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segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

Da utopia palpável às contradições presentes: E(sboço) de um longínquo maio para um cortante concreto fim 2013

Cena do espetáculo T.E.C.E.R. da Cia Bastarda



Por Marcio Castro[1]




“O Programa Vocacional tem como objetivo artístico-pedagógico a prática cotidiana - em cada equipamento, em cada espaço público e em cada sala de trabalho - da emancipação. Assim, a emancipação não é uma utopia longínqua, a ser perseguida em devaneios, mas é formada por práticas constantes de liberdade e reflexão, de ação e de apreciação sobre o fazer artístico, em infinito processo de investigação e descoberta.”[2]

Maio. Ao iniciar o ano com as orientações artísticas no CEU Aricanduva, acontecimentos verteram aos olhos que foram impossíveis de não serem relevados. Estes acontecimentos diziam respeito aos três grupos de orientação presentes no equipamento. Um dos grupos é a já conhecida Cia Bastarda; o outro é um coletivo recentemente formado pela experiência do encontro com o Vocacional no ano anterior: a Casa de Vidro, e o terceiro seria um grupo de iniciantes que figura como as demandas anuais já conhecidas pelo programa.

A Cia Bastarda é um coletivo que convive com o programa há cerca de cinco anos, e que foi contemplado pelo Edital do VAI em 2013 pela segunda vez, e nesta edição o projeto é o espetáculo T.E.C.E.R., fruto de pesquisa de um ano e meio em contato com o Programa Vocacional sob orientação de Valéria Lauand e que agora irá se verticalizar como acontecimento cênico através de uma montagem teatral.

O segundo acontecimento foi a formação da Cia Casa de Vidro que recentemente pleiteou junto ao programa orientação aos moldes de grupo e não como integrantes da iniciação, mesmo tendo uma demanda inicial pelo projeto no equipamento cultural,  que ultrapassa 30 novos desejosos de fruir teatro. E sabendo da necessidade de se fortalecer um grupo que tem intenções de seguir as suas práticas emancipatórias, nos vimos diante de um entrave, pois verificávamos estas demandas e ao mesmo tempo não tínhamos estruturalmente capacidade de abarcá-las – pois no equipamento apenas eu seria o responsável pelas orientações de teatro –  realidade que se estendeu para todos os outros equipamentos. Sendo assim, o mesmo programa que propõe as práticas emancipatórias esbarra nas condicionantes estruturais dela mesma para ampliar os seus processos.

A reflexão que se levanta é que, olhando para os processos pelo qual passa o CEU Aricanduva com seus coletivos, percebe se que o projeto utópico do Programa Vocacional, poetizado através da práxis proposta pelo MN[3] não é de nenhuma forma impossível, pelo contrário, é bastante concreta. A perguntas que se colocam para esta análise então são duas:

1: O Programa Vocacional tem como foco a emancipação artística. Portanto, como grupos com uma estrada a exemplo da Cia Bastarda continuam a serem orientados ainda segundo preceitos estruturantes de coletivos iniciantes? Será que não seria possível um pensamento de orientação que fossem mais específicos a estes grupos que já possuem uma história que perpassam as condicionantes atuais? Seria justo para o programa o desligamento destes grupos para que o programa se foque na orientação de novos coletivos oriundos? Já que necessidades de grupos com estas trajetórias como a Cia Bastarda são outras (inclusive com trabalhos mais aprofundados em demandas específicas, como interpretação, corpo, voz, dramaturgia, encenação, entre outros elementos do criar cênico), será que não conseguiríamos pensar em outras formas de orientação, como um núcleo de grupos onde as trocas transpassem a figura de um único orientador? Será que interlinguagens, projeto já existente no programa seria um formato a contento a estes grupos?

2: Como o Programa Vocacional que se propõe a instaurar processos criativos de emancipação, ao verificar que estes coletivos surgem não possui a estrutura de estimular a manutenção destes mesmo coletivos ou mesmo uma flexibilidade que permite de antemão a rearticulação de orientadores a fim de atender à estas demandas? E como também o programa pode criar outras demandas?

