadora no CEU São Rafael, extremo leste da
cidade de São Paulo. Lá onde a linha de ônibus 3065 – Jd. Santo André não
existe mais, lá onde passará próximo, mas não tão perto, o monotrilho, lá onde
falta calçada, lá onde é frequente a falta de luz, lá onde rapidamente o convívio
se transforma em amizade, em afeição, lá onde a nova gestão do CEU transformou
o equipamento frio, vazio que conheci ano passado em um lugar habitado, ocupado
pelo entorno, quente, com piscina e tudo mais.
Manter-me
no equipamento foi uma iniciativa tanto dos vocacionados, quanto minha e do Programa
Vocacional para que déssemos continuidade ao que havia sido fomentado no ano de
2012. Ao retornar ao equipamento quatro meses e meio depois pude perceber o
cenário diferente, trabalhar com adolescentes naquela realidade local e
estabelecer vínculos com uma lacuna de quarto meses e meio pareceu incerto. Chega
um momento, por volta dos 17 anos, que além dos estudos, na maioria das vezes
(tratando-se em artistas vocacionados), trabalhar é uma importante e necessária
tarefa no cotidiano dos jovens da comunidade. E assim não é diferente no Parque
São Rafael, apenas duas vocacionadas retornaram aos encontros, mas sem total
engajamento, por questões pessoais e diversas (filhos, auto-escola, trabalho,
etc), o que inviabilizou a experimentação de uma processo criativo continuado,
constituindo-se uma nova turma com um perfil inédito na minha experiência de
trabalho. O agrupamento que se configurou como a turma de dança do Programa
Vocacional No CEU São Rafael foi de mulheres entre 26 e 70 anos, tendo presentes,
em alguns momentos, jovens de 16 a 18 anos.
Reencontrar
o equipamento - O retorno em Abril se deu num momento específico de troca de
governo, onde os funcionários trabalham sabendo que poderão ser desligados a
qualquer momento. Nas conversas com os integrantes do NAC (Núcleo de Ação
Cultural), olhando nos olhos dessas pessoas (algumas ali há 8 anos),
percebia-se um vagar de destino, um : “E agora o que é que eu vou fazer?”. Não
há dúvidas quanto as transformação que a nova gestão instaurou no equipamento.
O que frio e vazio se tornou quente e cheio. Diversas atividades para a
comunidade começaram ou voltaram a acontecer, como festa junina, o uso da
piscina, mostra de arte, ocupação do espaço externo com o grafite e muitas
outras coisas que estão mantendo o CEU São Rafael a todo vapor, (re) ocupando
seu lugar de referência para o entorno.
O
artista-orientador como agente cultural da comunidade - Em muitos momentos era
assim que me percebia, fomentando diferentes referências motoras (dança) e
sonoras (música) nos encontros de dança do Programa Vocacional. Participar do
cotidiano da semana, acompanhando as diversas atividades que acontecem no
equipamento e no entorno, como o grupo da terceira idade às segundas de manhã,
as caminhadas diárias às 7h no equipamento, o grupo de nutrição que acontece no
posto de saúde em frente ao equipamento, e as comemorações mensais dos
aniversariantes, com um café da manhã compartilhado, onde as histórias surgidas
de conversas informais sempre me causavam surpresas e aprendizados. Cada artista-vocacionada
da melhor idade é um universo de humanidade. Suas declarações, seus relatos,
suas memórias, seus corpos livres disponíveis ao prazer motor. Ao contrário dos
adolescentes que, na maioria das vezes, são tímidos com o próprio corpo.
Biografias sempre me acessaram diretamente. E ficou o desejo de desenvolver uma cena onde
cada uma falasse alguma dessas ‘frases de efeito’ que escutei durante esses
oito meses de convívio: quando uma jovem senhora diz que é bisavó, quando a
Irene Rogati, de 54 anos, diz que está se formando em psicologia, quando a
Severina – uma senhora de 65 anos firmes anos – conta seus casos no tom de voz
todo seu, quando, quando a Fátima Ricardo de 55 anos, diz que sua mãe sempre
afirmou que ela não tinha jeito pra dança, e tantas outras histórias cotidianas.
Enfim não foi para esse lado a criação desse ano, mas conseguimos investigar
uma dança que contemplasse a expressão de cada artista-vocacionado, numa
composição livremente inspirada nas diagonais do espaço de Rudolf Laban, ao som
de Eleanor Rigby dos Beatles e uma
coreografia composta da compilação de movimentos propostos por todos em
parceria com o coral do Projeto Guri de música que acontece no CEU São Rafael
(onde a filha de uma das vocacionadas integra o coral).
Um novo lugar a cada dia, a cada agrupamento que se
configurava a cada encontro. O exercício de constituir um vocabulário (de
movimento) comum, como ferramenta para o jogo cênico. A repetição como potência
transformadora no processo de criação, viabilizando a consciência corporal e
espacial através dos encontros de criação e prática em dança as terças e
quartas de manhã cedinho.
“São Mateus não é um lugar assim tão longe.” Já cantou
Rodrigo Campos, músico da ‘nova’ MPB. O centro de referência para o CEU São
Rafael, é o centro de São Mateus, com o largo, o terminal de ônibus, a confusa
rua Mateo Bei, todas as vezes que eu passava por aí eu me recordava do trabalho
desse músico, que é cria daquela região. “São Mateus não é um lugar assim tão
longe.” Ora concordava, ora descordava. Às vezes eu fazia caminhos diferente,
fazendo outras combinações de baldiações para ir conhecendo essa região por
dentro, grande, vasta, potente. Após os encontros, tenho a lembrança retornar
para casa com os ecos do que havia acontecido no encontro, colocações dos
vocacionados, concluções formuladas por aquelas individualidades que se
mostravam realizadas no prazer motor da dança e criação cênica / coreográfica.
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