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segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

A ESCUTA - Vânia Terra

Biblioteca Belmonte

Collège de France, 1976-1977.


A ESCUTA



Vozes con(dis)cordantes: poderia ser este um mapeamento de acertos e certezas, protocolo de decisões e metodologias - claras e objetivas. Trajeto retilíneo.  Garantia de um caminho seguro.

É antes, desenho descontínuo, errante, feito de tropeços, desfalecimentos e rachaduras.  Registro de percursos e buscas, encontro com o que não que não se estava buscando, os achados, uma travessia, mapeamento das "experiências". As escolhas pedagógicas e estéticas na orientação de duas turmas de teatro na biblioteca Belmonte (2013), as observações e atuação perante a realidade dada: corpos dotados de passividade; neutralidade; imobilidade.


Assim, os começos: eu, artista orientadora perante a mudez do outro– silêncio e ausência.

O Outro: artistas vocacionados compondo turmas mistas, formadas por indivíduos ditos “comuns” (alguns orientados pelo Programa há 3 anos, iniciantes e terceira idade) e pacientes do Capes, portadores de quadros clínicos (bipolares, depressivos crônicos, maníacos depressivos e demais). Em comum, a retração, a falta e o vazio (de presença e de palavras).

Da Partilha: O comportamento anti-social; o isolamento patológico; o estar só na presença de alguém (mesmo realizando uma atividade em grupo); ausentar-se; não se posicionar; não optar; a absoluta falta de pertencimento, o desprotagonismo.

Das Urgências: indagar-nos a formação do artista orientador e as especificidades em uma orientação artístico-pedagógica em turmas como estas. Saber qual o tipo de articulação e quais os procedimentos são necessários para gerar interação entreos diversos sujeitos e, enfim, realizar experimentos cênicos.

Encontro Notável: Roland Barthes. Aula do dia 16 de março de 1977 (BARTHES, Roland. Como viver junto: simulações romanescas de alguns espaços cotidianos).

Espaço do Viver–Junto: Barthes argumenta sobre a voz a partir da escuta. Escutar! Busca  que traz alguns deslocamentos e alterações. Necessário desenvolver uma escuta sensível e fluente para perceber as falas em dimensões sutis, as falas silenciosas, as palavras que não expressam, escutar/entender os desejos e as pulsões.

Dispositivo: Prudência! A prudência de saber esperar, oferecer estímulos, perguntas, inquietações, provocações, procedimentos. Saber esperar que o outro se descubra criativamente. Escutar!

Todos os ruídos me pertencem: ser claro e inteligível, relembrar Deleuze: “atrás da cortina nada há para se ver”. Simplificar a fala, o discurso, retirar-lhe as diversas inscrições e interpretações (o aparente e o oculto). Está tudo aqui, na relação dos corpos. Observar os corpos! Aceitar: muito/deveras escapa dos domínios da linguagem verbal. Escutar!

Rede polifônica de ruídos: onde começa o teatro e a invenção? Descobrindo os possíveis percursos, constituindo um “entre”, limitando um território minimamente fixo (lugar de encontro/vertigem onde cabe o Nós); compartilhando as dúvidas e revelando os processos. Por fim, subvertendo fronteiras. Entender que o teatro é a arte da partilha com um outro. Necessário estar/fazer junto. Convite à experiência estética; deixar-se influenciar a si próprio, deixar-se seduzir, ir ao encontro. Convite à viagem (à maneira de Larrosa).

De communis: nossa viagem/experiência tem início com procedimentos que nos incitam ao pertencer (a si, a muitos ou a todos). Assim, as canções (ouvir sua própria voz, constituir um conjunto de vozes); as imagens (fotografias e pinturas, fala expressa através de imagens); por fim, a palavra (poemas, relatos, entrevistas, canções, citações, receitas, orações, causos, dizeres, pragas, contação...). E o artista vocacionado? Gaguejou! Indivíduo falante em sequência cronológica: balbucio, gagueira, fala, discurso e prontidão.

Microterritórios: um eu falante e a experiência do dizer, revelação das vontades presentes: contar causos, experimentar o cômico, montar um texto (“fazer teatro de verdade”, segundo os vocacionados). Como ponto de partida o cômico e a montagem do texto “Nordestina”, dispositivos necessários para maiores deslocamentos (a descoberta de um universo musical, a criação a partir da espacialidade). Assim nós no aqui e agora em recusa à neutralidade e a fixidez. Como viver junto? 





Que se ouça!

(Fotografias de Robert Doisneau, 1977)

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