Esta reflexão se colocaria, ainda em maio como questão de análise que o programa Vocacional é vitorioso justamente porque percebe que tem forma de seus pensamentos propostos pelo MN tais resultados, porém a sua estrutura atual possui ainda entraves que sugerem uma reavaliação para além de complementação de verbas, e criar formas novas de articulação que, além de atender as demandas que o próprio projeto gerou e ainda gera, criar outras que ainda nem possamos medir, pensando formas de orientação que transcendem as já existentes para melhor pensar os processos de troca estabelecidos entre os artistas orientadores e artistas vocacionados, traçando assim uma fruição condizente ao momento histórico que vivemos.

                                                                             * * *

Chegamos em dezembro. Hoje já terminou a vida anual do Vocacional para os Vocacionados e Orientador, Coordenadores. A Cia Bastarda já estreou seu espetáculo T.E.C.E.R., que chegou num resultado muito impactante, poético, e também ainda em processo. Sai-se com a intenção de que os próximos caminhos do grupo versem pela pesquisa como sempre foi, mas que o espaço deixado pelas vírgulas do processo destinado principalmente à interpretação e treinamento sejam travessões longos dentro da estrutura documental artística que se transforma em cena. Aprendizados de trilha, roteiro, filme, iluminação, narrativas, estruturas, enfim. Coisas muitas. Coisas boas.

O grupo de iniciação apresentou no último fim de semana do projeto na mostra Regional no CEU Aricanduva seu processo dividido em duas partes: O Direito de Chorar, uma implosão da estrutura dramática televisiva que visava tentar reelaborar nossos discursos além das subjetivações estruturantes da novela brasileira que levamos à cena quando estamos iniciando nossa trajetória no teatro; e  também Retratos do Aricanduva, um experimento cênico-imagético de criações não dramatizadas que postulavam como desejos leituras plásticas, estéticas e éticas de seres em composição estáticas com mínimos movimentos, sem personagem, sem sentimentos: apenas gestos. Aqui, a presença nos encontros de Andrea Tedesco  - AO do CEU Tiquatira que veio me auxiliar diante da demanda do equipamento – foi crucial para acalentar crises, acalmar turbulências e inseguranças, fortalecer o processo de criação e parceria. Encontro feliz. Um desejo apontado na reflexão de maio que aparece aqui.

A Cia Casa de Vidro empolgada insuflou ar e perdeu fôlego nos idos de setembro. O projeto de reelaborar a fábula de Fausto no contexto do fim da quarta república nacional brasileira ganhou olhos brilhantes e efusivos. Contudo, a demanda do trabalho ainda exigia a presença maciça do orientador em todo o processo. Diante da empreitada, uma hora semanal que eu conseguia me desprender da iniciação para orientá-los se tornou pouco frutífero, pois ainda acredito eu, necessitavam de uma presença do AO de forma mais marcante e constante. Nos idos de agosto a figura excepcional de Andrea Tedesco tentou reequilibrar o barco, mas a escolha do coletivo Cia Casa de Vidro, diante de algumas ausências impactantes foi deixar na calmaria a embarcação, à deriva, e esperar os ventos de fevereiro e março para que o barco atraque no cais da criação.

                                                                               * * *

As perguntas talvez ficariam mais fortes lá em cima, talvez até retóricas se tentássemos justapor o ano com os anseios iniciais de um ano de orientação. Mas agora, com as águas  das chuvas que fortalecem o dezembro, sem querer fazer considerações fixas, aliar estas mesmas questões com o material concreto no qual chegamos pode nos levar a reflexões que auxiliem a pensar os novos caminhos do Vocacional, programa que se exige e nos exige comprometimento, alegria, engajamento e presença viva. Viva vocacional. Viva seus processos emancipatórios, viva suas crises, suas conquistas e suas contradições.





[1] Artista Orientador de teatro do ano de 2013 no CEU Aricanduva, equipe Leste 1.
[2] BENARD, Isabelle; DELMANTO, Ivan; et all. Proposta Artístico Pedagógica: Material Norteador. IN:   Vocare: Revista do Vocacional. Ano 1, Número 1. SP: Secretaria Municipal de Cultura, 2011. Pp 23.
[3] Material Norteador.


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