Artista-Orientadora: Isis Andreatta
Vocacional Dança - Equipe Centro-Oeste - CEU Uirapuru
Coordenadora: Yaskara Manzini
Vocacional Dança - Equipe Centro-Oeste - CEU Uirapuru
Coordenadora: Yaskara Manzini
“Ou seja, em que medida podemos nos
construir um olho de Lászlo,
subir com ele ao mirante da ilha, não
só para conseguir acompanhá-lo
"terapeuticamente", mas
também para poder usufruir desse panorama
que supomos ser o seu
(...)” PELBART
(1993:66)
Vou [venho] de peito aberto, tateando
em mim uma espécie de “não saber” das coisas, localizando o meu
corpo em um estado de instabilidade e com a sensação angustiosa e
positiva de enfrentar o desconhecido com entusiasmo.
Começar no Vocacional já é em si
uma experiência de ser ignorante. Aquilo que apareceu nas minhas
mãos para nortear me deixa totalmente desnorteada e, no entanto,
move-me intensamente por isso; a solidão no equipamento faz com que
eu escute minha própria respiração, ora ofegante ora profundamente
dilatada e tranquila; o encontro com as inúmeras e diferentes
expectativas (as minhas, as de cada vocacionado, as da administração
do CEU, dos colegas de equipe, da coordenação) me proporcionam esse
tal de “jogo de cintura” fundamental; a distância física e de
realidade do equipamento fazem com que eu me aproxime cada vez mais
dos meus interesses e desejos. Essas e tantas outras “novidades de
cada dia” fazem do trabalho no Vocacional uma urgência necessária
que exige prontidão e envolvimento.
O propósito desse escrito é mapear
a instância do efêmero na atividade artístico-pedagógica,
discutir sobre o estar presente, reconhecer a atemporalidade como um
dispositivo potencializador dos processos com os vocacionados e
passar a contaminar a prática com o conhecimento gerado pela
intuição, aquele “não oral”, da experiência, do invisível,
de um modo que eu apelidei de “oriendançar”.
Para dar luz à discussão farei uso de algumas contribuições do
filósofo Peter Pál Pelbart coletadas do ensaio “A nau do
Tempo-rei” (1993) em que ele apresenta uma discussão a respeito do
tempo no contexto da loucura e que pode vir a contribuir muito com o
pensamento e atuação do Programa Vocacional.
Quando você está presente?
Existe um “problema” de público.
É preciso divulgar o Programa no entorno do CEU Uirapuru, pensar
estratégias e abrir portas para que alguns suspeitos interessados em
dança se aventurem junto comigo:
- Vamos fazer uma aula aberta na
ETEC1
? Você faz uma prática com eles, demonstra como funciona o
Vocacional Dança, conversa com os adolescentes e depois divulga o
horário das suas aulas?
- Isso, como se fosse uma aula-show,
pra que todos saiam de lá empolgados com a dança e você trave um
diálogo direto com os alunos de lá.
- Sim, vamos.
Fui. Chegando lá o (mal)entendido
foi realizar a atividade com todos os alunos simultaneamente, ou
seja, um encontro com cerca de 280 adolescentes. Faço meu
(re)planejamento às pressas já consciente que se trata de
estruturar “bóias” caso precise tomar um ar durante o mergulho
em apnéia que estava me propondo a fazer. Ofereceram-me uma caixa de
som, um microfone, uma quadra de futsal, 50 minutos e uma pequena
multidão. Estar presente foi uma questão de sobrevivência.
Não somente em situações limites
como a descrita anteriormente, percebo que a qualidade de abertura ao
tempo presente é uma poderosa ferramenta para a construção de um
ambiente de criação entre vocacionado e orientador. É preciso
estar junto, com o corpo, atento o suficiente para cada possibilidade
de conexão e entregue o suficiente para permitir-se experimentar de
verdade.
