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segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

O mesmo lugar, mas é outro lugar. Aí é que está!

Programa Vocacional dança – 2013
rAONI gARCIA
CEU SÃO RAFAEL

O mesmo lugar, mas é outro lugar. Aí é que está!
Segundo ano de equipamento, nova gestão, nova coordenação, os mesmos especialistas e equipe de concursados, o mesmo artista-orientador, na tentativa de ter alguns mesmos jovens vocacionados. Nesse segundo ano, formou-se uma nova turma de novos, mas não tão jovens, vocacionados, na faixa etária da ‘a melhor idade’. 
Reflito sobre parte de minha experiência criadora no CEU São Rafael, extremo leste da cidade de São Paulo. Lá onde a linha de ônibus 3065 – Jd. Santo André não existe mais, lá onde passará próximo, mas não tão perto, o monotrilho, lá onde falta calçada, lá onde é frequente a falta de luz, lá onde rapidamente o convívio se transforma em amizade, em afeição, lá onde a nova gestão do CEU transformou o equipamento frio, vazio que conheci ano passado em um lugar habitado, ocupado pelo entorno, quente, com piscina e tudo mais.
Manter-me no equipamento foi uma iniciativa tanto dos vocacionados, quanto minha e do Programa Vocacional para que déssemos continuidade ao que havia sido fomentado no ano de 2012. Ao retornar ao equipamento quatro meses e meio depois pude perceber o cenário diferente, trabalhar com adolescentes naquela realidade local e estabelecer vínculos com uma lacuna de quarto meses e meio pareceu incerto. Chega um momento, por volta dos 17 anos, que além dos estudos, na maioria das vezes (tratando-se em artistas vocacionados), trabalhar é uma importante e necessária tarefa no cotidiano dos jovens da comunidade. E assim não é diferente no Parque São Rafael, apenas duas vocacionadas retornaram aos encontros, mas sem total engajamento, por questões pessoais e diversas (filhos, auto-escola, trabalho, etc), o que inviabilizou a experimentação de uma processo criativo continuado, constituindo-se uma nova turma com um perfil inédito na minha experiência de trabalho. O agrupamento que se configurou como a turma de dança do Programa Vocacional No CEU São Rafael foi de mulheres entre 26 e 70 anos, tendo presentes, em alguns momentos, jovens de 16 a 18 anos.
         Reencontrar o equipamento - O retorno em Abril se deu num momento específico de troca de governo, onde os funcionários trabalham sabendo que poderão ser desligados a qualquer momento. Nas conversas com os integrantes do NAC (Núcleo de Ação Cultural), olhando nos olhos dessas pessoas (algumas ali há 8 anos), percebia-se um vagar de destino, um : “E agora o que é que eu vou fazer?”. Não há dúvidas quanto as transformação que a nova gestão instaurou no equipamento. O que frio e vazio se tornou quente e cheio. Diversas atividades para a comunidade começaram ou voltaram a acontecer, como festa junina, o uso da piscina, mostra de arte, ocupação do espaço externo com o grafite e muitas outras coisas que estão mantendo o CEU São Rafael a todo vapor, (re) ocupando seu lugar de referência para o entorno.
O artista-orientador como agente cultural da comunidade - Em muitos momentos era assim que me percebia, fomentando diferentes referências motoras (dança) e sonoras (música) nos encontros de dança do Programa Vocacional. Participar do cotidiano da semana, acompanhando as diversas atividades que acontecem no equipamento e no entorno, como o grupo da terceira idade às segundas de manhã, as caminhadas diárias às 7h no equipamento, o grupo de nutrição que acontece no posto de saúde em frente ao equipamento, e as comemorações mensais dos aniversariantes, com um café da manhã compartilhado, onde as histórias surgidas de conversas informais sempre me causavam surpresas e aprendizados. Cada artista-vocacionada da melhor idade é um universo de humanidade. Suas declarações, seus relatos, suas memórias, seus corpos livres disponíveis ao prazer motor. Ao contrário dos adolescentes que, na maioria das vezes, são tímidos com o próprio corpo.
         Biografias sempre me acessaram diretamente.  E ficou o desejo de desenvolver uma cena onde cada uma falasse alguma dessas ‘frases de efeito’ que escutei durante esses oito meses de convívio: quando uma jovem senhora diz que é bisavó, quando a Irene Rogati, de 54 anos, diz que está se formando em psicologia, quando a Severina – uma senhora de 65 anos firmes anos – conta seus casos no tom de voz todo seu, quando, quando a Fátima Ricardo de 55 anos, diz que sua mãe sempre afirmou que ela não tinha jeito pra dança, e tantas outras histórias cotidianas. Enfim não foi para esse lado a criação desse ano, mas conseguimos investigar uma dança que contemplasse a expressão de cada artista-vocacionado, numa composição livremente inspirada nas diagonais do espaço de Rudolf Laban, ao som de Eleanor Rigby dos Beatles  e uma coreografia composta da compilação de movimentos propostos por todos em parceria com o coral do Projeto Guri de música que acontece no CEU São Rafael (onde a filha de uma das vocacionadas integra o coral).
         Um novo lugar a cada dia, a cada agrupamento que se configurava a cada encontro. O exercício de constituir um vocabulário (de movimento) comum, como ferramenta para o jogo cênico. A repetição como potência transformadora no processo de criação, viabilizando a consciência corporal e espacial através dos encontros de criação e prática em dança as terças e quartas de manhã cedinho.

         “São Mateus não é um lugar assim tão longe.” Já cantou Rodrigo Campos, músico da ‘nova’ MPB. O centro de referência para o CEU São Rafael, é o centro de São Mateus, com o largo, o terminal de ônibus, a confusa rua Mateo Bei, todas as vezes que eu passava por aí eu me recordava do trabalho desse músico, que é cria daquela região. “São Mateus não é um lugar assim tão longe.” Ora concordava, ora descordava. Às vezes eu fazia caminhos diferente, fazendo outras combinações de baldiações para ir conhecendo essa região por dentro, grande, vasta, potente. Após os encontros, tenho a lembrança retornar para casa com os ecos do que havia acontecido no encontro, colocações dos vocacionados, concluções formuladas por aquelas individualidades que se mostravam realizadas no prazer motor da dança e criação cênica / coreográfica.

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