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segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

Experimentações : dramaturgia , tempo e espaço - Thaís Póvoa

Casa de Cultura de Santo Amaro

Projeto Vocacional Teatro.
Casa de Cultura Santo Amaro
Thaís Póvoa


Experimentações :   dramaturgia , tempo e  espaço.

Orientar uma turma (e não um grupo) dentro do Programa Vocacional este ano trouxe várias e diferentes inquietações desde o início deste processo.  A perguntas iniciais que me passavam eram as mais diversas: Como pensar uma proposta de projeto que não caia nas “formalidades” de uma iniciação teatral? Será que terei  vocacionados? Eles aparecem, somem, no outro sábado aparecem novamente, o que é isso? Posso chamar esse não compromisso de descompromisso ?  Mas eles estão vindo fazer “aulas” de teatro. E quando vem estão presentes.  Será que fiquei mal acostumada trabalhando com grupos? Mas uma turma também não é um grupo? Qual a diferença entre grupos e turmas?  Será que conseguirei desenvolver  um processo criativo emancipatório com pessoas que nunca se viram antes?
Por outro lado, eu teria um grupo: Anos Dourados, um grupo de meninas, como eu as chamo, todas maiores de 60 anos. Trabalhar com um grupo de terceira idade, que já tinha mais de vinte anos de história na casa de cultura,  dentro do Programa Vocacional, também apresentava-se como um desafio. 
No texto "Notas sobre a Experiência e o saber da Experiência" , Jorge Larrosa Bondia   afirma pensar a educação de um ponto de mais existencial e estético:  a partir do par experiência /sentido.  Para ele, a construção de subjetividade vem associada à produção de sentido, à criação de uma realidade. Para ele: “ a informação  é quase uma antiexperiência”  (...) “É experiência aquilo que “nos passa”, ou que nos toca, ou que nos acontece, e ao nos passar nos forma e nos transforma”.
A ida ao espetáculo Barafonda, da Cia São Jorge de Variedades, tornou-se o ponto de partida. O intuito inicial não tinha essa pretensão, mas pensando depois, o que eu deveria esperar depois de levá-los a um espetáculo com quatro horas de duração, que apresentava a primeira cena sendo como última, trazendo as histórias de moradores do bairro contadas por vezes pelos próprios moradores, com atores performando nas ruas, falando em Prometeu e Dioniso, tocando samba e distribuindo sopa na rua ?  Independentemente do gosto estético pela obra, este espetáculo os fez passar por uma experiência extremamente nova, que trazia desde a alegria de terem a figura de Prometeu como referência  e o êxtase de caminhar entre tantos, parando os carros, até o cansaço e esgotamento físico  que só não foram determinantes para pararem de acompanhar a obra no meio, em função da curiosidade, da vontade saber  onde é que tudo aquilo ia dar.
Começamos a usar a obra como modelo de estudo para nossos próximos passos. E os encontros seguintes passaram a cumpliciar com Brecht da noção de “imitação soberana”.  Na realidade a ideia de imitação acabou se tornando um dispositivo de apropriação para essa turma. A pergunta inicial foi: E se esse espetáculo acontecesse aqui nas ruas de Santo Amaro? Por que não experimentamos fazer isso com a nossa realidade? E foi aí que as perguntas começaram a se somar e a girar a roda de um processo criativo coletivo.
As três coisas que mais os impressionaram tinham a ver com a relação espacial, a relação documental e histórica e por, último, a relação dramatúrgica de conciliar tantas referências dentro de uma obra e essa reunião agregar sentido àquilo tudo.

“ Se a experiência é o que nos acontece, e se o sujeito da experiência é um território de passagem, então a experiência é uma paixão. Não se pode captar a experiência a partir de uma lógica da ação, a partir de uma reflexão do sujeito sobre si mesmo enquanto sujeito agente, a partir de uma teoria das condições de possibilidade da ação, mas a partir de uma lógica da paixão, uma reflexão do sujeito sobre si mesmo enquanto sujeito passional. E a palavra paixão pode referir-se a várias coisas”. (BONDIA, 2002.)

Eles começaram a ficar apaixonados pelas descobertas históricas que iam fazendo. A cada encontro traziam uma foto ou vídeo que víamos no celular. As participantes mais velhas gostavam de contar historias sobre como era aquele lugar antes de muitos terem nascido. Descobrimos juntos detalhes da história daquela construção que nos recebe todas as semanas, que foi o primeiro mercado de santo amaro, com um poço no centro, e chegou a receber os defuntos santamarenses para serem velados ali, e outras tantas histórias de figuras maravilhosas como Júlio Guerra e o Bento do Portão.  Fomos ao Museu de Santo Amaro.

Obra de Júlio Guerra

Retratos de Santo Amaro por Julio Guerra:





 Foto de Romeiros chegando ao Mercado (atual Casa de Cultura)


 Jornais da època

Lá também encontramos essas duas perguntas que reverberou em nossos próximos encontros:


 Descobrimos juntos que Santo Amaro era um município e tornou-se bairro de São Paulo porque se endividou com o Estado e começamos a questionar a relação social que se estabelecera ali. Um dos vocacionados  disse que a criação o fazia lembrar da obra “O cortiço”, de Aluísio Azevedo e no encontro seguinte estávamos lendo o primeiro capítulo juntos.  E brincando cenicamente.
Pensando a questão da relação espacial, fomos ver outro espetáculo no CCSP:Ulisses Molly Bloom, dançando para adiar, e o que mais os impressionou era o fato de haverem apenas dois atores em cena, propondo algo muito próximo ao que eles viram no espetáculo anterior. A ideia de fazer algo com uma estrutura pequena os inspirou a criar com seus próprios recursos. E novamente,  estávamos bebendo na ideia de modelo brecthiana quando no encontro seguinte um deles trouxe um tecido e refez sua cena a partir de uma imitação da disposição do cenário que ele tinha visto na peça, utilizando-se de objetos antigos cuidadosamente organizados ao redor.
Partindo da mesma lógica, assistimos "Nada aconteceu, tudo acontece, tudo está acontecendo" do Grupo XIX de Teatro



De repente estávamos falando de uma criação dramatúrgica. Eles começaram a escrever o que improvisavam. Gravar. Modificar. Repensar. Um dia ouvi da boca de um deles, que, caso eu não quisesse continuar aquilo, que eles fariam de qualquer modo, mesmo sem mim. E isso pra mim, está totalmente ligado o que Bondia fala da lógica da paixão. Por algum motivo, eles se apaixonaram coletivamente por isso e, mesmo quem chega, já vai sendo conduzido por essa paixão e também vai se apaixonando. Penso comigo que eles parecem um grupo no modo como estão conduzindo o trabalho juntos.  Por vezes acredito que essa nomenclatura mais atrapalha do que ajuda, uma vez que já orientei grupos que não tinham essa mesma paixão, mas se diziam “em pesquisa” .
Estamos vivenciando um processo criativo onde o texto aparece no decorrer do processo. Levei para eles o livro do Evil Rebouças: A dramaturgia e a encenação no espaço não convencional, e começamos a investigar grupos que trabalhem deste modo como o Teatro da Vertigem, a Cia São Jorge, o Grupo XIX, a Cia Artehumus, entre outros. 
  

Primeira proposta estrutural dramatúrgica coletiva


 No grupo Anos Dourados, pelo contrário, elas tinham uma necessidade muito grande da definição de uma dramaturgia inicial. Mesmo assim, continuei trabalhando com elas a partir da ideia do texto como material. 









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