“(…) É um ponto que corresponde
ao jorrar do tempo. Deveríamos
poder estar ali onde começa o tempo, e com ele a possibilidade de
alguma forma, de alguma decisão, deixar jorrar o tempo para que
possa surgir o bom momento de se fazer alguma coisa.” (PELBART,
p.35,1993)
poder estar ali onde começa o tempo, e com ele a possibilidade de
alguma forma, de alguma decisão, deixar jorrar o tempo para que
possa surgir o bom momento de se fazer alguma coisa.” (PELBART,
p.35,1993)
Não se trata de uma entrega ingênua
ao imediato, do risco por si só ou de um “se vira nos 30”2.
O interessante no trabalho de orientação é quando existe empenho
na construção de um ambiente cuja atmosfera é a da investigação,
onde as tentativas alimentam a troca com os vocacionados e mantém o
encontro pulsante.
Esse espaço que existe entre o
planejado e o vivido é justamente o espaço do possível, do
invisível, por onde jorra o tempo, a oportunidade de emancipação,
o lugar de onde se descobre, de onde geram perguntas, a fissura, o
escape, o ar puro que atravessa pulmões sufocados de certezas...é
quando o corpo diz.
“Fazer
uma pergunta sobre o que realmente não se sabe é antes de tudo uma
curiosidade aguçada por um aqui/agora.”
(material
norteador) Chamaria essa
provocação do nosso Material Norteador de uma “prontidão
ignorante” e que precisa estar presente na prática do
artista-orientador. O desafio é oferecer-se ao espaço-tempo do
imprevisível com um compromisso ético e, consequentemente,
estético; tal como oferecer à intuição o mesmo status de validade
que se (pré)determina pertencer exclusivamente em relações
meramente conteudista entre o mestre e o aprendiz.
O desafio é propiciar as condições
para um tempo não controlável
, não programável, que possa trazer o acontecimento que nossas
tecnologias insistem em neutralizar. Pois importa, tanto no caso do
pensamento como da criação, mas também no da loucura, guardadas
as diferenças, de poder acolher o que não estamos preparados para
acolher, porque este novo não pôde ser previsto nem programado,
pois é da ordem do tempo em sua vinda, e não em sua antecipação.
(PELBART, p.36, 1993)
, não programável, que possa trazer o acontecimento que nossas
tecnologias insistem em neutralizar. Pois importa, tanto no caso do
pensamento como da criação, mas também no da loucura, guardadas
as diferenças, de poder acolher o que não estamos preparados para
acolher, porque este novo não pôde ser previsto nem programado,
pois é da ordem do tempo em sua vinda, e não em sua antecipação.
(PELBART, p.36, 1993)
Para cair de cabeça no desconhecido
é preciso desconhecer-se um pouco. Para “acolher o que não
estamos preparados para acolher” não basta apenas
teoria, formação, técnicas, muito menos uma lista de
procedimentos. Para instigar a (re)descoberta do corpo (e do mundo)
através da dança é preciso dançar junto. Orientar dançando é
reconhecer o seu corpo como ignorante, um corpo que descobre fazendo,
que não se satisfaz com a distância e a observação, que se
inquieta pelo movimento e através dele, um corpo que se joga – um
corpo que oriendança!
Estimular um ambiente de
inquietações com os vocacionados é, antes de mais nada, assumir-se
como um corpo ignorante, um “desconhecedor” de suas intensidades,
estados, impulsos, conexões e, ao mesmo tempo, um interessado na
descoberta desse universo invisível e paradoxal do corpo, recheado
de incertezas e impurezas que contradizem um sistema corporal
mecanicista e imperante e sugerem a nós experimentar uma
lentidão que não seja impotência, uma diferença de ritmos que não
seja disritmia, onde os movimentos não ganhem sentido apenas pelo
seu desfecho.
BIBLIOGRAFIA
PELBART, Peter Pál - “A nau do
tempo-rei: sete ensaios sobre o tempo da loucura” - Rio de
Janeiro: Imago Ed., f 993.
Janeiro: Imago Ed., f 993.
FARINA, A. DELMANTO, I et alii –
material norteador Programa Vocacional
1
Escola Técnica Estadual Uirapuru
2
Expressão
popular que tem origem no programa do Faustão da Rede Globo onde
pessoas competem sua capacidade de realizar diversas habilidades
durante apenas trinta segundos.
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